OPINIÃO: O direito do acesso às provas

Por MENELAU JÚNIOR

Começou a temporada de vestibulares das faculdades e universidades particulares. E um problema agora surge para os milhares de alunos que se candidatam a uma vaga no ensino superior: a falta de transparência de muitas instituições.

Refiro-me especificamente à divulgação dos cadernos de provas. É de praxe as faculdades disponibilizarem ao público, por meio da internet, os cadernos de provas de seus vestibulares. Do contrário, como os alunos poderão contestar questões ou mesmo saber o que acertaram? Divulgar o gabarito, quando os próprios candidatos são impedidos de copiá-lo na sala de aula, serve de quê? Além disso, as provas constituem um importante instrumento pedagógico para colégios e cursinhos prepararem seus alunos.

No último fim de semana, a Asces fez seu tradicional vestibular. A banca responsável pela elaboração das provas, a Curseltec, divulgou na manhã de segunda as provas e o gabarito. No próprio domingo, por volta das 18h30min, assim que a prova foi encerrada, o coordenador de logística da banca, Marco Honorato, entregou a professores de colégios e cursinhos que estavam no local da prova todos os cadernos com as questões. Ou seja, transparência nota 10. Eficiência nota 10. Respeito nota 10. Uma das questões de História trazia duas opções iguais. Foi por causa da divulgação que foi possível reivindicar, junto à banca, a aceitação das duas respostas. Se a prova ficasse “escondida”, quem garantiria que isso teria sido notado e resolvido?

Neste fim de semana, a Unifavip Devry realiza, a partir das 8h30min, seu vestibular 2016.1, um dos maiores e mais importantes do interior do Nordeste. Qual será a postura da Instituição? As provas e os gabaritos serão disponibilizados, para que professores e alunos possam analisar e – se for o caso – questionar algo? Haverá transparência, uma das premissas da democracia e do direito? Honestamente, espero que a Faperp – banca responsável pela elaboração da prova – divulgue os cadernos e os gabaritos, como fez a Covest durante quase uma década, quando fez o vestibular da então Favip. E espero que a Unifavip, como uma das maiores e mais respeitadas Instituições de Pernambuco, exija essa postura da banca.

A Fafica também realiza seu vestibular neste dia 15, à tarde. Como a prova é apenas uma redação, espera-se também que a Instituição divulgue, em sua página, o(s) tema(s) solicitado(s) – como, aliás, sempre fez. É direito da comunidade estudantil ter acesso a isso.

Até a próxima semana.

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Menelau Júnior é professor de língua portuguesa. Escreve para o blog todos os sábados. E-mail: menelaujr@uol.com.br

OPINIÃO: Sorria. Você está sendo filmado

Por MENELAU JÚNIOR

Certamente você já ouviu falar em gerundismo. Foi o nome dado por professores e jornalistas ao hábito de usar – desnecessariamente – o gerúndio.

Para os esquecidos, vamos esclarecer: gerúndio é a forma verbal terminada em “-ndo”. Costuma ser empregada para indicar uma ação em curso ou uma ação que ocorre concomitantemente a outra. Vamos aos exemplos.

“Carlos está consertando a torneira”. Nesse caso, a forma “está consertando” indica que a ação está em curso, ocorre no momento em que se fala.

“Ela chegou à sala chorando”. Note que, nesse caso, o ato de chegar à sala ocorre ao mesmo tempo em que alguém chora. São, pois, ações concomitantes.

Até aí, tudo bem, e o gerúndio é a forma adequada. Mas os operadores de telemarketing inventaram expressões como “Eu vou estar transferindo a ligação” e “Nós vamos estar enviando o produto hoje”. Ora, quanto tempo se gasta para transferir uma ligação? A ação é rápida, por isso rejeita ao gerúndio. O mesmo ocorre com “Vamos estar enviando”. Ora, a gente envia algo e pronto!

Muito diferente é para quem espera. Você já deve ter tentado falar com uma operadora de telefonia. O tempo passa e nada. A atendente eletrônica bem que poderia dizer “O senhor vai estar fazendo papel de idiota durante algum tempo”, mas não diz. Nesse caso, o gerúndio estaria correto: a ação de fato ocorre durante um tempo.

Por isso, nada de classificar como “gerundismo” qualquer frase que apresente a estrutura “vai + estar + gerúndio”. Se a ação expressa pelo verbo é durativa, não há problema. Posso dizer que, durante a semana, “vou estar descansando no litoral”. Posso dizer que “vou estar escrevendo um novo livro” ou que “à noite vou estar corrigindo redações”.

Portanto, quando vemos plaquinhas em lojas e bancos com o aviso “Sorria! Você está sendo filmado”, a forma “está sendo” está correta, pois a ação é ininterrupta, dura. Nesses casos, o gerúndio é mais que indicado.

Antes de terminar, deixo aqui um abraço ao leitor Edgard Leitão, que me deu esta semana a alegria de receber uma carta – sim, uma carta! Nesses tempos de e-mails e conversas virtuais, a carta sempre nos enche de alegria.

Até a próxima semana.

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OPINIÃO: Diminutivos nem sempre expressam tamanho

Por MENELAU JÚNIOR

Um dia, na escola, aprendemos que o aumentativo e o diminutivo servem para indicar variações de tamanho dos substantivos. Ninguém contesta que um carro pequeno é um “carrinho”; uma menina pequena é uma “menininha”; uma festa para poucos convidados é uma “festinha”.

Mas não é sempre assim. No dia a dia, os diminutivos também são usados com outros valores. Quem não lembra os famosos versos de Caetano Veloso: “Gosto muito de te ver, Leãozinho”? Caetano fez a música para um amigo contrabaixista, o Dadi. Dadi, segundo o compositor baiano, era “novinho, lindíssimo”. E, assim como Caetano, do signo de Leão. Compreendendo as motivações da canção “O leãozinho”, fica mais do que evidente que a palavra não está no diminutivo para expressar tamanho, mas para revelar afetividade.

O que seria do amor sem os diminutivos? Você, leitora, é apaixonada por um rapaz alto, mas o chama de “amorzinho”. Você, leitor, caído pela companheira, chama-a de “princesinha”. E lá se vão os diminutivos cheios de carinho: “mamãezinha”, “painho”, “lindinha”, “gordinho”, “olhinho”, “boquinha”. Tudo depende do contexto. No amor, por exemplo, os diminutivos encontram terreno mais que fértil.

Mas nem sempre é assim. Se por um lado eles podem revelar carinho, afetividade, por outro relevam um aspecto mordaz, irônico. Alguma mulher aceita ser chamada de “mulherzinha”? Todos sabemos que tal atribuição não revela tamanho nem apreço: “mulherzinha” deprecia, diminui, vulgariza. Você ser consultaria com um “doutorzinho”? Claro que não. Recomendaria um “professorzinho” para seu filho? Também não. Até mesmo um “carrinho” pode significar, dependendo da situação, um automóvel que não merece muita confiança.

Resumindo, nem sempre o diminutivo indica a diminuição do tamanho normal. Pode também ser empregado com valor de carinho ou com uma forte carga pejorativa. O contexto ou a situação é que revelam, de fato, o sentido das palavras.

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OPINIÃO: Ler faz toda a diferença

Por MENELAU JÚNIOR

Se você está com os olhos nestas linhas, provavelmente faz parte do reduzidíssimo grupo de brasileiros que têm o hábito da leitura. Não por coincidência, são pessoas desse grupo que costumam ganhar os melhores salários e ter mais influência na sociedade. São esses também os que pensam um pouco melhor.

O brasileiro lê muito pouco. Para alguns estudos, 1,8 livro por ano. Para outros, 2,5. Para nenhum, mais de três. A comparação com países europeus faria o “gigante pela própria natureza” corar de vergonha. Gastamos muito mais com bebidas alcoólicas do que com livros. Gastamos muito mais com celulares do que com livros. Gastamos muito mais com lanchinhos fora de hora do que com livros. Em resumo, não lemos.

Esse descaso com as letras custa caro ao país. Nos concursos públicos, muitos caem na interpretação de textos e no domínio da norma culta; nas empresas, vagas deixam de ser preenchidas por falta de conhecimento e raciocínio; na política, damos ouvidos (e votos) a falastrões populistas revestidos de santidade. Em outras palavras, por causa da falta de leitura o brasileiro tem dificuldade de conseguir emprego, submete-se a salários baixos e é facilmente manipulado pelos governantes.

Não é de hoje que lemos pouco. Aliás, líamos ainda menos. Nos últimos anos, a melhoria de condição de vida do brasileiro fez o mercado dos livros alcançar dígitos inéditos. Ainda é pouco, contudo. Boa parte dos livros consumidos no país é de material didático, distribuído pelo governo nas escolas. São os livros lidos por obrigação. Esses poucos contribuem para a formação de leitores – e de cidadãos mais conscientes de seu papel. É preciso avançar. Dar exemplos.

A família é – e sempre será – o primeiro referencial das crianças. Se até os cinco anos elas tiverem mais contato com livrinhos, historinhas, gibis e afins, será mais fácil criar o hábito da leitura – pelo prazer, claro. Se virem os pais lendo, comprando revistas e visitando grandes livrarias, descobrirão a importância da leitura por si sós. É, pois, indispensável que haja exemplos em casa.

Na escola, professores precisam estimular o hábito de ler. E para isso precisam conhecer os gostos das crianças e dos adolescentes. Qual o problema de eles gostarem de Harry Potter? Que mal há em sonhar com o vampiro de Crepúsculo? Qual o crime em participar de uma Guerra dos Tronos? A partir dessas histórias fantásticas, é possível desenvolver o prazer pela leitura – e só então descobrir obras mais complexas. Não se esqueça, contudo, a lição de um provérbio chinês: “Os professores abrem a porta, mas o aluno entra sozinho”.

A leitura, portanto, é o início das grandes mudanças na sociedade. Não se pode esquecer que, além de nos levar a mundos fantásticos, habitados por seres estranhos, ela também nos permite conhecer nosso próprio mundo – e a nós mesmos. Quem lê viaja, descobre, reflete. Quem lê é dono de seu próprio destino.

Até a próxima semana.

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OPINIÃO: Joguem o mérito no lixo

Por MENELAU JÚNIOR

Uma das mais conceituadas instituições de ensino de Pernambuco, o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), está prestes a jogar o mérito no lixo. Faz sentido. A visão esquerdofrênica que domina o meio universitário não está nem um pouco preocupada com qualidade. O negócio é a “inclusão social”.

Segundo proposta inserida no novo estatuto da universidade – que ainda será avaliada e homologada (ou não) pelo Conselho Universitário -, os novos estudantes que tentarão ingressar na instituição não serão mais selecionados por meio de provas, mas por sorteio. Ou seja, as concorrências gigantescas para estudar no Colégio de Aplicação não deixarão de existir, mas serão mais “justas” e “igualitárias”. Hoje, para estudar no 6º ano, os “ferinhas” enfrentam concorrências que chegam a 2 mil candidatos por vaga. É muito mais que qualquer vestibular de Medicina. Mas, pela nova proposta, ninguém precisará estudar. Valerá a sorte. É a inclusão social. A proposição, obviamente, não agrada a pais de alunos da instituição de ensino… Esses burgueses…

O Aplicação se destaca nacionalmente como uma das melhores escolas públicas do País. Em Pernambuco, é a melhor. Quando comparada a todas as outras escolas do estado, incluindo as particulares, fica em 2º lugar. O que se pretende agora é fazer do Aplicação uma escola pública mais real, mais “inclusiva”. Jogando o mérito no lixo, tudo fica mais justo. Quem estudou muito, quem até pagou cursinhos, quem leu mais, quem se esforçou horas e horas e horas para conseguir uma vaga terá a mesma chance de quem mal sabe escrever. É a justiça social.

Caso a proposta passe (seria votada no fim desta semana, após esta coluna ter sido escrita), os professores do Aplicação terão um desafio pela frente. Afinal, é muito fácil conseguir resultado depois de selecionar alunos entre 2 mil candidatos. Mas isso é coisa do capitalismo, é visão burguesa. O negócio é dar oportunidades a todos! E para isso, nada melhor que a sorte. Você se inscreve e, se for sorteado, vai poder passar os próximos sete anos estudando de graça, num dos melhores colégios do País. Caso tudo vire mesmo um grande sorteio e o mérito seja jogado na lata de lixo, os mestres do Aplicação terão pela frente um grande desafio: manter os excelentes resultados. Mas quem sabe a sorte não dê uma ajudinha…

Até a próxima semana.

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OPINIÃO: Estoque de vento

Por MENELAU JÚNIOR

A esta altura, é muito difícil acreditar que alguém sério leva o governo petista a sério. É claro que há os ideólogos de sempre, com o discurso feito contra os americanos, a favor da ditadura cubana e, óbvio, a favor do petismo. E há, claro, os que mamam na máquina estatal – de forma direta ou indireta. Todos, claro, têm um estoque enorme de vento dentro da cabeça – só não tão grande quanto o da presidente Dilma.

E eis que, quanto se imaginava que Dilma já tinha superado todas as possibilidades de violentar a sintaxe, a semântica e a lógica, ela se supera. Esta semana, a petista protagonizou mais uma gafe em pronunciamento e virou novamente motivo para piada nas redes sociais. Durante entrevista em Nova Iorque, em evento da Organização das Nações Unidas (ONU), Dilma sugeriu a invenção de uma tecnologia para estocar vento. Levou tão a sério o que estava dizendo, que perseguiu a ideia em mais um discurso que envergonha qualquer nação. Vejam a pérola:

“Até agora, a energia hidrelétrica é a mais barata, em termos do que ela dura com a manutenção e também pelo fato da água ser gratuita e da gente poder estocar. O vento podia ser isso também, mas você não conseguiu ainda tecnologia para estocar vento. Então, se a contribuição dos outros países, vamos supor que seja desenvolver uma tecnologia que seja capaz de na eólica estocar, ter uma forma de você estocar, porque o vento ele é diferente em horas do dia. Então, vamos supor que vente mais à noite, como eu faria para estocar isso? Hoje nós usamos as linhas de transmissão, você joga de lá para cá, de lá para lá, para poder capturar isso, mas se tiver uma tecnologia desenvolvida nessa área, todos nós nos beneficiaremos, o mundo inteiro”.

Genial, não?

Essa é a herança que o petismo deixa: frases desconexas, ideias sem sentido, anarquia verbal e economia em frangalhos. Vale lembrar que o mestre de Dilma, Lula, já havia explicado em evento internacional que a poluição era um problema decorrente do fato de a Terra ser redonda. Como se pode ver, há realmente bons motivos para satanizar o professor e sociólogo Fernando Henrique Cardoso. A cartilha petista é muito mais desenvolvida.

Mas, olhando por outro lado, o Brasil é pioneiro em estocar vento. Com um discurso desse e a quantidade de gente que estudou um pouquinho defendendo o petismo, pode estar certo, caro leitor: há muito vendo estocado na cabeça de Dilma e na de quem continua a defender seu governo. Resta agora saber usar esse vento para gerar energia…

Até a próxima semana.

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OPINIÃO: Traduzindo a sem-vergonhice

Por MENELAU JÚNIOR

A cada dia tenho mais raiva de assistir aos noticiários da TV e a cada fim de semana me decepciono mais ao ler as revistas semanais que assino. Usando as palavras do nosso “eu-não-sabia” ex-presidente da República, “nunca na história desse país” se viu tanta corrupção e tantos governantes querendo proteger os corruptos.

O Congresso virou balcão de negócios. Negócios escusos, diga-se. Esta semana, com o dólar na estratosfera, Dilma viajou para Nova Iorque, mas já encaminhou várias negociações que impeçam a tentativa de impeachment.

E nesse escárnio diante do povo brasileiro, algumas palavrinhas se tornam frequentes na mídia. “Ética”, por exemplo. Quantos políticos já não foram investigados pelo conselho de “Ética”!? Segundo o Houaiss, “ética” é, entre outras coisas, “conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade”. Mas que moral existe numa situação em que o presidente do Congresso é investigado pela Polícia Federal por corrupção? Que moral existe quando o partido que governa o país já foi chamado de “organização criminosa” pela mais alta corte do Brasil?

Outra palavra que frequenta o noticiário policial – ops, político – é “decoro”, que vem do latim “decórum”, e significa “decência, conveniência”. Não, o leitor não leu errado. Há quem acredite em decência no governo. “Quebrar o decoro” seria não se comportar adequadamente ao cargo público que se exerce. Receber e cobrar propina, subornar juízes, aceitar favores de empreiteiras… tudo isso é “quebra de decoro”.

Se vier punição por aí, estejamos certos: ela se deve a alguns setores da mídia, aqueles que os petistas adoram chamar de “denuncistas”. Não é que nossos governantes estejam dispostos a fazer o que é correto; eles estão sendo obrigados a isso.

Mas, diante de tantos descalabros na política, existe ainda algo pior: o cinismo de alguns eleitores que, sem o mínimo pudor, negam a existência da crise e ainda defendem um governo que está completamente desgovernado. Se Dilma puder terminar o mandato, o Brasil estará perdido.

Até a próxima semana.

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OPINIÃO: As lições do príncipe

Por MENELAU JÚNIOR

Recentemente, uma nova abordagem de O Pequeno Príncipe chegou aos cinemas. Publicado em 1943, o livro, do escritor e aviador francês Antoine de Saint-Exupéry, ganhou pejorativamente o título de “livro de miss”, numa referência ao fato de ter sido, durante muito tempo, o preferido pelas candidatas a concursos de beleza. Quase um paradoxo: O Pequeno Príncipe é um manual de busca da beleza interior.

Ao longo da obra, Exupéry usa metáforas para falar sobre amor e responsabilidade: “é no deserto que encontramos a verdade”. O Príncipe não representa a infância em que nada faz sentido, mas a que precisa de explicação por meio de perguntas. Na infância criada por Exupéry, tudo tem sentido, mas é preciso buscar.

Imagino que as crianças, que estão ainda com o prazer de ler (por que será que elas perdem depois?), devem conhecer O Pequeno Príncipe. E seria maravilhoso que ele lhes fosse apresentado pelos pais. Sim, os pais deveriam ler a obra para seus filhos. Ler e explicar. Nas páginas supostamente escritas para as crianças, estão lições que os adultos esqueceram. Uma das mais belas, talvez, seja a de que cada pessoa é única no mundo – e por isso especial. É preciso ensinar a nossas crianças que “só se vê bem com o coração, porque o essencial é invisível aos olhos”.

O livro é, em essência, um diálogo entre o príncipe, que veio do planeta B-612, e um aviador. E essa é a grande verdade da história: só aprendemos através do diálogo, da arte de saber ouvir e falar. Do contato com o outro. E de compreendermos também o valor dos silêncios.

Antes de voltar a seu planeta, o menino de cabelos dourados aprende lições como responsabilidade (cuidar de sua flor, porque é sua), solidariedade e amizade (“tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”). Se nossas crianças realmente aprendessem a cuidar de si, dos outros e do mundo, talvez os adultos não fossem tão simplórios. Se aprendêssemos as lições contidas nesse grande livro, provavelmente os campos de trigo fariam sentido para nós. Mesmo que fôssemos raposas.

Até a próxima semana.

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OPINIÃO: Para onde foram estas palavras?

Por MENELAU JÚNIOR

Palavras são como gente: nascem, divertem-se, envelhecem e morrem. Às vezes, ressuscitam, transmutam-se, evoluem. Quando pensamos que desapareceram, surgem na boca de alguém que já viveu um pouquinho. E recebem o nome de arcaísmos.

Você sabe que alguém “já passou dos trinta” quando esse alguém chama a pessoa amada de “amoreco”. Se não tiver o amor correspondido, fica logo “amuado”, porque não quer uma “amizade colorida”.

E esse apaixonado – ou “gamado” – decide comprar um cartão e vai ao “armarinho” onde se vende de tudo. Acaba “atarantado” diante das opções de cartões. Alguns, muito belos; outros, “chinfrins”. Compra um. Embora saiba que a “coqueluche” do momento seja deixar mensagens explícitas no facebook, o indivíduo prefere os cartõezinhos. Pensa na amada, bela com cabelos soltos ou usando “coque” preso com “laquê”. Sem “delonga”, paga ao dono do “armarinho” e solicita um “carro de praça”. Está decidido a ir à casa de seu “amoreco” declarar-se.

Ele, que sempre fora “acabrunhado”, estava “encafifado” com a possibilidade de não ser correspondido. Ela, com seus vinte e sete, já se dizia “encalhada”. Mas estava decidido: não iria mais “encher linguiça”, ficar com muito “falatório”. Iria chegar e dizer: “Não vivo mais sem você”.

Ao descer do táxi, conferiu se estava perfumado. Verificou o “fecho éclair” para não passar vergonha. Ajeitou o terno “engomado”. A rua estava “fervilhando” de gente. Mas nada importava. Os meses de “flerte” tinham servido para preparar o terreno. Ora elogiando a moça, ora fazendo “fiu-fiu”, ele já dera todos os motivos para ela saber de suas intenções.

No táxi, escrevera algumas palavras “mimosas”, ainda que com letra de “garrancho”. Não importava. Tudo se justificava diante de um homem “gamado”.

Tocou a campainha.

Uma “lambisgoia” atendeu, acompanhada de um rapaz “efeminado” que logo “desmunhecou”.

– A Juçara está? – perguntou com voz trêmula.

– Ela se mudou semana passada, “bofe”. Eu sirvo? – perguntou o rapaz.

O jovem “bateu as botas” ali mesmo.

Até a próxima semana.

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OPINIÃO: Quadro do Fantástico deixa de usar mesóclise

Por MENELAU JÚNIOR

ilustracao menelauO quadro “Você só tem uma chance”, exibido pelo Fantástico, tratou no último domingo do ataque de cachorros. A resposta para escapar do ataque era “FINGIRIA-SE DE MORTO”. Detalhe: a forma “fingiria-se” não é usada na norma culta.

Não se deve colocar o pronome oblíquo depois de verbo no futuro: essa é uma das regras básicas quando o assunto é colocação pronominal. Ou seja, a ênclise é errada com um verbo nesse tempo. Nesses casos, recomenda-se a mesóclise, forma que deixou de ser usada no Brasil há pelo menos 50 anos.

Sim, a forma “fingir-se-ia” de morto seria a adequada à norma culta. A questão é que ninguém a emprega. O Fantástico poderia ter escrito “Se fingiria de morto”, mas essa também é forma rejeitada pela norma culta, ainda que muito comum no Brasil. Em textos formais, não se deve começar um período com um pronome oblíquo.

Enfim, a forma “fingiria-se” serve para comprovar que a mesóclise (colocação do pronome “no meio” do verbo) já não é mais usada. Nem pelos meios jornalísticos, que normalmente adotam a norma padrão. Construções do tipo “Encontrar-te-ei”, “convidá-lo-emos” e “adorar-te-ei” já não são vistas no português falado (e escrito!) do Brasil faz muito tempo.

Então, o que dizer da arte que apareceu no quadro do Fantástico? Bom, é até compreensível que os editores tenham rejeitado a forma “fingir-se-ia”, certamente por achá-la estranha à maioria dos telespectadores. Optar por uma construção menos formal (“se fingiria”) seria uma opção. Mas escolher “Fingiria-se”, além de contrariar a norma culta, sequer encontra respaldo na língua usada no Brasil.

Até a próxima semana.

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