Por Ana Paula Coscrato dos Santos (*)
Profissionalmente eu navego em dois mundos com características bem específicas. De um lado, gerencio a empresa que minha mãe fundou há 41 anos, no interior de São Paulo, em um mercado bastante tradicional, que é o de Contabilidade. E de outro, trabalho, na capital, com desenvolvimento de pessoas e negócios que buscam se preparar para as tendências de futuro do trabalho, do mercado e da sociedade.
Muitas vezes esses mundos parecem quase incompatíveis. As coisas, em cada um, acontecem em ritmos diferentes, as pessoas com quem me relaciono são de perfis diferentes, os interesses são também muito diferentes. Por vezes, até opostos. Nem melhor, nem pior. Não há juízo de valor aqui. São, apenas, diferentes. E isso requer de mim uma grande adaptação, paciência, compreensão e resiliência.
E como esses dois mundos são muito fortes em mim, fiquei refletindo sobre o que escrever. Desenvolvimento humano ou sobre como aumentar seu faturamento? Mudanças no mundo do trabalho ou sobre como pagar menos impostos? A importância de se investir em pessoas ou sobre como tornar a empresa mais eficiente?
Até que, trocando ideia com um amigo querido, fui provocada: por que não escreve sobre como transformar uma empresa familiar numa empresa do futuro?
Quando nos deixamos tomar pelas preocupações e ansiedades do dia-a-dia, deixamos de ver com olhos claros. Essa provocação fez dar-me conta de que o movimento que estou fazendo na Contac é justamente o de integrar e adaptar toda a tradição desses 41 anos às avassaladoras mudanças que o mercado e o mundo têm enfrentado. No ano passado começamos um grande e desafiador processo de transformação de uma empresa familiar numa empresa do futuro.
INTEGRAR. Esse é o primeiro aprendizado que tiro desse movimento. Entendi que de nada serve trazer minha experiência sem honrar a experiência da minha mãe. Não posso focar exclusivamente em aumentar faturamento e melhorar eficiência sem pensar no desenvolvimento das pessoas e de um bom ambiente de trabalho, porque, afinal, uma coisa não se sustenta sem a outra. Não posso fechar os olhos para os impulsos que as novas gerações trazem e também não posso desconsiderar toda a contribuição que gerações mais antigas têm oferecido à empresa até hoje. Não posso continuar achando que o que fizemos até aqui sempre vai dar certo: o mundo, há apenas 70 anos, era linear, estável e tudo funcionava localmente. Hoje é complexo, incerto e funciona em rede, globalmente. Não podemos levar em conta aspectos somente concretos (números, dados, recursos, processos) sem integrá-los aos mais sutis e intangíveis (relações internas e externas, comunicação, cultura empresarial, valor da marca, pessoas).
Fui entendendo, também, que antes de integrar esses aspectos na empresa, integrei-os dentro de mim. Só pude iniciar esse movimento de transformação organizacional quando aceitei que esses dois universos fazem parte da minha vida e que eles são complementares. Enquanto eu os via como coisas diferentes não estava funcionando.
Não importa se sua empresa é familiar ou não, se tem muitos anos ou acabou de nascer, se você é autônomo ou se está ainda pensando em ter o seu negócio. Fato é que você é ou será empreendedor e seu empreendimento é extensão da forma como você pensa (lê o mundo), sente (interage com o mundo) e age (atua no mundo). E que é muito importante você dar atenção aos aspectos sutis e internos — seus próprios e da gestão da sua empresa.
Então, antes de entrarmos em aspectos mais “concretos” sobre empreender, vamos fazer algumas reflexões:
– O que te move a querer ter seu próprio negócio?
– Como você lê o mundo?
– Quais são seus talentos (coisas que você faz muito bem) e paixões (coisas que você ama fazer)?
– Que valores são essenciais para você?
– Como o seu pensar, seus talentos e paixões e seus valores podem te ajudar no seu negócio?
– O que você precisa integrar?
Empreender requer um grande compromisso. Empreender em família requer compromisso dobrado. Eu, depois de idas e vindas, muito autoconhecimento e reflexão, por escolha consciente, renovei meus votos com a empresa. Há casos, no entanto, de membros das gerações seguintes que não querem dar continuidade aos negócios da família. E esse assunto dá uma boa história, que fica para outro artigo.
(*) Ana Paula Coscrato dos Santos é administradora de Empresas, Gestora e Facilitadora do Impulso Emerge, Co-fundadora e Coach pela Eight Coaching, Gestora da Contac Gestão e Contabilidade