Artigo: Mãe! – Os ensinamentos das mortes de George Floyd e Miguel Otávio de Santana da Silva

Por João Américo Rodrigues de Freitas

Se você é negro, tem mais chances de morrer do que uma pessoa branca. Ter a cútis escura pode ser uma sentença de morte, e foi isso que ocorreu no Estados Unidos da América (EUA), em Minneapolis. Um homem negro, anônimo, acusado de fazer uma compra com uma nota falsa de 20 dólares , desarmado, algemado, jogado no chão, foi julgado e sentenciado à morte pela polícia. Em sua defesa, o homem jogado no chão, com o seu pescoço esmagado por um policial, gritando, gemendo de dor, dizia: “POR FAVOR, EU NÃO CONSIGO RESPIRAR”. Antes de morrer, o homem chamava pela pela sua mãe, clamava ele “MAMMA, MAMMA”. O homem grande e feito sentiu a falta de sua mãe. Essa falta também foi sentida pela criança pobre de 5 anos, filho de uma empregada doméstica, que ao sair para passear com o cachorro da madame, deixou seu precioso e único filho com a patroa, a criança sentido falta da mãe morreu à sua procura.

A morte sádica do americano negro George Floyd gerou protestos por todo o mundo, fazendo renascer a discussão pública acerca do racismo estrutural presente nos EUA e em nossa sociedade. E no Brasil, a morte estúpida de uma criança negra, descuidada pela patroa, filho de uma empregada doméstica, lança luz acerca do que é ser negro e pobre no Brasil desigual, que trata do tema preconceito sem maturidade e com profunda hipocrisia negacionista do preconceito racial enraizado em nossa sociedade, fruto de uma construção histórica, antropológica e social.

Ser negro, em algumas partes do mundo, representa, na corrida da vida, sair sempre atrás, ter oportunidades diminuídas, e ser negro no Brasil é sempre ser suspeito, excluído, discriminado. No Brasil nem todo pobre é negro, mas a maioria dos pobres são negros. 78%, estima-se. No Nordeste, o número é de 79,7%.

Ao negro foi dado o local de ser invisível e sem fala, em uma política de silenciamento, onde as questões raciais brasileiras não são debatidas com verdade e de verdade nos grandes palcos sociais. A população afrodescendente brasileira é composta de 56,10%, ou seja, a maioria, mas os negros ganham 1,2 mil a menos que brancos em média no Brasil, ou 31% a menos do que os brancos. Empregos como Engenheiros da computação, mecânico, argonáutico, Professores de Medicina, Odontologia e Direito e Universitários em geral são ocupados em média por 90% de brancos e 10% de negros e pardos. Em grandes escritórios de advocacia os negros são menos de 1%. Enquanto os cargos de agente de segurança, operadores de telemarketing, serviços domésticos, construção civil são ocupados, majoritariamente, por pessoas negras. Alguns, consciente ou inconscientemente, a fim de calarem a boca das vozes que se levantam em busca de igualdade racial no Brasil, mesmo diante desses dados, utilizam do argumento falacioso de que o negro se vitimiza. Existe uma lógica invertida no raciocínio de reclamar. Se alguém fala de suas dores, problemas, gera, rapidamente, empatia. Se feito isso por redes sociais, o apoio vem por meio de hashtags. Essa lógica não funciona para os povos negros, que na visão turva ou perversa de alguns deve engolir suas dores. A política de silenciamento passa diretamente pelo argumento de dizer em outras palavras que você se “vitimiza”, ou de que “somos um só povo”, não existe essa de negros e brancos. Os dados do Brasil real mostram o contrário, afinal, quem tem mais oportunidades?

Nossa sociedade deve aprender com as trágicas mortes de GEORGE FLOYD e MIGUEL OTÁVIO SANTANA DA SILVA. Temos um saldo devedor racista, que deve ser, a todo custo, extirpado de nossa vida, sociedade e mundo. Não dá para conviver passivamente com o racismo, não podemos fazer vista grossa, não se pode debochar das dores dos outros. CHEGA DE RACISMO, CHEGA DE INDIFERENÇA!

Obs.: escrevo esse pequeno e humilde artigo em memória dessas duas pessoas GEORGE FLOYD e MIGUEL OTÁVIO SANTANA DA SILVA. Que Deus os acolha no seu reino de amor e que conceda o conforto necessário aos que ficaram.

“Nunca estive na África, mas a África sempre esteve em mim”.

João Américo Rodrigues de Freitas é advogado

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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