Por Rômulo Saraiva
Todos os anos de maneira invisível um emaranhando de regras circulam alterando o sistema previdenciário, sem sequer serem percebidas pelo grande público. São decretos, leis, medidas provisórias, instrução normativa, memorando, circular, portaria interministerial e resoluções. Agora, a reforma previdenciária anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro é feita de modo vistoso pela Proposta de Emenda Constitucional. Mexe diretamente na lei maior do país. É como um cheque em branco. Pode mudar radicalmente tudo. E a PEC n.º 06/2019 tem justamente esse propósito. Se for aprovada, a “Nova Previdência” pode esvaziar a proteção social da população, principalmente quem depende do INSS. A longo prazo, o estado de bem-estar social pode se transformar numa “terra do salve-se quem puder”.
O direito foi concebido para espelhar as demandas de sua população. Por isso, muitas vezes é impertinente fazer comparações com a realidade de outros países. No entanto, na cabeça dos nossos políticos o trabalhador brasileiro está sendo tratado como se europeu fosse. Parte-se do pressuposto que haja empregabilidade, boas moradias e salários, funcionamento dos serviços públicos, desnecessidade de pagar plano de saúde ou baixa sinistralidade em acidentes de trabalho ou de trânsito.
A reforma impõe idade mínima para novas aposentadorias com 65 anos de idade para o homem e 62 para a mulher, no entanto, para alcançar a integralidade precisa trabalhar por 40 anos. Para quem já está na ativa, a regra de transição por pontuação exige que em 2033 a mulher tenha 30 anos de contribuição e 70 anos de idade para se aposentar, mesmo requisito etário do homem, acabando, portanto, a diferença entre sexos. Para as mulheres que atuam como professoras ou trabalhadoras rurais, a diferença de idade para se aposentar já desaparece de imediato. Seria 60 anos para homem e mulher.
A legislação que foi concebida por nossos políticos retrata uma realidade que é bem diferente do que somos. O Dieese costuma retratar que mulheres recebem salário 30% mais baixo que o do homem, além de suas atribuições com a casa e com a família. Vivemos numa sociedade patriarcal. As mulheres sabem muito bem disso. Não faz o menor sentido manter a diferença etária de 3 anos para a mulher da cidade e igualar requisitos para a professora em sua missão penosa ou a rural com o sol claudicante.
No “Brasil dos parlamentares”, não se enxerga que culturalmente pessoas com mais de 45 anos têm dificuldade de se empregar, quanto mais continuar no batente até 62 ou 70 anos. O que provavelmente vai acontecer é que as pessoas – por necessidade existencial – vão continuar trabalhando e pagando a Previdência por um tempo; não que isso vá garantir delas poderem gozá-la. Na velhice ou na invalidez, quem não tiver cobertura previdenciária, pode pedir ao governo o benefício assistencial. Para isso, basta abrir o sigilo bancário, receber um “bolsa-família da vida”, não ter patrimônio ou uma casa de R$ 98 mil que poderá se credenciar para receber uma renda de R$ 400,00 por mês para pagar as despesas de sua família a partir dos 60 anos, aumentando esse valor para um salário-mínimo aos 70 anos, caso a pessoa esteja viva.
Se durante a vida a pessoa se tornar inválida ou morrer, o valor do benefício será calculado com a base inicial de 60% sobre o conjunto de contribuições. Somente se a invalidez tiver nexo com o trabalho é que o valor será integral. A viúva somente terá renda de 100% caso tenha mais de cinco filhos.
Por definição, reforma é o nome que se dá a uma mudança de forma, uma modificação na forma, a fim de aprimorar. Mas pelo visto a reforma previdenciária da PEC n.º 06/2019 não busca um aperfeiçoamento exatamente. Ela cria uma Nova Previdência, ainda que totalmente desconexa com as demandas e as peculiaridades sociais.
* É jornalista e advogado especialista em Previdência pela Esmatra VI e Esmafe/RS, escritor, professor universitário, blogueiro, consultor jurídico, colunista e mestrando em Direito Previdenciário pela PUC/SP