Engana-se quem pensa que sim. A literatura dita infantil surgiu com o advento da classe média, da burguesia mais atuante,no século XVII. Antes disso, as crianças eram vistas como adultos em miniatura, com atribuições semelhantes aos dos adultos. Sua educação, costumes, entretenimentos e papel na sociedade não diferiam muito da dos pais.
Não havia esse conceito que temos hoje de que são seres tenros que precisam de uma educação especial, baseada em parâmetros pedagógicos e psicológicos. Naquela época, crianças eram apenas isso: adultos em menor escala. Seus divertimentos eram os mesmos de todos. Música, canto, esportes, estórias. O que os adultos faziam, as crianças também podiam fazer.
Como tal, os contos que hoje chamamos de fadas não foram imaginados para crianças. Eram contados para adultos, tanto em elegantes salões quanto nas rodas suburbanas. As estórias nada tinham de inocente, elementos como bárbaros assassinatos, adultério, incesto, pactos com demônios não seriam particularmente indicados para ouvidos infantis.
As “Fábulas”, publicadas entre 1668-94, de Jean de la Fontaine, por exemplo, eram mais anedotas, com as quais ele costumava deliciar os frequentadores dos mais célebres salões parisienses, como o do ministro do Tesouro de Luís XIV, Nicolas Fouquet, onde as falhas de caráter, vícios e maldades humanas eram transportadas para personagens do reino animal, do que precisamente contos direcionados ao público infantil.
Aliás, muitas das fábulas de La Fontaine foram inspiradas no trabalho de Esopo, um escravo nascido na Frígia em 620 AC, célebre pelos contos bem humorados sobre valores como honestidade, trabalho e lealdade, de narrativa simples e que sempre deixavam uma edificante conclusão – a “moral da estória”. Entre os contos mais famosos dele estão ‘A Raposa e as Uvas’, ‘A Lebre e a Tartaruga’ e ‘A Cigarra e a Formiga’.
A tradição dos contos narrados por babás ou carinhosas avozinhas, no entanto, só surgiu em 1697, com a publicação dos ‘Contos dos Tempos Passados’, do francês Charles Perrault, cujo subtítulo ‘Contos da Mamãe Gansa’ se tornou mais conhecido entre nós.
Já o primeiro livro realmente direcionado a elas foi uma coletânea de cantigas infantis, publicado por Mary Cooper em 1744, cujo sugestivo título era ‘Para Todos os Pequenos Senhores e Senhoritas’. A segunda coletânea foi ‘Melodia de Mamãe Gansa’, atribuída ao livreiro John Newbery, em 1760, considerado o primeiro a descobrir e explorar o mercado de livros para crianças.
Os próximos 100 anos não produziram nada de muito significativo, exceto a coletânea dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm: ‘Contos de Fadas para Crianças e Adultos’, publicada em alemão entre 1812 e 1815 e traduzida para o inglês em 1823. Em 1835 foi a vez do dinamarquês Hans Christian Andersen maravilhar o mundo com o seu ‘Contos para Crianças’.
No Brasil, o maior expoente da literatura infantil é Monteiro Lobato, mas, antes dele, já tivéramos bons trabalhos como a comédia infantil ‘O Gorro de Papai’, escrita em 1880 pelo conde Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior, filho do Visconde de Ouro Preto (um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras), e o maravilhoso ‘Contos das Mil e Uma Noites’ do Malba Tahan (pseudônimo do professor Júlio César de Mello e Souza), publicado em 1925.
De lá para cá, muitos outros grandes autores foram revelados e livros maravilhosos publicados. A lista é tão extensa que não caberia em mil artigos. Para conhecê-los, basta uma visita à livraria ou um passeio pela biblioteca. Permita-se esse encantamento. Sonhar, como diria o poeta, é preciso!
Gabriela Kopinits é jornalista, escritora e contadora de estórias