por Beatriz Souza
Motoristas, motociclistas, pedestres, passageiros e ciclistas estão no trânsito se deslocando para diferentes destinos e com objetivos igualmente diversos: retorno do trabalho, ida a um compromisso importante ou apenas a passeio. Porém, todos se deparam com situações estressantes, como sinfonia de buzinas, congestionamentos e desrespeito às leis de trânsito. Não raro, esse ambiente democrático torna-se hostil e se revela ideal para a troca de afrontas entre os usuários. Para que acidentes não agravem esse cenário, manter a paciência e a calma são determinantes. Conforme estudo inédito do Instituto de Transportes da Virginia Tech, associadas à direção, raiva, agitação e tristeza aumentam em quase dez vezes os riscos de colisões. Para entender em que momento dirigir passou a ser encarado como um ato estressante, a Perkons ouviu alguns especialistas.
Antropólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Bernardo Conde enxerga o trânsito brasileiro como um retrato de traços culturais específicos, como a hipervalorização da emoção. “As pessoas manifestam suas vontades individuais também em espaços públicos, como o trânsito, onde o esperado é se agir com a razão. Por isso sorrimos ao pedir vez a outro motorista, pois assim, demonstramos emoção. Da mesma forma, agimos emocionalmente quando ao invés de nos planejarmos para sair uma hora antes para percorrer determinado trecho, saímos com atraso de 30 minutos e a mesma expectativa. O resultado é a frustração e, por consequência, o estresse”, elucida. Segundo ele, as oscilações de humor também respingam nas interações entre os usuários, que, em sua maioria, se tratam com distanciamento. “Somos um povo muito cordial e solidário com o que nos comove, mas não com os desconhecidos, como é o caso do motorista ao lado”, completa.
Conforme Conde, mesmo em meio ao sentimento de intolerância generalizada que se alastrou pelo país nos últimos tempos, a falta de gentileza no trânsito não se originou na contemporaneidade, mas veio se consolidando há décadas. “O trânsito está mais caótico e nós menos tolerantes. O estresse traz consequências e agora, com mais informação e divulgação do que acontece no dia a dia, a sensação é de que tudo está pior. Não se pensa no bem comum. Não consigo perceber que sou tanto quem tem pressa dentro do ônibus, como quem está no ponto raivoso com o motorista que não parou”, analisa.
Dominar as próprias emoções pode garantir um trânsito harmonioso
Apesar de decisiva, a abordagem emocional do trânsito ainda é recente e, conforme o vice-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), Mauro Gil, perde espaço para pontos também vitais, como a importância do cinto de segurança e os riscos de associar ao volante celular ou bebida alcóolica. “Estamos predispostos a reagir de maneira agressiva em situações desconfortáveis e embora essa tendência não seja exclusividade do trânsito, costuma ser transportada para ele com frequência. O perigo é o carro ser visto como válvula de escape, mesmo sendo uma arma”, ressalva.
Perceber o trânsito como um espaço democrático, compartilhado e que exige respeito e reciprocidade é, para Gil, o primeiro passo para impedir que as emoções aflorem de maneira nociva. “As pessoas pensam que ditam as regras do trânsito, quando, na verdade, o que acontece é o contrário. Se não houver esse discernimento, os acidentes continuarão a ocorrer. É preciso refletir e questionar as próprias condutas”, aconselha.
Recomendações como essas são a premissa básica do Programa de Educação Emocional no Trânsito (PEET), dirigido pelo educador de trânsito Rodrigo Ramalho. Ele explica que a associação entre estresse e volante remonta à década de 1990 e é conhecida como fenômeno road rage (raiva no trânsito). Mas foi no ano de 2006 que países como Brasil, Rússia e Estados Unidos passaram a apresentar casos mais recorrentes de conflitos violentos no trânsito. Na análise do educador, uma das razões que corroborou para a difusão desses embates foram os recordes de congestionamentos registrados em algumas capitais a partir da década de 2000. E a cada ano, os recordes são superados. “A falta de espaço e de tempo tornaram o ambiente do trânsito muito mais competitivo na década de 2000 do que nos anos 80 e 90. Soma-se a isso, um universo de celulares e outros dispositivos de registro de imagens que flagram esses conflitos”, ressalta.
Sejam os suscitadores da raiva os engarrafamentos ou a postura dos demais usuários, Ramalho acredita ser possível reverter um cenário a priori agressivo em um espaço de convivência pacífica e harmoniosa. “Ter domínio do próprio comportamento e relacionar-se com mais inteligência emocional é um passo importante para o sucesso na vida pessoal, profissional e também no trânsito”, salienta. Para equalizar as emoções e evitar que o estresse interfira na saúde física e mental, ele orienta o desenvolvimento da empatia, o controle da raiva e a aplicação de técnicas de comunicação positiva.