Por MARCELO RODRIGUES
O assunto em si despertou – e desperta – a atenção das maiores metrópoles do mundo, das médias e pequenas cidades, por ser, dentre as questões urbanas, o que mais cresce em importância e gravidade, pois, além de consumir cada vez mais tempo, energia, espaço e dinheiro, vem comprometendo a saúde e a sadia qualidade de vida pelos enormes congestionamentos.
É sabido que a crise da mobilidade é resultado de uma política pelo favorecimento dos gestores em atender às indústrias de automóveis, dando preferência ao transporte individual, quando a própria Carta Magna de 1988 considera o transporte público como sendo um serviço público essencial e transfere aos municípios a responsabilidade de gerir os serviços de transporte e trânsito. Essa transferência perniciosa, na prática, retirou o governo federal de cena e ignorou que os problemas existentes não poderiam – e não podem – ser resolvidos localmente.
Os números por si só demonstram as consequências dramáticas para a mobilidade urbana: 55 milhões de brasileiros não têm acesso ao serviço de transporte público, por ser caro e ineficiente; 30 mil mortes, 350 mil feridos, 120 mil deficientes físicos a cada ano, que comprometem 30% dos recursos do SUS, a um custo de R$ 5,3 bilhões anuais; e 90% do espaço viário é ocupado por automóveis e, pasme, para transportar 20% das pessoas. Só em São Paulo e no Rio de Janeiro, para servir como parâmetro, são gerados 123 mil toneladas de monóxido de carbono e 11 mil toneladas de hidrocarbonetos (dados retirados de várias ONGs, SUS e ONU).
Na verdade, nos deparamos com conflitos de circulação entre os vários modais (automóveis de toda a natureza, motos, bicicletas, etc.) pela disputa de espaço para o deslocamento e estacionamento, e daí surgem os alargamentos de ruas, viadutos e passarelas; o número cada vez mais elevado de acidentes de trânsito; a baixíssima qualidade dos sistemas de transporte coletivo que não se integram; o prejuízo insofismável de natureza ambiental pela emissão cada vez maior de poluentes, que resulta no aumento do número de atendimentos médicos por conta das internações motivadas por doenças respiratórias e alérgicas; o custo do modelo de mobilidade adotado e suas externalidades negativas.
Vale ainda mencionar sempre a lei, suas diretrizes e princípios fundamentais do Estatuto da Cidade, com destaque para a gestão democrática; a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização; a recuperação dos investimentos do poder público que tenham resultado em valorização de imóveis urbanos; e o direito a cidades sustentáveis, à moradia, à infraestrutura urbana e aos serviços públicos.
Criar novos paradigmas para uma mobilidade sustentável é construir e contribuir para uma cidade equânime, onde os benefícios do desenvolvimento urbano sejam democraticamente distribuídos e o ônus minimizado. Também deve haver favorecimento aos transportes coletivos de qualidade, menos agressivos ao ambiente, diminuindo ao máximo os congestionamentos e melhorando o deslocamento dos cidadãos ao trabalho, estudo, serviços, lazer, etc.
Na realidade, a cidade deve ser discutida com os cidadãos, e daí definir e executar ações locais, com foco em um desenvolvimento de uma nova e indispensável cultura participativa entre os agentes sociais e institucionais.
Por fim, a mobilidade sustentável deve ser sempre um produto de políticas públicas que estabeleçam o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, reduzindo a segregação espacial e contribuindo para a inclusão com foco na preocupação da sustentabilidade ambiental.
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente da Cidade do Recife. É advogado e professor universitário. Escreve todas as sextas-feiras para o blog