O distanciamento social, imposto pela pandemia do coronavírus, afetou o dia a dia de toda a população, que precisou se adaptar à nova realidade. No caso de crianças com doenças crônicas, como hemofilia e diabetes, os desafios foram ainda maiores, como ocorreu com o filho de oito anos do Lucas Schirmer, João Lucas, que tem hemofilia A grave com inibidor, no qual o sangue não coagula adequadamente, levando a sangramentos espontâneos e por vezes de difícil controle; e com a filha de seis anos da Cláudia Vaz, Luiza Vaz, com diabetes tipo 1, caracterizado pelo excesso de açúcar no sangue, que requer tratamento com insulina.
Em quarentena, Lucas Schirmer e sua esposa notaram que a falta de atividades extracurriculares e convivência levaram os dois filhos a comportamentos agitados, o que resultou em um machucado no pé de João Lucas, um risco por conta de sua condição de saúde. Com isso, adotaram uma estratégia diferente, de continuar com o distanciamento social, mas incluir atividades que usam o corpo e a criatividade, para gastar energia com qualidade, com passeios pelas áreas comuns do condomínio e nas proximidades do bairro. O contato com um médico de confiança também foi essencial para esclarecer dúvidas sobre as dificuldades e os incidentes que podem acontecer. “Procuro equilibrar as restrições do meu filho com as atividades comuns a uma criança de oito anos, e tomo cuidado com a mensagem que passo, pois acredito que uma postura negativa em relação à hemofilia pode influenciar sua personalidade e a forma de lidar com a doença”, afirma o pai Lucas Schirmer.
A mãe das gêmeas Camily e Luiza Vaz, Cláudia Vaz, também enfrentou dificuldades com uma das filhas que possui diabetes. A pandemia coincidiu com o início de terapia com a bomba de insulina para Luiza. O começo foi mais difícil, mas conseguiram se adaptar. Neste momento, as doses precisaram de ajustes específicos, já que estão em casa, com pouca atividade física e comendo um pouco mais. “…A terapia nutricional é a contagem de carboidratos e a Luiza se alimenta normalmente dentro das limitações para a idade dela, seguindo regras e exceções. A bomba de insulina foi ótima, pois trouxe mais flexibilidade. Independentemente de qualquer problema, o cuidado com o diabetes é nossa prioridade, porém sem tirar nossa alegria e liberdade. Acho que melhor maneira de lidar com uma doença crônica é a aceitação, é preciso tornar os cuidados uma condição para viver melhor a cada dia…”, conta a mãe Cláudia Vaz.
Segundo a hematologista pediatra, doutora Christiane Pinto é possível as crianças com hemofilia terem uma boa qualidade de vida com o tratamento adequado, desde que sejam tomados alguns cuidados. “Traumas, batidas ou quedas, por exemplo, são perigosas, pois podem levar a sangramentos. A permanência dentro de casa, pode causar ansiedade e agitação. Por isso, é importante um olhar atento dos pais e um bom diálogo”, reforça.
Já em situações de crianças com diabetes, é necessário que a rotina seja mantida, com cumprimento exemplar do plano alimentar, dos esquemas de aplicação de insulina e da prática de atividades físicas, em casa. “É muito importante manter o acompanhamento, mesmo em tempos de pandemia. Aplicativos e softwares de análise são úteis para os pacientes compartilharem seus dados de glicemia e bomba de insulina com seus profissionais de saúde mesmo à distância. Seu médico será fundamental para trazer tranquilidade em tempos incertos”, orienta Mariana Pereira, endocrinologista e consultora da Roche Diabetes.
De acordo com a terapeuta ocupacional e pedagoga do Ambulatório de Hemofilia da Unicamp, Ariane Stefanelli, estabelecer uma nova rotina para os pais e para as crianças pode ser uma boa saída também. “A escola precisa estar incluída no dia a dia, mas a brincadeira e a tranquilidade devem estar presentes. É preciso ser criativo, fugir dos aparelhos eletrônicos, com jogos e brincadeiras, adaptar atividades físicas”, explica.
No caso de crianças com doenças crônicas o cuidado precisa ser maior. “Desde muito cedo trabalhamos a conscientização da hemofilia e agora é o momento para reforçá-la por meio da conversa. Com seis anos, por exemplo, os pacientes se comparam com os amigos e podem desenvolver comportamentos ruins para o controle da doença, como esconder os machucados, não querer fazer o tratamento. Então, é importante explicar de forma didática, com abordagens lúdicas e criativas, apostar em jogos de tabuleiros e culturais”. Ariane Stefanelli acredita que este é o momento do fortalecimento do vínculo familiar, a valorização do simples e do afeto. “Os pais hoje precisam de um outro olhar e tolerância para a criança, reaprender com a limitação que seu filho tem”, conclui.