Antônio Lawand, advogado e professor na Maritime Law Academy (MLaw)
O próprio termo “desestatização” já costuma causar polêmica: não é incomum as pessoas pensarem que quando um bem ou empresa pública passa para a gestão da iniciativa privada ocorrerá aumentos significativos nas tarifas cobradas e uma piora na qualidade dos serviços prestados ao público. No entanto, as experiências ruins não devem se sobrepor às boas e, no caso dos portos, a situação deve ser diferente em função da natureza do serviço público: continua a ser controlado obrigatoriamente pelo Estado, por força da Constituição Federal. Ou seja, há regras específicas, especiais em relação aos outros setores do serviço público, para que possa ocorrer a desestatização de um porto.
No Brasil, cerca de 90% do comércio exterior é feito por meio marítimo. Assim como uma unidade de negócios tão fundamental ao país, um porto também precisa ser bem gerenciado para que possa apresentar os melhores resultados operacionais. Como todos os “portos organizados” do Brasil são públicos, quem faz esse gerenciamento é o próprio Estado ou alguém sob sua concessão (privados) ou delegação (outros entes estatais).
Com a desestatização, a gestão desses serviços passaria para uma empresa concessionária, tal qual acontece com as rodovias privatizadas: continuam sendo públicas, mas com gestão realizada pela iniciativa privada durante determinado período de tempo.
Um exemplo desse modelo de desestatização pode ser visto na Via Dutra, rodovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, e no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins (MG). Tanto a rodovia quanto o aeroporto são infraestruturas do poder público que, por meio de concessão, passaram a ser gerenciadas por empresas do setor privado. No caso dos portos, a lei prevê cláusulas especiais para a adjudicação do contrato de concessão, e também prevê que a fiscalização dos serviços prestados e arrendamentos portuários continue sendo feita pelo poder público por meio da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Não há transferência da autoridade estatal de forma alguma!
Com isso, a empresa que assumir o gerenciamento do porto só poderá recolher os valores referentes ao seu próprio serviço de administração portuária. Dito isso, todos os repasses, tarifas e preços praticados pelos detentores de arrendamentos portuários terão que ser abertos porque desse valor se saberá quais partes correspondem a taxas, impostos e às receitas do concessionário. Essa vai ser uma situação bastante interessante e com uma transparência única ainda não vista no setor portuário.
É necessário lembrar a importância que o transporte aquaviário tem para o país, seja para fins de lazer, seja para a importante missão de manter o comércio com o resto do mundo cada vez mais dinâmico e eficiente. A entrega do gerenciamento dos portos ao setor privado poderá proporcionar a ampliação da malha portuária, tanto costeira quanto de águas interiores, executando um modelo de importância estratégica de ocupação e expansão do nosso país.
Aliás, os portos são estratégicos! A China, por exemplo, que é um dos países mais fechados do mundo, opera a maioria dos portos da costa da África, conquistando uma vasta expansão no Pacífico, ampliando domínio geopolítico com o instrumental do porto.
Mesmo que a intenção e as propostas sejam de avanço e crescimento é de suma importância que todos os processos da concessão seja acompanhados pela sociedade civil, pelo terceiro setor e por todos os stakeholders envolvidos. Afinal, o funcionamento de um porto não interessa só a ele mesmo, mas a um país inteiro, especialmente ao contexto social onde está inserido.