Em entrevista exclusiva ao blog do Magno, gravada na última sexta-feira, no seu gabinete de trabalho na empresa Caruaruense, em Caruaru, município que governou em duas oportunidades, o ex-governador João Lyra Neto (PSDB), pai da prefeita Raquel Lyra, presidente estadual da legenda tucana e apontada como pré-candidato ao Governo do Estado, rompeu o silêncio.
Falou de tudo, do cenário nacional, onde aponta o presidente Bolsonaro como despreparo para conduzir o País, passando pela avaliação da gestão Paulo Câmara, que considera muito mal, até sua relação com a filha. O que se diz nos bastidores da política em Caruaru é que Raquel nunca ouviu ou ouve pouco o pai, que não sabia, inclusive, que o marido da filha havia sido contratado pelo gabinete do deputado Daniel Coelho para não dar expediente, fazendo assessoria a longa distância.
Perguntado se fosse prefeito de Caruaru deixaria sua esposa assessorar um parlamentar sem dar expediente, Lyra foi taxativo: “Nunca empreguei pessoas, sendo familiares ou não, para que não trabalhassem. Nunca aconteceu. Mas cada um age como entende. É um comportamento que sempre defendi. As atividades públicas têm que ter razões políticas e técnicas”. Eis abaixo a íntegra da entrevista:
Como é estar fora do poder depois de ocupar tantos cargos e por tanto tempo?
Faz parte de todas as atividades, principalmente a política. Eu continuo na política, mas no momento estou sem mandato. E desde que eu deixei o Governo do Estado, em 2014, decidi não ser mais candidato. Já fui prefeito de Caruaru duas vezes, deputado estadual, tive a honra de ser líder do governador Miguel Arraes, fui vice-governador de Eduardo Campos em 2006, reeleito em 2010, e concluí o Governo de Eduardo em 2014. Quero continuar na política, mas sem mandato. É uma situação que administro bem. Acho que tudo tem sua época, cumpri minhas etapas de mandato nos cargos que exerci.
Como o senhor avalia, estando de fora hoje, o cenário nacional?
Complicadíssimo. Acho que o Brasil vive uma das piores crises que já passamos pós redemocratização. Quando o presidente atual se elegeu, destaquei numa entrevista os três momentos importantes da vida política brasileira no pós-guerra. Na Guerra Fria, dos Estados Unidos com a União Soviética, o Brasil elegeu Jânio Quadros, 60. Com menos de oito meses ele renunciou ao mandato. Vinte e nove anos após, Fernando Collor é eleito, perdendo o mandato com menos de dois anos. Recentemente, ele eleito Bolsonaro. São momentos de uma história de crise, de pessoas inabilitadas, de um demonstração de descrédito do eleitorado em relação aos políticos que estão no mandato. Acho que o Brasil vive uma crise muito grave. Crise institucional, falta de competência administrativa e um presidente que, no meu entendimento, não tem preparo pra ser presidente.
O senhor já raciocina com a hipótese de não reeleição do presidente Bolsonaro?
Não se trata disso. Estamos hoje diante de dois pré-candidatos que têm entre 50% e 60% de preferência do eleitorado – Lula e Bolsonaro. Acho que a sociedade brasileira deve construir uma terceira via, que represente os interesses reais do brasileiro, que traga estabilidade econômica, política, e acima de tudo, enfrentar esse momento de desigualdade, de mais de 16 milhões de brasileiros que não têm nenhuma renda, mesmo considerando que a pandemia agravou essa situação. Acho que diminuir a desigualdade é um dos principais objetivos do próximo presidente e a sociedade precisa construir uma outra alternativa.
O senhor acha que alguém pode desbancar Lula, que está a frente das pesquisas e Bolsonaro, que tem a máquina nas mãos?
Existe um espaço para essa terceira alternativa. Acredito que a sociedade brasileira precisa construir. O Brasil precisa dessa terceira via, pois se você junta os votos definidos do ex-presidente Lula e de Bolsonaro, eles têm em torno de 55% dos votos válidos. Então, há espaço para que possamos construir. É muito difícil, mas acho que o PSDB será uma das alternativas nessa questão das prévias que foram definidas pelo diretório nacional e vão acontecer em novembro. As candidaturas têm que ser inscritas até setembro e eu acho que o PSDB poderá ser uma dessas alternativas para a nova opção do povo brasileiro.
Qual a impressão que o senhor ficou do Eduardo Leite na passagem dele por Caruaru?
Eu já conhecia Eduardo Leite e acompanho sua trajetória. O conheci quando e eu Raquel (Lyra) entramos no PSDB, ele era prefeito em Pelotas, foi vereador também, saiu com índice muito alto de aprovação, se elegeu governador, jovem, e eu acho que ele tem as qualificações para ser uma das alternativas do PSDB, que serão definidas em dezembro. Eu acho que ele, pela sua vida política, poderá ser essa alternativa da política brasileira.
Ao invés de prévias, não era melhor o PSDB apostar em Eduardo Leite, já que Doria não é mais novidade?
A implantação das prévias, assim como acontece nos Estados Unidos, é uma demonstração de absoluta democracia dentro dos partidos. Os filiados nos Estados deverão participar e acho que é um processo muito evoluído de escolha de candidatura. O governador de São Paulo (Dória) foi prefeito e é um dos pré-candidatos. São Paulo representa uma força muito grande na economia e política brasileira. E ele poderá ser uma das alternativas. Já Tasso Jereissati é qualificado pela sua história também.
Agora, entrando no plano estadual, como está acompanhando e avaliando o cenário?
Tenho a convicção que os projetos estaduais dependem da sua ligação com o projeto nacional. Dificilmente um eleitor vota num candidato a governador de um partido e no presidente de outro. E a política nacional polariza a discussão. É importante que o PSDB, além do candidato à presidência da república, tenha uma candidatura estadual com projeto em Pernambuco. Pernambuco tem um processo de familiarização muito grande na sucessão estadual. Acho que o governador atual (Paulo Câmara) não tem bom desempenho e nós temos que construir alternativas para que nós possamos apresentar um projeto que melhore a qualidade de vida e a participação de Pernambuco na vida nacional.
O senhor se sente vítima dessa “familiarização”, já que o seu nome foi cotado a governador quando fazia parte do grupo?
Eu fiz parte do governo de Arraes, de Eduardo, fui vice-governador, mas eu tenho a compreensão que a política tem essas condições de atuação. E o governador na época, Eduardo Campos, decidiu que o seu candidato seria o atual governador. Eu entendi, embora não concordasse e tinha o compromisso de ser leal a Eduardo Campos. Concluí o governo dele e, no final, fomos praticamente expulsos do PSB. Eu e Raquel. Raquel foi candidata em 2016 pelo partido, se reelegeu e agora nós estamos participando ativamente no PSDB, com Raquel sendo presidente estadual do partido. Ela tem uma respeitabilidade muito grande dentro do Estado e no partido. Acho que nós podemos contribuir para esse momento do PSDB, que precisa ser uma das alternativas para o povo brasileiro.
O que aconteceu para o senhor ser quase expulso, como disse?
Foi uma decisão interna. Tivemos uma reunião, eles consolidaram a liderança do partido para Raquel, mas quando faltavam cinco dias para o prazo de filiação, praticamente nos expulsaram. Então, a alternativa que nos cabia era procurar outro partidos, fomos para o PSDB, na época era presidido por Aécio Neves, ele nos acolheu muito bem e aqui no Estado também. Mas acho que foi uma decisão política e eu não posso avaliar se certo ou errado. O fato é que aconteceu. E nós estamos hoje na oposição ao Governo do Estado.
O senhor guarda mágoa dessas pessoas?
Nós temos que ter compreensão. A vida política tem dessas coisas e acabam se tornando públicas essas divergências. Mas eu não tenho mágoa, apenas tenho um posicionamento político. O que eu posso dizer apenas é que as pessoas nos surpreendem, tanto positivo quanto negativamente. E nesse processo, me surpreendi negativamente e tive que decepção com várias pessoas.
Pernambuco está cansado de PSB?
O esgotamento é pelo nível de qualificação da atividade política e da gestão. O governador atual não corresponde à expectativa, nem interna nem externamente. Pernambuco sempre foi um Estado que teve dimensão nacional, e deixou de ter essa atuação. Há um processo de saturação, de incompetência para os cargos de Governo do Estado nos últimos anos.
No pouco tempo do seu Governo, o senhor deu demonstração que poderia fazer mais que Paulo Câmara se tivesse sido escolhido como candidato?
Eu participei desde o início de todo o projeto, fui secretário de Saúde e me comprometi a concluir esse projeto. Foi um momento que tivemos um desenvolvimento consistente e tive a oportunidade de participar como vice-governador, mas nos nove meses que atuei como governador do Estado tive o compromisso de concluir o projeto que Eduardo construiu para o Estado de Pernambuco.
O senhor deixou alguma marca nesses nove meses?
Eu não tinha essa intenção e inclusive no meu discurso de posse destaquei que iria concluir o projeto. Tive algumas ações importantes durante o governo de Eduardo, como secretário, e eu tenho certeza que meu compromisso era concluir o projeto. Infelizmente, aconteceu aquela tragédia com o falecimento de Eduardo, mas tenho certeza que cumpri com lealdade o compromisso que tínhamos com Pernambuco.
O senhor se orgulha de não ter nenhum caso de corrupção durante seus nove meses de governo?
Esse sempre foi um dos maiores compromissos. Era ser honesto no exercício da minha atividade política. E fui prefeito duas vezes, deputado estadual, vice-governador, secretário de saúde e sempre me preocupei com a lisura e honestidade.
Já tentaram levar o senhor para práticas não republicanas?
Já li alguns historiadores dizerem que esse processo de corrupção faz parte da relação humana e algumas áreas têm uma força cultural muito grande. Então, o Brasil, desde 1500, tem essa convivência com pessoas em atividades públicas com desonestidade. Mas eu acho que quanto mais avança às informações, as redes sociais tendo um compromisso muito grande, na velocidade, isso vai mudando. E quanto mais a sociedade se organizar para fiscalizar as entidades e os políticos, melhor será para a nação.
Quando alguém procurava o senhor insinuando corrupção, como o senhor reagia na condição de governador?
Eu fui pouco procurado, pois sabiam do meu comportamento. Eu tive demonstrações e depoimentos que me satisfazem muito. Que a minha maneira de agir era de ser um exercício honesto da minha atividade.
Há corrupção no Governo do Pernambuco?
Tem denúncias, várias delas em várias áreas. Não só em Pernambuco, mas em vários Estados e no Governo Federal também. Mas acho que os Tribunais de Contas dos municípios, dos Estados e o TCU tem essa missão de combater. Não podemos, numa simples investigação, acusar A, B ou C de corrupção. Temos que deixar o processo ser concluído e a Justiça tem uma missão muito importante nesse processo, a missão de punir aqueles que tenham desviado.
O senhor acha que Geraldo Julio tem essa mácula da corrupção?
Nós temos que aguardar a conclusão dos inquéritos. A imprensa tem noticiado alguns fatos que são comprometedores. Mas não podemos antecipar o julgamento.
Mas comprar respiradores de porcos numa empresa fantasma não é um crime muito grave?
Essa foi a denúncia que foi divulgada na imprensa. Mas ainda não foi concluída. Tem o inquérito policial e depois tem a participação do Ministério Público. Temos que aguardar a denúncia ser formalizada para o Poder Judiciário e aí depois o julgamento.
Raquel Lyra, sua filha, é candidata a governadora?
É muito cedo. Depende muito da conjuntura nacional. Nosso partido, o PSDB, tem que construir uma alternativa até o final do ano para que nós possamos definir um projeto para o Brasil. E dependendo das circunstâncias, acho que Raquel, ao ter sido lembrada, é muito importante, diante de toda sua trajetória política. Ela tem um nome que pode ser colocado à disposição, dependendo das alianças.
É verdade que ela nunca aceitou interferência do senhor no governo dela?
Nós temos conversado. Eu tenho esse comportamento de respeitar quem está no mandato. Sempre respeitei. Não é questão de interferência, mas o fato é que ela foi eleita, então é ela quem tem que coordenar sua gestão. Mas eu reconheço que ela tem um bom desempenho e sempre me coloquei à disposição para o que ela precisar. Estarei sempre presente para colaborar.
Ela ouve o senhor?
Nós temos conversado, mas não quer dizer que todas as minhas opiniões são aceitas. Nós temos maturidade e eu reconheço que a prefeita é ela. Mas essa informação que se fala, que somos distantes, não existe. Conversamos, mas as decisões cabem a ela.
O senhor já chegou a dizer a ela: “Isso aqui está errado”?
Não, nem comparo aos meus mandatos com os dela. Eram momentos diferentes. São modelos de gestão diferentes. Sempre me preocupei em avançar em termos técnicos e acho que Raquel tem assessorias competentes. Ela se cerca de pessoas competentes e instituições de nível nacional para que tenha um melhor desempenho na gestão de Caruaru.
Quer dizer que o senhor só deu um puxão de orelha nela quando criança?
Não, eu nunca dei puxão de orelha nas minhas filhas, sempre tive uma relação muito carinhosa com minhas três filhas. Sempre respeitei, acompanhei e dei minha contribuição como pai desde a infância. Na escola, na faculdade, sempre participei, respeitando as opções de cada uma.
Eu soube que o senhor ficou contrariado quando soube que o marido dela estava participando do gabinete de Daniel Coelho. É verdade?
Não, isso ocorreu de fato pela relação de Fernando Lucena, que é o marido de Raquel, com o deputado Daniel Coelho. Ele exerce um cargo de assessoria e eu tenho certeza que foi uma decisão do deputado Daniel com Fernando Lucena. Não houve interferência de Raquel. Ela sabia, mas cabe aos dois, que têm uma relação profissional e pessoal muito forte, e nós temos que respeitar a decisão dos dois.
Mas o senhor aceitaria, por exemplo, se fosse prefeito, sua esposa trabalhar para um deputado sem dar expediente?
Depende da relação política e pessoal de cada um. Acho que temos que respeitar as decisões de cada um, independente de concordar ou não.
Eu acompanho o senhor há muito tempo e parece que o senhor é intransigente em relação a isso…
É um comportamento que sempre defendi. As atividades públicas têm que ter razões políticas e técnicas. Nunca empreguei pessoas, sendo familiares ou não, para que não trabalhassem. Nunca aconteceu. Mas cada um age como entende.