A organização Global Health Strategies, que antecipou o teor das falas da sessão, também apurou que 42% das arguições em defesa da liberação do aborto serão articuladas a partir de dados científicos. Do lado contrário, essa estratégia de persuasão será adotada por 1,9% dos participantes e mais da metade deles (55%) fará apresentações baseadas em princípios religiosos.
O levantamento constatou também que quase metade (43,7%) dos palestrantes é formada por especialistas da área jurídica, sendo que a maioria deles (82%) é a favor da descriminalização. A mesma opinião prevalece entre os especialistas da área da saúde.
No total, o STF recebeu 187 inscrições de interessados em participar da audiência, pedida pela ministra Rosa Weber, relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que entende que o aborto voluntário deve ser permitido até a 12ª semana de gestação. A justificativa da ministra para a realização da audiência é de que o evento consiste em “um método efetivo de discussão e de construção da resposta jurisdicional”.
Distribuídos em dois turnos, ao longo das duas datas, os candidatos habilitados poderão defender sua posição durante 20 minutos. Ao final de cada bloco, eles poderão ser questionados pelos ministros da Corte, a fim de esclarecer algum ponto de sua manifestação, no chamado espaço deliberativo, que terá duração máxima de meia hora. Participarão ainda das audiências autoridades da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Ministério da Saúde, do Congresso Nacional e representantes de outras instâncias governamentais.
Segundo o STF, os critérios utilizados na escolha dos expositores foram a representatividade técnica na área e atuação ou expertise com relação ao assunto. Além disso, o tribunal destaca que buscou garantir equilíbrio entre os perfis de apoiadores da legalização do aborto e opositores.
Entre os selecionados, estão um bispo e um padre da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que se coloca contra a legalização do procedimento abortivo, e Debora Diniz, da Anis – Instituto de Bioética, organização que já realizou duas edições da Pesquisa Nacional do Aborto, em 2010 e 2016, e que protocolou, com o PSOL, a ADPF 442, que questiona a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal.
Aborto e religião
Em entrevista concedida à Agência Brasil, Lusmarina Campos Garcia, que representará, na audiência, o Instituto de Estudos da Religião, diz que o aborto não deve ser encarado apenas no âmbito do direito penal, e sim como uma questão de saúde pública, que está atrelada a uma carga moral que recai, sobretudo, sobre as mulheres. “Não é uma questão de direito penal e não deve ser decidida sob esse ângulo, considerando a realidade de mulheres que abortam e que, por não ter condições de acesso a um serviço de saúde pública de qualidade, acabam, muitas vezes, morrendo”, afirmou.
Teóloga e mestre em direito, ela esclarece que, na unidade da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) onde é pastora, as figuras de autoridade são orientadas a acolher as mulheres que optam por interromper a gestação.
“Na minha igreja – não posso falar pela IECLB como um todo -, a gente não apoia o aborto enquanto método contraceptivo, mas entende que todas as pessoas que vão tomar essa decisão precisam ser respeitadas, porque são adultas, autônomas e precisam ser respeitadas na sua autonomia. E, como é uma decisão que vem com muita dor, a posição dos pastores deve ser de acompanhamento para essas pessoas, não é de ficar utilizando discurso religioso para culpabilizá-las”, explicou.
“A decisão de abortar nunca é leviana, é uma decisão sofrida, e as pessoas, no seu sofrimento, precisam ser acompanhadas com carinho e amor, não julgamento, e não só diante desse sofrimento, mas de qualquer sofrimento humano”, completou.
A CNBB, por sua vez, tem mobilizado autoridades de todo o país em uma campanha contra a legalização do aborto. Bispos da Bahia, de Sergipe e Santa Catarina se pronunciaram em conjunto, na última quarta-feira (1º), quanto à causa, sustentando que o direito à vida é inviolável e deve ser preservado.
Conclamando “a todas as pessoas de boa vontade”, o bispo de Joinville (SC), dom Francisco Carlos Bach, lembrou que, em 11 de abril do ano passado, a instituição já argumentava que o aborto jamais deve ser considerado um direito de uma mulher ou de um homem, uma vez que se sobrepõe ao direito à vida do nascituro.
O bispo de Chapecó (SC), dom Odelir José Magri, afirma que o direito à vida é o mais fundamental dos direitos e, por isso, deve ser protegido. “Ele é um direito intrínseco à condição humana e não uma concessão do Estado. Os poderes da República têm obrigação de garanti-lo e defendê-lo”, afirmou.
Agência Brasil