ARTIGO: O JUSTIÇAMENTO DA CULTURA DO CANCELAMENTO

Por João Américo de Freitas

A sociedade sempre elege alguns valores universais, valores que tocam a todos. Acerca desses valores se estabelece uma lógica simples: aqueles que violam algum desses valores universais será logo objeto da ira da sociedade, ou parte dela. Ou seja, quando se presencia um ato que se considera errado ou ofensivo aos olhos da moralidade e ética de uma sociedade ou de um grupo social, nasce em alguns o desejo de justiça, em outros, casos de vingança.

Acontece que alguns valores e regras de comportamento podem ser ofensivos e inadequados para uns e passarem despercebidos para outros. No fim, existe muita construção subjetiva em relação a certos comportamentos humanos tidos como ofensivos, inadequados e agressivos.

O linchamento, justiçamento e julgamento público sempre fizeram parte do eu coletivo social, em um conceito de justiça popular, onde se estabelece um tribunal imaginário, sem regras, sem direito de defesa e com julgamentos sumários.

Nos tempos de internet o linchamento público ganhou a alcunha de “cultura de cancelamento”. Funciona basicamente assim: alguém (influente ou não), ou um grupo de pessoas, identifica, através de uma postagem, imagem, foto ou vídeo uma ação (ato ou fato) que considera errado. Os internautas ou usuários de redes sociais, diante da “falha”, publicam o erro da pessoa ou empresa com crítica ao ocorrido. A depender do caso, a postagem criticando alguém (pessoa ou empresa) se prolifera, e em havendo a adesão de uma celebridade amplifica-se o alcance da crítica, chegando a centenas de milhares de pessoas. O próximo passo, depois da crítica, é uma busca da vida pregressa da pessoa, para associar a sua imagem a algo negativo, que não precisa necessariamente ter relação com o seu eventual erro. Depois, se quem cometeu o erro tiver redes sociais, passa-se a um ataque sistemático em suas páginas pessoais ou profissionais. Por fim, pessoas promovem uma campanha para que pessoas deixem de seguir quem cometeu o ato falho, e por não aguentar tanta pressão, de tão variados lugares, a pessoa que tenha eventualmente praticado o um mal feito, se vê obrigada a deixar as redes sociais.

O “cancelamento” representa um ataque digital à reputação de alguém. A pessoa “cancelada” não só perde as redes sociais. Os efeitos do “cancelamento” podem afetar o emprego, a vida, além de sua saúde.

O outro problema do “cancelamento” diz respeito ao fato de se taxar uma pessoa eternamente pelo seu erro. Na política do “cancelamento” o pedido de desculpas não tem espaço.

Em uma sociedade desnorteada, com valores extremos e por vezes conflitantes, e sem definição clara entre o bem o mal, definir entre o que é errado e correto há uma linha muito tênue, com as exceções do absurdo.

Desse modo tenhamos muito cuidado ao adotar a “cultura do cancelamento”, uma vez que a “punição” promovida pelos usuários das redes sociais a quem expressa uma opinião ou age de forma supostamente “inaceitável” pode conter um julgamento precipitado, sem que haja oportunidade para defesa.

Que possamos lembrar de Jesus, em Mateus 7: “Não julgueis, para que não sejais julgados, pois com o critério com que julgardes, sereis julgados; e com a medida que usardes para medir a outros, igualmente medirão a vós. Por que reparas tu o cisco no olho de teu irmão, mas não percebes a viga que está no teu próprio olho?”.

João Américo de Freitas é advogado e analista político na Caruaru FM (104.9)

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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