Por Luciano Correia Bueno Brandão
Estima-se que ao menos 200 milhões de pessoas estejam infectadas pelo vírus da Hepatite C ao redor do mundo. No Brasil, o Ministério da Saúde estima que 1,5% da população tenha a doença, sendo que 95% das pessoas não sabem disso. Trata-se de uma verdadeira epidemia silenciosa, que a cada ano leva milhares de pessoas à morte decorrente de disfunções do fígado, tais como cirrose hepática, câncer de fígado, entre outras. Felizmente, as pesquisas farmacêuticas tem obtido sucesso em desenvolver medicamentos que apresentam eficácia de mais de 90% no combate da doença. Além disso, a Anvisa avalia a liberação de uma associação medicamentosa de cinco fármacos e ainda há também, exames de ponta como o Fibroscan, que garante um correto diagnóstico e acompanhamento.
Nos Estados Unidos e Europa, tais medicamentos são corriqueiramente utilizados. No Brasil, embora com inegável atraso, a Anvisa promoveu recentemente ao registro dos fármacos. No entanto, embora com a liberação do uso dos medicamentos em território nacional, muitos pacientes ainda encontram restrições de acesso ao tratamento. No caso dos planos de saúde, são corriqueiras as negativas de cobertura dos medicamentos, ora sob a alegação de que tais tratamentos não constam do rol de procedimentos obrigatórios da ANS, ora sob a justificativa de que o tratamento com uso de tais remédios teria caráter experimental. As justificativas apresentadas pelos convênios, no entanto, são infundadas. O Judiciário há muito tempo vem consolidando o entendimento de que o rol divulgado pela ANS não é taxativo, servindo apenas de referência de cobertura.
Da mesma forma, a Justiça vem considerando que por “experimental” considera-se o tratamento sem qualquer amparo ou comprovação científicos de sua eficácia, não utilizados pela comunidade médica internacional e não reconhecido pelo Ministério da Saúde, o que definitivamente não é o caso dos medicamentos prescritos para o tratamento da Hepatite, sendo certo que sua eficácia é comprovada por estudos inclusive fora do País. O Desembargador Francisco Loureiro, da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por ocasião do julgamento da Apelação Cível n.º 990.10.576331-6, considerou que: “(…) pelo termo “tratamento experimental”, cuja cobertura está de fato excluída do contrato, se deve entender apenas aquele sem qualquer base científica, não aprovado pela comunidade nem pela literatura médica, muito menos ministrado a pacientes em situação similar. Seriam os casos, por exemplo, de tratamentos à base de florais, cromoterapia, ou outros, ainda sem comprovação científica séria”.
O posicionamento consolidado das Cortes acerca do tema levou o Tribunal de Justiça de São Paulo, inclusive, a editar a Súmula 102, TJ/SP estabelecendo que: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental”. O Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento no sentido de que “o que o contrato pode dispor é sobre as patologias cobertas, não sobre o tipo de tratamento para cada patologia alcançada pelo contrato. Na verdade, se não fosse assim, estar-se-ia autorizando que a empresa se substituísse aos médicos na escolha da terapia adequada de acordo com o plano de cobertura do paciente. E isso, pelo menos na minha avaliação, é incongruente com o sistema de assistência à saúde, porquanto quem é senhor do tratamento é o especialista, ou seja, o médico que não pode ser impedido de escolher a alternativa que melhor convém à cura do paciente” (3ªT., REsp 668.216/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 15.03.2007, v.u., DJU 02.04.2007).
Assim, fato é que médicos tem assegurada a liberdade de prescrever os medicamentos mais adequados ao tratamento de seus pacientes e estes, por sua vez, tem o direito de ter acesso aos remédios e exames necessários conforme a expressa indicação médica. Vale salientar que o fato de os medicamentos serem administrados em ambiente domiciliar (dispensando a internação hospitalar ou ambulatorial para que o paciente seja tratado) não afasta o dever de cobertura pelos convênios. Diante de todas estas breves ponderações, é possível afirmar que eventuais restrições ilegais e injustificadas de cobertura tanto pelos sistema público, quanto pelos planos de saúde privados no que diz respeito ao fornecimento de medicamentos de alto custo necessários ao tratamento da Hepatite podem (e devem), ser questionados no Judiciário a fim de garantir o correto e adequado tratamento aos pacientes.