Artigo: Entre moralismo falso e falsidade pura 

Por Ayrton Maciel*

Refletir sobre o Brasil de hoje é um exercício de ilusão e angústia. Refletir sobre o Brasil de Michel Temer & Cia nos remete a uma indagação, que se impõe diante do País: onde estão os paladinos da moralidade vitoriana (Reino Unido, século 19)? Onde estão os “caçadores de corruptos” que se agruparam nas grandes cidades em 2015 e até abril de 2016? Onde estão os impiedosos inquisidores que sumariamente jogaram à fogueira seus adversários? Onde estão os seguidores do Pato moralizador?

O governo de Michel Temer, uma mistura de golpe com plano de auto-proteção para representantes da moralidade vitoriana, não tem nem um ano e já fez tanto para merecer o parecer das ruas, mas essas continuam indiferentes ao que por cima de nossas cabeças continuam a tramar. A moderna inquisição já fez a sua parte: destituiu o governo eleito. Será que podemos supor – sem cairmos em mãos inquisidoras – que a moral vitoriana brasileira é a moral das elites?

Nos jogarão à fogueira se concluirmos que, para a classe média moralizadora tupiniquim, corrupção é tolerável, “desde que parta das elites”? Desde que não ameace o estrato social secular vigente, nem carregue a retórica da redução da diferença entre classes sociais?

Onde estão os “bons” que tanto desprezaram os “maus” nas ruas, em nome da probidade e da moralidade vitoriana nacional? A qual fogueira nos condenarão, se supormos que a moral dos que levaram Michel Temer ao poder, por um golpe, não suporta uma avaliação de classe?

Será que esses, os inquisidores – hoje recolhidos ao interior de suas varandas -, expressaram apenas a sua insatisfação com um governo que favorecia a ascensão de classes? Porque os argumentos colocados permanecem, e estão organizados no poder em torno de uma barreira de proteção institucional. Uma clara ação entre amigos.

Será que os inquisidores são apenas os que se imaginam sós em aviões? Será que os moralistas vitorianos são os que vão aos shoppings como vão às ruas dos cafés de Paris? Será que são os que se consideram herdeiros das bancas acadêmicas preenchidas por brancos?

Não tem nem um ano e o governo de Michel Temer revolve-se em sucessivos escândalos. Do primeiro a cair, Romero Jucá, do PMDB – que virou líder do governo no Senado – ao último, Geddel Vieira Lima (do PMDB), os ministros caem ou se remanejam no Planalto sem cerimônias. E as ruas? Desertas como o Saara. E os financiadores do Pato “fiespeano” que povoou a Avenida Paulista? O Pato murchou.

Michel Temer remaneja para o cargo de ministro de governo o Moreira Franco, do PMDB, repetidamente citado na Operação Lava Jato, garantindo-lhe imunidade, e as avenidas silenciam. Moreira que é sogro de Rodrigo Maia, do DEM, presidente da Câmara, acusado pela Polícia Federal de ter recebido R$ 1 milhão para defender interesses de empreiteira na Casa. Nenhuma zoada.

Temer indica o ministro da Justiça, Alexandre de Mores, do PSDB, para o Supremo Tribunal Federal (STF), onde vai ser revisor dos processos da Lava Jato. Moraes que faz reunião preliminar com sabatinadores do Senado, em uma chalana no Lago Sul de Brasília. Um ensaio para a peça teatral no Senado. E nenhuma manifestação das ruas.

Estamos sob as regras da moral seletiva. Verdadeiramente, o Brasil não é para principiantes, como avaliou Tom Jobim. Torna-se desilusão e angústia. Os profissionais vendem ilusão. Moralistas vitorianos promovem angústia. Verdadeiramente, quem esteve nas ruas, em sua maioria só queria só tirar do poder quem lhes ameaçava como classe.

*Ayrton Maciel é jornalista e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas 

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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