Aos 55 anos, João Dionísio Filgueira Barreto Amoêdo é um homem de números e cálculos. R$ 425.066.485,46 de bens, dois cursos universitários — incluindo engenharia civil, que tem a matemática como princípio —, mais de dois milhões de likes e seis ironmans, a modalidade de triatlo com 3,8km de natação, 180km de ciclismo e 42km de corrida. Pode-se elencar outras cifras ou contas, a partir de patrimônio, gastos financeiros de campanha, milhas acumuladas, impulsionamentos nas redes sociais ou tempos de provas, mas o mais importante para Amoêdo, neste momento, são os votos que terá no primeiro turno da eleição presidencial como candidato do Partido Novo.
Até agora, se os percentuais não são favoráveis a ele, pelo menos trazem alguma esperança de pontuar em 7 de outubro. Basta ver, por exemplo, a pesquisa do Instituto Opinião Pública, encomendada pelo Correio Braziliense. No levantamento estimulado e sem a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Amoêdo empata com Henrique Meirelles (MDB). Na espontânea — quando os nomes dos candidatos não são apresentados —, ele fica no mesmo patamar de Álvaro Dias (Podemos). Os percentuais não ultrapassam os 2%, mas hoje poderiam levar o candidato do Novo a um sexto lugar.
É prematuro apostar até onde vai o fôlego de triatleta de Amoêdo. Mas há um fato: ele começa a incomodar. Na semana anterior ao ataque contra Jair Bolsonaro (PSL), na cidade mineira de Juiz de Fora, simpatizantes ligados à direita mais radical começaram a espalhar memes contra o candidato do Novo. Uma das imagens mostra Amoêdo dentro de um barril, como um náufrago: “O boi de piranha para a esquerda ganhar no segundo turno”. Em entrevista por telefone há 10 dias, o próprio Amoêdo apontou para a turma dos simpatizantes de Bolsonaro: “Tem coisas bem pesadas. Como a candidatura tem crescido, acho que a estratégia deles é a de tentar matar ainda na origem”. Depois do atentado, o candidato do Novo disse ser lamentável o episódio contra o ex-capitão do Exército. “Independentemente de divergências políticas, não é possível aceitar nenhum ato de violência. Que o agressor sofra as devidas punições. Meus votos de melhoras para o candidato”, escreveu no Twitter.
Para Amoêdo, as pautas parecidas com as dos candidatos de centro-direita o transformam num adversário a ser batido. “O problema é que essa semelhança não ocorre na prática. Somos diferentes, os planos são outros”, afirma. A questão é que eleitores de Bolsonaro, por exemplo, podem estar apontando para o alvo errado. “É muito difícil um apoiador do capitão reformado largar um candidato lá na frente por alguém bem abaixo nas pesquisas”, avaliou Ricardo Caldas, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). Para o acadêmico, o eleitor típico de Amoêdo é aquele que não teria candidato caso o engenheiro não estivesse na corrida. “Ele não é alguém carismático, mas é simpático e, claro, pode avançar, sim, sobre votos ainda não consolidados de Meirelles, Álvaro Dias e Alckmin.”
Estudante
Nascido em 22 de outubro de 1962, no Rio de Janeiro, Amoêdo é filho de um médico paraense com uma administradora de empresas potiguar. Casado, é pai de três mulheres. O Correio localizou três amigos do presidenciável da época da faculdade, um deles, morador de Brasília. “Desde aquela época, ele se mostrava alguém especial, sempre focado em objetivos”, afirmou o engenheiro Almerindo Torres, 60 anos, que frequentou a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na mesma época de Amoêdo. Torres faz campanha aberta para o colega, e se mostra irritado com as críticas. “A candidatura dele fez com que voltasse a me empolgar com a política. Alguns falam que ele é rico, que era do mercado financeiro. E qual é o problema?” A carreira de Amoêdo começou ainda em 1985 como trainee no Citibank, passando por outras instituições até chegar a membro do conselho de administração do Itaú-BBA.
A trajetória profissional de Amoêdo o tornou alguém mais do que rico, pelo menos para a imensa maioria dos brasileiros. A declaração de bens apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela que ele tem por volta de meio bilhão de reais, o que o coloca num grupo de privilegiados apenas comparado a nomes estrangeiros. A título de comparação, Meirelles — ex-presidente internacional do BankBoston — declarou R$ 377 milhões. Um dos apelidos do presidenciável do Partido Novo, visto aqui e ali na rede, é João das Moedas. “Isso não é algo necessariamente ruim, aliás, eventuais crescimentos estarão por conta da baixa rejeição que ele tem”, diz o professor Ricardo Caldas. “Um candidato bem-sucedido é bem-visto por parte do eleitorado. Não é um motivo para ele ter poucos apoios. O mais importante será o voto útil, definido na véspera das urnas, por eleitores mais estratégicos, de olho nos favoritos. Isso, sim, pode atrapalhá-lo.”
Sem tempo de televisão para concorrer com os políticos de partidos com maior representação, os estrategistas do Novo se apoiam nas redes sociais para fortalecer a candidatura. A legenda conta hoje com mais de dois milhões de likes no Facebook — os números se repetem no Instagram e no Twitter. Uma boa medida do avanço de Amoêdo pode ser testada nos grupos de WhatsApp da família e de amigos. Sempre aparece um ou outro eleitor simpático ao fundador do Novo, mesmo que não crave o voto. Por trás de tal movimento, está o próprio Amoêdo, que, na entrevista ao Correio, disse ter investido R$ 5 milhões na criação da legenda. “Hoje, ela se paga a partir das contribuições dos filiados”, diz ele. A campanha deve consumir mais R$ 7 milhões, com o presidenciável investindo, desse total, cerca de meio milhão.
Propostas
“O que está por trás da campanha do Amoêdo é uma estratégia de marketing eficiente, a começar pelo próprio nome do partido criado por ele. Mas isso não é uma novidade, é só lembrar como Fernando Collor se apresentava”, diz Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, uma das carreiras mais prestigiadas do governo federal. A pedido do Correio, Kliass analisou alguns planos de Amoêdo. “As propostas dele não são novas, inclusive têm, pelo menos algumas, similaridade com a austeridade que tenta ser implantada no governo Michel Temer.” A redução do número de ministérios, por exemplo, sempre apareceu como promessa de campanha de um ou outro político. “É uma medida política, sem impacto na realidade, pois não mexe na ponta da estrutura do Estado, o que é muito mais complexo”, afirma Kliass.
Na entrevista ao Correio, Amoêdo rechaçou a comparação com Collor. “Não tenho parentes na política, fundei um partido com o apoio de várias pessoas, de um sem-número de segmentos, e minha família nunca teve relação com empresas de comunicação. Não há nada que possa ser comparado ao Collor”, disse ele, que transformou a rotina nos últimos seis meses. Perdeu a conta de viagens em voos comerciais — ele diz ser raras as vezes em que precisou alugar jatinhos para campanha —, o que o tem afastado dos treinos de triatlo. “Antes, treinava cerca de seis vezes por semana, agora mal tenho conseguido me exercitar uma vez a cada sete dias.” A prática do esporte é exaltada pelos amigos como uma qualidade de quem consegue fazer várias atividades ao mesmo tempo. “Ele consegue tempo para tudo, mas faz tudo com foco e precisão”, admira-se um colega de faculdade de Amoêdo, que hoje mora na Ásia, mas, por exigências contratuais da empresa onde trabalha, não pode falar sobre política.
Entre as propostas defendidas por Amoêdo, há uma surpresa para gente mais ligada à esquerda: a manutenção do Bolsa Família. “É um ótimo programa, não tenho dúvida.” As alterações previstas por ele estariam na porta de saída do programa. “Tem de ser mais gradual, há muita gente que não formaliza o trabalho porque não quer perder o benefício. Tem de ter regras mais flexíveis para a saída do cidadão do programa.” Amoêdo, entretanto, é direto sobre outras políticas, como a privatização de estatais e a criação de vale educação, para que alunos de baixa renda tenham acesso às escolas privadas. A ideia é começar por um pequeno grupo. “Não vamos acabar com a escola pública, mas sabemos que a qualidade da escola privada hoje é melhor, então a gente não acha justo impedir que as pessoas mais pobres coloquem os seus filhos no ensino privado”, disse.
Para Paulo Kliass, tratar responsabilidades do Estado como mercadoria é um dos maiores erros. “É preciso valorizar o ensino público. Os exemplos de iniciativas até agora mostram que a iniciativa privada acaba funcionando como grandes fábricas para vendas de diplomas ou certificados”, afirmou o economista. Amoêdo parece disposto ao debate, chegando, em determinados momentos, a perguntar ao interlocutor o que ele faria para resolver questões imediatas. E diz que, apesar da rotina pesada, está se divertindo. “Você vai aprendendo. É como fazer os primeiros triatlos, você sempre perde um tempinho aqui ou outro ali, principalmente nas transições (os intervalos para troca de equipamentos entre cada uma das provas).” De uma forma geral, nas provas amadoras, os competidores mais experientes sabem que concorrem contra si mesmos. “A grande aposta dele, assim, pode estar daqui a quatro anos”, afirmou o professor Ricardo Caldas.
Correio Braziliense