Um dia depois de o Senado rejeitar quase a totalidade do projeto de reforma da legislação eleitoral, a Câmara dos Deputados o reabilitou e aprovou um texto na quarta (18) que afrouxa parte das regras em benefício de partidos e políticos, mas abandona algumas das principais polêmicas que constavam da versão original.
Permaneceram pontos que diminuem o controle sobre o uso das verbas públicas pelas legendas, como a liberação para pagamento de multas eleitorais, compra de sedes partidárias e passagens aéreas até para não filiados.
O texto principal foi aprovado por 252 votos contra 150. O projeto segue agora para sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que tem até 15 dias úteis para tomar uma decisão. Para valer nas eleições municipais do ano que vem, qualquer medida tem que estar em vigor antes de 4 de outubro.
Treze partidos se posicionaram favoravelmente ao projeto, com as supressões acordadas: PP, MDB, PT, PL, PSD, PSB, Republicanos (ex-PRB), DEM, PDT, Solidariedade, PSC e PC do B. Ficaram contra, mesmo com as supressões, PSL, PSDB, Podemos, PSOL, Cidadania, Novo, PV, PMN e Rede.
Após uma grande pressão de entidades da sociedade civil, os deputados concordaram em retirar do projeto cinco medidas:
1) a que permitia que os 33 partidos usassem qualquer sistema contábil de prestação de contas disponível no mercado, o que acabava com o sistema padrão usado pela Justiça Eleitoral, dificultando em muito a transparência e a fiscalização;
2) a que exigia a prova de dolo, ou seja, de ação consciente e premeditada, para que houvesse punição sobre maus uso do dinheiro público;
3) a que permitia correção de problemas na prestação de contas até o seu julgamento;
4) a que adiava em oito meses a prestação de contas eleitorais devida pelos partidos e
5) a que permitia o uso da verba pública para contratação de advogados para filiados acusados de corrupção e para interesse “direto e indireto” das siglas.
Apesar dessas supressões, ficou mantida a permissão da contratação de consultoria contábil e advocatícia para ações de interesse partidário relacionados exclusivamente ao processo eleitoral, sem que isso conte para o limite de gastos das campanhas. Pessoas físicas também poderão bancar esses gastos em valores superiores às doações eleitorais que podem fazer hoje. Segundo especialistas, isso amplia as brechas ao caixa dois.
Na parte da fiscalização, o projeto permite que políticos ficha-suja sejam eleitos, já que seus casos poderão ser analisados até a data da posse (hoje isso tem que ocorrer no momento do pedido de registro da candidatura).
O texto tira ainda os partidos políticos do foco de atenção que Coaf (o Conselho de Controle de Atividades Financeiras) dedica às operações e propostas de operações de pessoas expostas politicamente, entre outros pontos.
Apoiado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o texto traz de volta a propaganda partidária que havia sido extinta em 2017, além da permissão de que os partidos usem verba pública para pagar impulsionamento na internet.
“Nós respeitamos, não somos um Poder que não ouve a sociedade”, disse Maia, sobre os pontos em que a Câmara recuou. “A imprensa fez críticas, alguns articulistas colocaram os pontos, encaminhei aos líderes partidários as preocupações da sociedade, todas legítimas. (…) Temos convicção do que fizemos, não vamos fugir daquilo que a gente fez. Entre uma votação e outra a sociedade estuda, questiona, critica, bate. Bate com força. Às vezes dói, mas é assim a democracia. Graças a Deus a gente tem quem possa nos criticar nesse país.”
Em carta aberta, mais de 20 entidades da sociedade civil pediram a Maia que barrasse os principais pontos do projeto. O texto afirma que a proposta representa “um dos maiores retrocessos dos últimos anos para transparência e integridade do sistema partidário brasileiro”. O documento foi assinado, entre outros, pela Transparência Partidária, Transparência Brasil, Associação Contas Abertas, Instituto Ethos e movimentos de renovação na política, como o Acredito e o Livres.
Essa pressão havia levado o Senado a rejeitar praticamente a integralidade do projeto, na terça-feira.
Ficou apenas o ponto que trata das fontes de financiamento do fundo eleitoral, sem estipular valor –o que será definido no final do ano, na análise do Orçamento da União para 2020.
Atualmente, siglas e candidatos são bancados pelos fundos partidário (que deve distribuir cerca de R$ 928 milhões em 2019) e o eleitoral (que distribuiu R$ 1,7 bilhão na disputa de 2018 e pode ter o valor majorado em 2020).
O valor do fundo eleitoral expôs uma divergência entre Maia e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que são do mesmo partido e têm, até agora, atuando em sintonia fina no Congresso.
Maia tem defendido que o fundo mantenha para 2020 o mesmo valor de 2018. Ele argumenta não haver espaço no Orçamento para mais dinheiro para as campanhas.
Alcolumbre manifestou opinião diversa. “A eleição passada foi de 27 governadores, 54 senadores, de 513 deputados federais e 1.050 deputados estaduais. A eleição do ano que vem é de 5.570 prefeitos, 57 mil vereadores. Defendo coerência. Se os vereadores e os prefeitos não tiverem o apoio dos partidos necessário para eles fazerem uma campanha com responsabilidade, a gente acaba criando um caminho para estas pessoas não agirem em suas campanhas dentro da legislação”, afirmou.
Deputados reclamaram, nos bastidores, de Alcolumbre, afirmando ter havido traição no fato de o Senado ter cedido às pressões contrárias ao projeto. Já deputados e senadores reclamaram da postura de Maia de não defender um aumento para o fundo eleitoral em 2020.