Opinião: Anfitrião 2014

danielPor Daniel Finizola

Após o sucesso do Projeto Anfitrião em 2013, chegou a hora da temporada 2014. Posso dizer orgulho que essa coluna nasceu falando sobre projeto e de onde surgiu a ideia de convergir vários artistas no palco. Tudo começa com o convite do artistas anfitrião que tem por objetivo promover a troca de sensibilidades musicais e distribuir boas sensações para todos quem vão ver os shows.

Ano passado Almério, Valdir Santos, Pablo Patriota, Carlinhos e PC foram os anfitriões. Convidaram vários outros artistas da cena local para dividir o palco. Rogéria, Bira, Germana, Marconiel, Gabi da Pela Preta foram alguns dos artistas convidados pelos anfitriões na primeira temporada. Agora o projeto busca fazer  intercambios que vai além dos limites geográficos do País de Caruaru. Para a primeira edição de 2014 teremos a Bandavoou.

Pra quem não conhece o grupo foi formado em 2011 na cidade do Recife e já passou por grandes palcos brasileiros como o lendário Circo Voador,  além de apresentações no Uruguai. Confesso que sou um fã da banda desde a primeira vez que vi o clipe da música “Cavala Marinha”. Nesse música você encontra a sensibilidade e sutileza de uma geração da música brasileira que está cada vez mais na contramão dos rótulos e de braços dados com a criatividade. Formada por Carlos Filho, PC Silva, Luiza Magalhães e Marina Sobral, a Bandavoou será a anfitriã da primeira edição de 2014 e convidará o também pernambucano Jean Ramos.

Natural de Jatobá, o cantor, compositor e violonista Jean Ramos e filho da diversidade étnica que semeou o Brasil. Sua mãe é índia e o seu DNA musical traz as batidas do povo Pankararu além de influências da música negra. Jean tem mais de 10 anos de carreira e já mostrou seu talento para várias cidades do Brasil, como Rio de Janeiro, Florianópolis e Brasília. Em 2001 o artista grava seu primeiro EP, mas é em 2007 que chega seu primeiro CD, intitulado “Por um Segundo”. 2011 foi a vez do álbum “Trajetória” que também resultou na gravação de um DVD.

O Projeto Anfitrião é uma dessas iniciativas que me deixa orgulhoso de participar. Feito por gente que entende as dimensões e as possibilidades do atual mercado fonográfico independente. Antenados em conceitos como economia criativa e cooperativismo. Sempre procurando formar um público e usando a internet e as mídias alternativas como instrumento de divulgação. Esse é caminho!

Portando, não perca. Dia 25 de julho no teatro no SESC às 20 horas. Bandavoou e Jean Ramos abrindo a temporada 2014 do Projeto Anfitrião. Ah! Pode aguardar. Esse ano ainda teremos muitas surpresas no Anfitrião.

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

Opinião: Unir para transformar

Por Daniel Finizola

Coletivos. Esse nome vem se multiplicando por todo país junto a homens, mulheres e jovens que têm interesse em mudar a realidade do contexto no qual estão inseridos. Constantemente, vemos nas redes sociais páginas e blogs que se dispõem a debater algo de interesse coletivo. Há muitas virtudes sociais nessa construção.

Apesar da demonização que temos hoje da política partidária no Brasil, é importante perceber que os coletivos são constituídos de ações políticas, pois envolvem diálogo, relações, metas, propõem debates e amplificam a voz de uma determinada comunidade.

De modo geral, os coletivos estão relacionados com conceitos como economia solidária e gestão compartilhada, fundamental para a organização desses grupos. De modo geral, essas organizações fogem do modelo tradicional de administração, cujas deliberações seguem uma lógica hierárquica.

Normalmente, o processo é de autogestão compartilhada, onde  as decisões acontecem por meio de colegiados. Mas o êxito de uma organização como essa passa pela adesão dos seus membros de forma livre, consciente, esclarecida e sobre tudo participativa.

Caruaru vem dando passos significativos na constituição de coletivos cada vez mais atuantes. O Coletivo Cine Club do Alto do Moura sempre traz debates acerca dos filmes que são exibidos para a comunidade. O coletivo Meio de Rua fez uma ótima cobertura do festival Agreste in Rock. Também organizou eventos com êxito na cidade. Mas um coletivo, em especial, me chamou a atenção nos últimos dias: Lombrare, esse é o nome!

Em uma dessas manhãs de domingo, saí pra comprar o jornal e me deparei com uma imagem com os seguintes dizeres: “valorize sua cultura”. A imagem era uma xilogravura que fazia referência ao mestre J. Borges. Logo depois, descobri que o coletivo tem uma conta no Instagram e prontamente passei a segui-los. O último trabalho do grupo que me chamou a atenção foi uma gravura que fazia referência ao homem vitruviano de Da Vinci. Não conheço a rapaziada que faz o trabalho, mas digo logo que sou um fã do coletivo!

Acredito que aos poucos, por um necessidade orgânica, esses coletivos devam ocupar espaços institucionais públicos para debater a cultura de Caruaru. O Conselho de Cultura da cidade foi constituído e precisa começar a se reunir para discutir ações e possibilidades com o ímpeto de fortalecer a cultura e a economia criativa de nossa cidade.

Há alguns anos, Francisco de Assis França cantava “O homem coletivo sente a necessidade de lutar.”

Então, vamos à luta! Vamos convergir ideias e articular os coletivos de Caruaru. Tenho certeza que isso pode render bons frutos pra cidade.

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

Opinião: A cultura do pessimismo

Por Daniel Finizola

Há alguns meses que estamos assistindo nas mídias tradicionais e alternativas a disseminação de um “ódio” como nunca antes visto no país. Quem não lembra de todo o pessimismo entrono na Copa? A imprensa nacional e internacional transformaram o Brasil num inferno. Nada iria funcionar. De repente o quadro muda, e Copa passou a ser aclamada como a Copa das Copas. Quem estava errado? Quem formou esse opinião pública massificada e pouco informada? Vai prevalecendo a informação frente à comunicação. O problema é: quem produz esse informação e a quem serve?

Lógico que o brilho da Copa não anula os absurdos que aconteceram para que ela fosse realizada. Falta de transparência e desapropriações arbitrárias são apenas alguns dos problemas que se acumulam no processo, mas o fato é que muitos tiveram que engolir o seu excessivo pessimismo em relação ao evento no país.

Ouvi algumas pessoas falando “estou triste por não ter comprado um ingresso para assistir um jogo”. Uma dessas pessoas admitiu que não procurou comprar um ingresso porque ficou decepcionada e assustada com tudo que saiu na imprensa sobre o mundial de futebol no Brasil. Enquanto isso, os brasileiros dão um show de simpatia e alegria. Lógico que vários problemas também aconteceram, mas nada capaz de acabar com o brilho do mundial.

Além do pessimismo, comentários infelizes são vistos na grande mídia. Muitos são preconceituosos, racistas. Cheio de valores que contribuem para a segregação em nosso país. Pior é ver que esses comentários são proferidos por pessoas tidas como referência e que construíram isso fazendo uso da mídia tradicional, contribuindo para formar a opinião pública.

A última foi a do jornalista, historiador e escritor Eduardo Bueno, que em um programa da SportTV mandou a frase “o Nordeste é uma bosta”. Lógico que não faltaram críticas. Bueno ganhou notoriedade nacional com seus quadros sobre história do Brasil na TV aberta em programas como o Fantástico. O historiador já declarou que está preparando um vídeo para as redes sociais e rasga o verbo: “O Nordeste é uma bosta porque o Brasil é uma bosta”.

É importante entender que o Brasil é uma país complexo, de dimensões continentais, com uma diversidade cultural impar. Lógico que isso não é novidade para o historiador Bueno, que sabe muito bem a origem dos desafios desse país, mas, talvez, seja novidade para muitos dos pessimistas que tomam o país.

É preciso criticar quando necessário, fiscalizar, interagir e cobrar. Esses são alguns dos caminhos que possibilitarão um país diferente desse que muitos criticam, ora com razão, ora com interesses escusos e hipócritas. A ditadura militar no país propagou o slogan “Brasil: ame-o ou deixo-o”. Hoje, temos várias pessoas que – aparentemente – detestam o Brasil e nem por isso são obrigados a deixar o país. Seria muito melhor que essas pessoas fizessem a disputa política a partir das instituições pública que propiciam a participação e interação social. Esse é o caminho para acabar com os resquícios dos Anos de Chumbo.

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: Chegou o mês de junho!

Por DANIEL FINIZOLA

Se analisarmos as origens de Caruaru, veremos que a conexão entre o rural e urbano foi fundamental na construção de aspectos marcantes da nossa cultura. Vamos lembrar que o ciclo junino começa no dia de São José. O agricultor conforta a semente de milho no solo esperando a chuva. À noite, o homem do campo admira a fogueira que arde na frente da casa. Os olhos encantados pelas chamas brilham sonhando com a colheita do milho que vai virar canjica, pamonha, mungunzá.

Quando junho chega, é hora de colher. Levar pra Feira de Caruaru o fruto de muito trabalho e prece. O diálogo entre a zona rural e urbana sempre teve a feira como ponto de convergência. Além do milho, é na feira que encontramos os fogos da meninada, o vestido matuto, o pé de moleque. É como se, em junho, as cidades do Nordeste ficassem mais rurais e brejeiras, abraçadas pela chuva e pelo frio.

Santo Antônio inaugura os festejos alimentando o sonho das meninas. Faca no tronco da bananeira, pingo de vela na água, vale tudo pra achar a tampa certa da sua chaleira. Para os corações que já acharam seu par, é tempo de trocar presentes, dançar um forró pegado, namorar, renovar os votos de carinho, amizade e amor.

Logo depois, vem o santo quente da festa. Aquele que, segundo a música, bateu um papo com São José pra mandar a chuva que vai gerar 20 espigas de milho em cada pé, lembra? Essa é a noite em que as fogueiras ganham as ruas. Os mais velhos esperam a lenha queimar pra descascar o milho e aproveitar a brasa. A meninada afoita puxa logo um tição pra acender o traque de sala, a chuvinha, o “musquito”, o vulcão e a tão temida bomba – aquela que a vizinhança adora!

Lá pelo finzinho do mês, vem São Pedro. Esse tem a chave do céu nas mãos. Foi o primeiro papa da Igreja, mas hoje o que ele consegue mesmo é deixar muita saudade do período que marca as manifestações mais telúricas do Nordeste, onde o religioso e o profano se confundem, constituindo os símbolos que marcam a religiosidade e a cultura nordestina.

Infelizmente, muitas das cenas que descrevemos estão ficando cada vez mais raras. As cidades do interior do Nordeste estão ganhando cada vez mais importância econômica, social e política. O progresso vai conectando os lugares, deixando os seus cidadãos à mercê da globalização, que geralmente impõe mais que dialoga, pondo em xeque as suas identidades locais. Não há nada de errado na troca cultural, mas é preciso identificar a natureza dessas relações e analisar quais as consequências que ela pode gerar.

Até semana que vem!

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: A política e a cibercultura

Por DANIEL FINIZOLA

Ao analisar os movimentos que vêm acontecendo no Brasil e no mundo, percebemos que há uma crise de paradigma quanto ao sistema de representatividade política. Cada vez mais, se questiona a função e ação dos políticos e seus partidos. A eleição para o Parlamento Europeu amargou altos índices de abstenção: mais um exemplo de que a crise de representação política não é algo exclusivo do Brasil. O mesmo aconteceu recentemente com as eleições na Colômbia, onde o índice de abstenção chegou a 59,98%, segundo o site América Econômica.

Aos poucos, o mundo percebeu que os espaços virtuais como Facebook e Twitter podem incitar, de forma positiva, o debate político. Afinal de contas, no mundo virtual, ultrapassamos as barreiras da sociedade de massa, visto que existe a interação, certo? Mas me parece que as redes sociais não conseguiram quebrar o predomínio da informação sobre a comunicação.

Em tempos de eleição, Copa e crise de representatividade política, o mundo virtual virou um espaço onde se replica de tudo. Problema é replicar sem checar a informação e a quem servem determinadas bandeiras na internet. Hoje, o que temos no mundo virtual é um ciclo vicioso, onde os indivíduos procuram seus pares para inflar suas crenças com debates pobres e pouco fundamentados. Esse é o homem-massa da cibercultura, que este ano poderá ser responsável pelo debate eleitoral mais vazio da história das eleições no país.

É nesse contexto que uma página merece destaque na internet. Segue uma linha cômica, mas não dispensa uma panfletagem apócrifa e publicações mentirosas. Com cerca de 3,5 milhões de seguidores e alcançando 27 milhões de usuários no Facebook, a TV Revolta tem preferência política e ideológica clara, mas adora posar de “apolítica”. O responsável por esse fenômeno da rede é um radialista, João Victor Almeida Lins, de 32 anos. Mas aí eu pergunto: ser cidadão e fazer oposição ao governo significa compartilhar frases mentirosas? Não seria melhor pensar e debater um projeto de sociedade e país? Ou será que essas frases mentirosas produzidas pela TV Revolta fazem parte do projeto de governo da oposição? São essas as frases que representam os revoltados com a política?

Uma das postagens mais curtidas da TV Revolta atribuída a Oscar Niemeyer dizia: “Projetar Brasília para os políticos que vocês colocaram lá foi como criar um lindo vaso de flores pra vocês usarem como pinico”. Mas onde está registrada essa declaração do arquiteto? Pior é que essa postagem obteve 22.318 compartilhamentos. Protestar contra a situação política do país significa reproduzir frases de impacto mentirosas?

Somos um país com 105 milhões de brasileiros com acesso à internet, mecanismo fantástico que pode ser utilizado para fortalecer valores democráticos e republicanos como controle social e transparência. Fenômenos da cibercultura, como a TV Revolta, nos leva a um niilismo político irresponsável que não contribui para fortalecer valores democráticos. Importante: a liberdade de expressão, tão aclamada pela democracia, exige responsabilidade.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: Nos tempos de criança

Por DANIEL FINIZOLA

Os raios de sol, aos poucos, iam atravessando as frestas das telhas. A luz começava a riscar o piso e lá fora o som das pessoas acordava o dia. O homem do leite passava na CG vermelha trazendo a delícia do campo que sempre era multiplicada ao chegar na cidade. Bastava um pouquinho de água. A porta da mercearia, ao rolar para cima, despertava os vizinhos que não tardavam em comprar o pão. Aos poucos, as ruas eram tomadas por meninos e meninas que exercitavam sua ludicidade nos terrenos esquecidos, cheios de mato e terra.

As brincadeiras tinham épocas. Ora era finca, jogo perigoso onde se roubava a faca lá na cozinha da avó. Desenhava-se uma figura geométrica no chão de terra e de cada ponta da figura saía a linha do jogador. Com força e destreza, jogava-se a faca para cravá-la no chão. A cada ponto cravado, riscava-se uma semirreta ligando os pontos. Objeto: fechar o outro jogador até que ele não tivesse mais espaço para sair do emaranhado de retas que iam se constituindo. Essa brincadeira acertou e cortou a canela de muita gente.

Em outro momento, era o pião. Riscávamos o “oi de boi” (um círculo) no chão, colocávamos um pião na roda e, com outro pião, tentávamos acertar e retirá-lo do “oi de boi”. Quem conseguisse ficava com o pião. Mas a grande emoção estava em ver um pião na roda se partir ao meio com a pancada. O autor do feito ganhava respeito do grupo.

Quando o assunto era pipa, a coisa complicava. Era preciso tala pra fazer a pipa. Todos se penduravam nos coqueiros atrás das folhas para retirar a tala e montar a estrutura da pipa. Depois vinha a busca pela seda. Muitas mercearias de bairro já vendiam seda para pipa – em outros casos, se resolvia com a seda que vinha enrolada no sapato. A rabeta da pipa se resolvia com as bolsas plásticas de supermercado. Mas aí vem a parte perigosa e condenável: o cerol! Todos corriam para o lixo a fim de procurar uma lâmpada queimada pra quebrar e misturar com cola. Tudo pra derrubar mais fácil na “torança” a pipa do amigo. Boa mesmo era a carreira que todo mundo dava para pegar a pipa que perdia a disputa… Era um troféu que, normalmente, o autor do feito não ficava. Ainda tinha a crença de não poder soltar pipa à noite. Segundo minha avó, pipa que visitasse o céu durante a noite traria doença. Não entrava em casa e precisava ser destruída.

Mas tinha uma brincadeira de vocabulário peculiar, onde qualquer ação precisa de um grito. Expressões como “bate seu”, “carioquinha”, “tudo sujo” e “tudo limpo” eram comuns para um jogador de bola de gude. O grande desafio era retirar o maior número de bolas do “tria” (nome que dávamos ao triângulo onde “casávamos” as bolas). O jogador temido sempre entrava no jogo com uma ferrança: bola de metal retirada do rolimã.

Ainda tinham brincadeiras como “tocou, gelou”, “esconde-esconde”, “academia”, “tô no poço”, “queimada”, “barra-bandeira”, “elefante colorido” e tanta outras.

As novas estruturas urbanas e a popularização da tecnologia deixaram a diversão infantil cada vez mais solitária, carente de sorriso, suor e energia física. Mas… como serão esses adultos?

Até semana que vem.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: ‘A Peleja do Diabo com o Dono do Céu’

Por DANIEL FINIZOLA

Vou dar sequência à análise de discos emblemáticos da música brasileira. Anteriormente falamos sobre a famosa “Tábua de Esmeraldas”, do Jorge Ben. Hoje vamos falar de um artista de voz inconfundível que traz “no seu alforge” letras místicas cheias de metáforas e sons sombrios. Ao mesmo tempo mistura frevo, baião e baladas com a singularidade que marcou sua carreia. Ele veio de uma geração que rendeu bons frutos para a música nordestina, notabilizando-se por uma musicalidade que conectou o Nordeste e suas características com o universo musical dos anos 70. Não é à toa que muitos o comparam com figuras como Bob Dylan.

Mas vamos fazer um recorte na carreira de Zé Ramalho com disco que considero fundamental para entender um pouco do universo musical desse paraibano. O nome já intriga: “A Peleja do Diabo com o Dono do Céu” Esse é o título do seu segundo disco. Foi gravado em 1979 no estúdio de 8 canais da C.B.S, na cidade do Rio de Janeiro, lugar que acolheu muitos nordestinos que foram em busca de oportunidades artísticas, como Alceu Valença e Elba Ramalho.

O disco conta com sucessos emblemáticos na carreira do artista, como “Garoto de Aluguel” e “Admirável Gado Novo”, música que, curiosamente, passou pela censura da ditadura militar.

A obra também aponta toda uma interação com a cena política e artística da época. “Falas do Povo”, terceira faixa do disco, foi dedicada a Geraldo Vandré, artista que compôs uma das músicas-símbolo contra a ditadura militar. “Agônico”, música instrumental batizada por Jorge Mautner, onde Zé Ramalho executa todos os instrumentos. “Monte das Amplidões”, baião cheio de cadência e discurso místico.

Participações rechearam o disco de sensibilidade e genialidade. “Beira do Mar”, por exemplo, tem o violão de 12 cordas executado pelo virtuoso Geraldo Azevedo. “Jardim das Acácias”, uma das minhas preferidas, tem a assinatura de Pepeu Gomes nas guitarras. Não podemos deixar de destacar os arranjos de corda e metais de Paulo Machado, algo que fez o trabalho dialogar com o universo erudito sem perder o caráter popular.

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A ideia da capa é do próprio Zé Ramalho, e brinca com o imaginário do título do disco. Tem participação especial de figuras como José Mujica Martins, o famoso Zé do Caixão, e o grande artista plástico Hélio Oiticica, ou seja, só tem fera na concepção da obra.

A última música do disco é um frevo de bloco cheio de metais que acabou virando um clássico da música nordestina. Porém, o arranjo que caiu no gosto popular não foi o que Zé Ramalho fez para esse disco, mas o que Amelinha apresentou em um dos seus trabalhos. A música ganhou velocidade e virou um arrasta-pé que não pode faltar no repertório de nenhuma banda que se dispõe a animar o salão. Quem nunca dançou ou escutou a música “Frevo Mulher” no São João? Aqueles acordes inicias são inconfundíveis, não é mesmo?

A “Peleja do Diabo com o Dono do Céu” é, sem dúvida, um trabalho que deu grandes contribuições para a música nordestina e brasileira. Esse tem lugar especial na minha discoteca.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: A cultura da bola e o monopólio da Fifa

Por DANIEL FINIZOLA

Estamos a poucos dias de assistir um dos maiores espetáculos do globo, a Copa do Mundo. Em 2007, ano em que o Brasil foi escolhido para sediar o torneio, isso era motivo de orgulho e felicidade para 79% dos brasileiros, segundo o Datafolha. Afinal de contas, somos o país que detém cinco campeonatos mundiais e os maiores craques do mundo, histórico que nos deu o título de “país do futebol”, certo? Mas parece que a população, de uma maneira geral, se cansou de ser apenas o “país do futebol”.

Ano passado, quando estouraram as manifestações de junho, víamos vários cartazes nas ruas com frases do tipo “Queremos saúde e educação padrão Fifa”. Parece que caiu por terra o discurso de que grandes eventos mudam um país. Mais uma falácia do modelo desenvolvimentista, ou seja, crescimento a todo custo, adotado pelos gestores que chegaram ao poder no Brasil. O que de fato muda um país é a interação consciente e qualificada da população junto às esferas de poder, seja privada ou pública.

A Copa é um negócio de muitas cifras. Quem sedia o evento ganha visibilidade internacional, impulsiona a economia, mesmo que de forma sazonal, não há como negar. Muitos se apoiam na retórica de que a Copa deixa um grande legado de infraestrutura que vai beneficiar o país, mas aí eu pergunto: é preciso uma Copa para gerar infraestrutura que atenda às demandas da população? Não deveria ser assim, concordam? É preciso analisar e ver quem de fato mais vai se beneficiar com essas obras. Com certeza, a especulação imobiliária anda ganhado espaço nesse jogo milionário. As arbitrariedades que envolveram as desapropriações para a realização das ações da Copa fizeram o “país do futebol” sentir vergonha. Quem não lembra do triste episódio envolvendo o Museu do Índio no Rio de Janeiro? Esse é apenas um dos vários episódios em torno das desapropriações em nome do evento Fifa.

O BNDES concedeu empréstimos generosos para as empreiteiras que estão à frente da construção dos estádios. Juros baixíssimos, algo em torno de 0,9% ao ano. Bom demais, não? O problema é que o orçamento de todos os estádios estourou, e não foi pouco. As empreiteiras pegaram empréstimos no limite do permitido. Vejamos: supondo que eu seja dono de uma empreiteira e orço o estádio em R$ 745,3 milhões, mas, supostamente, o dinheiro não deu. Então pego mais alguns milhões emprestados com esses juros camaradas. Aplico o dinheiro em uma instituição com juro maior, lucro algumas centenas de reais no mercado financeiro e pago o empréstimo ao BNDES. Alguém duvida que isso esteja acontecendo? A Copa, sem dúvida, é um meganegócio para as empreiteiras. Ainda temos grandes questões a debater, como, por exemplo, qual será a real utilidade dos estádios após o fim da Copa? Vejamos o estádio de Brasília, um dos mais caros construídos para o evento. Custou a bagatela de R$ 1,4 bilhão. Qual a tradição futebolística que a nossa capital tem? Sendo assim, seria bom analisar o custo-benefício de uma obra como essa, não?

A Fifa, instituição que procura monopolizar a cultura do futebol no mundo, é uma empresa constituída de pouca transparência, muita exigência, lobby e corrupção. Nos últimos anos procurou aportar seus eventos e influência em países com instituições democráticas frágeis, impondo um modelo de produção e comercialização do evento que garante a todo custo lucros exorbitantes para ela e seus parceiros. A famigerada Lei da Copa, aclamada pela maioria de oposição e situação, interfere diretamente na Lei de Responsabilidade Fiscal, gerando o endividamento acima do permitido pelos municípios que vão sediar o Mundial. Isenta a Fifa do pagamento de impostos, libera visto de trabalho para os indicados da entidade máxima do futebol e por aí vai.

O Brasil virou rota de vários eventos internacionais, seguindo a lógica da visibilidade e crescimento econômico que o país passou a ter nos últimos dez anos. Eventos como a Copa, que fazem uso de dinheiro público, devem ser envolvidos de uma cultura de transparência, controle social e participação popular, ou seja, valores que passam longe da filosofia da Fifa.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Precisamos ir além das bananas e dos macacos

Por DANIEL FINIZOLA

Esta semana, a internet foi tomada por bananas e macacos. Tudo teve inicio quando um torcedor do Velho Mundo, tido como civilizado, jogou uma banana no jogador brasileiro do Barcelona, Daniel Alves. A banana tinha por objetivo incitar o racismo, comparando o jogador a um macaco. O brasileiro não perdeu tempo, nem a banana. Tratou de pegar a fruta, descascar e comer, ali mesmo, na frente de todos e todas. Tudo televisionado. Era um protesto, certo?

Para entender o racismo, é preciso retomar a história e perceber que o Velho Mundo tem um forte histórico de racismo e xenofobia. Em tempos de mercantilismo, o comércio de homens negros era uma grande fonte de lucro para os homens brancos que também usavam as crenças religiosas católicas para justificar o ato. Por volta do século XIX, com a segunda fase da Revolução Industrial e o neocolonialismo, os europeus avançaram sobre a África e a Ásia, praticando todo tipo de violência contra os povos africanos, roubando suas riquezas. A justificativa dos europeus para tais atos era bonita: “Precisamos levar a civilização para os africanos”. Na verdade, o que o Velho Mundo deixou para a África foi muita morte, exploração e desestruturação das organizações sociais africanas. Isso sem falar nas teorias de superioridade de raça, nos atos xenofóbicos nazistas e nas recentes ações de grupos como os skinheads.

A colonização brasileira exercida pelos europeus disseminou o patriarcalismo, clientelismo e o racismo em nossa sociedade. Infelizmente, esses valores continuam latentes. As sequelas vão se revelando nas estatísticas dos jovens negros assassinados nas periferias, na violência contra a mulher ou no preconceito contras as religiões de matriz afro. A colonização norte-americana também fez uso do trabalho escravo e, da mesmo forma que aconteceu no Brasil, a abolição da escravidão não representou a inclusão social e econômica dos negros.

Mas, o que dizer de jogadores que são milionários e ainda continuam sofrendo com atos racistas? Isso só indica que não é simplesmente uma questão de grana, mas de construção simbólica e social. Pense e analise como a história do negro foi tratada na sua escola, isso quando ela é citada.

Geralmente fala-se da comida, da música e da dança, não é mesmo? Tudo com um ar meio exótico como se isso não fizesse parte do que somos.

Vejo muitas instituições de ensino comemorando o Dia de São Patrício com cartazes e vestimentas verdes – nada contra a manifestação para o santo irlandês, mas é algo que não está diretamente ligado à nossa cultura. Agora, uma pergunta: alguém lembra de ter visto alguma comemoração na escola ou na faculdade em homenagem à Iemanjá, Ogum ou Oxalá?

De modo geral, a história da etnia negra não ganhou destaque nas grandes narrativas positivistas, que, por sinal, ainda fundamentam muitos dos livros de história de ensino básico no Brasil. Dentre vários outros, esse é um dos fatores que contribuem de forma significativa para que jovens e adultos tenham grande dificuldade de entender e conviver com diversidade cultural e econômica que constitui este país.

Racismo é coisa séria! Precisamos ter cuidado para que a espetacularização da ironia feita por Daniel Alves, ao qual não tenho nada contra, não venha esvaziar o debate que provocou.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Menos hipocrisia e mais beijinho no ombro (Parte II)

Por DANIEL FINIZOLA

Ao escrever o texto da semana passada, sabia que iria provocar debates e reflexões. Normal. Estou exercitando um pouco da maiêutica, incitando o diálogo sobre o tema, que me parece bem pertinente ao atual contexto cultural, social e econômico que vivemos, algo parecido com o que o professor do Distrito Federal fez com sua polêmica prova. Os comentários no blog e nas redes sociais foram ótimos! Alguns extremamente interessantes, enquanto outros preocupados em distribuir rótulos – até ganhei alguns.

Vamos ao que interessa.

Precisamos analisar que vivemos em uma sociedade de classe e, como tal, fomos acostumados a desenvolver uma certa visão hierarquizada das coisas. Com a cultura não seria diferente. Criamos a ideia de que uma cultura é “boa” ou “ruim”; muitas vezes, a partir de um julgamento moral, social e estético do artista que a produz. É preciso questionar. Quais as variáveis e os parâmetros que fazem uma cultura ser “boa” ou “ruim”? Há um porquê dessas nomenclaturas. Vejamos o conceito de “cultura popular”. Ora, se existe o conceito “popular” é porque existe uma antítese, a erudita, e a quem interessa essa divisão? Quem a criou e por que criou? Ela faz parte da lógica de uma sociedade economicamente desigual.

Ao invés de rotular e segregar a produção cultural das classes menos abastardas, devíamos procurar entender o porquê dessa expressão cultura de acordo com o contexto em que está inserida. É fato comprovado estatisticamente que o crescimento da renda das classes C e D aumentou o acesso aos bens de consumo, os quais possibilitam a propagação da informação. Em meio a tudo isso, surge um novo nicho de mercado que interessa a muita gente. Roupas, produtos de beleza, música são apenas alguns exemplos dos bens que vão se inserindo nesse novo contexto mercadológico. Alguém deve lembrar daquele programa “Esquenta”, da Globo. Ele é um dos símbolos midiáticos dessa nova dinâmica do mercado.

É nesse cenário que o polêmico funk ostentação ganha destaque na mídia alternativa e tradicional. Ele é fruto de um contexto social novo, no qual vários estudiosos da sociedade vêm se debruçando, procurando entender fenômenos como o “rolezinho”. A visibilidade que a cultura da periferia ganhou na mídia e nos espaços de mercado nos últimos tempos incomoda muita gente, externa o preconceito velado e expõe nossas feridas sociais e históricas. Para muita gente, ficou difícil e insustentável dividir espaços virtuais, midiáticos e reais, antes frequentados e utilizados apenas por alguns grupos sociais.

O debate precisa e deve ir além da arte que se produz na periferia. Essas manifestações culturais estão diretamente ligadas ao desejo de afirmação social e econômica das classes mais baixas, alimentado ainda mais o mito capitalista da inclusão pelo consumo e exposição. Nada muito diferente das classes mais abastadas, que também exercem sua afirmação social, seja pelo poder econômico, seja pela educação formal a que teve acesso – a mesma educação que hierarquiza os saberes e acha um absurdo uma cantora de funk ser considerada pensadora.

Valeska Popozuda, como tantos outros, virou fenômeno midiático porque há uma indústria do entretenimento por trás, fazendo a coisa acontecer. Isso significa muito dinheiro e estratégia de marketing. É um negócio! Da mesma forma que ocorre com o Kiss, Iron Maiden, Roberto Carlos e Lenine. Guardadas suas devidas proporções, claro! Há algum tempo, bastava o artista fazer um disco mais “conceitual” e vender menos para o seu contrato na gravadora ficar ameaçado.

A lógica do mercado fonográfico hoje é mais complexa do que a que tínhamos nos anos 80. O mundo virtual abalou o poder das gravadoras e deu uma nova dinâmica ao mercado fonográfico. Perceba que há uma grande volatilidade no mercado da música nos últimos tempos. Ontem foi “Gangnam Style, hoje é “Beijinho no Ombro” e amanhã virá outra. E assim a indústria do entretenimento segue fazendo produtos culturais cada vez mais passageiros, mas repito: é preciso entender os porquês desses fenômenos que não são de hoje e não são algo exclusivo da música. O debate precisa caminhar sem reducionismo ou colocações preconceituosas.

Eu não curto a estética artística do funk, nem do forró estilizado, por exemplo. Não coloco no meu carro para escutar, mas o meu gosto musical não me dá autoridade nem poder para dizer qual arte é “boa”. Eu simplesmente não gosto enquanto estética artística, como também não gosto do realismo na pintura. Isso não quer dizer que ela é “ruim”. Respeitar o funk como expressão cultural da sociedade brasileira não obriga você a frequentar um baile funk, mas também não te dá o direito de dizer que é algo que não “presta”. Tenho críticas às músicas de discurso sexista tão presente no funk, ao mesmo tempo, há várias músicas ligadas ao funk que quebram paradigmas ligados ao corpo feminino, instituídos durante séculos de repressão sexual, algo que ainda é tabu na sociedade brasileira.

É bom deixar claro que esse texto não tem a pretensão de explicar todas as questões que circundam esse tema. Várias lacunas vão ficar e merecem ser discutidas. Cabe a cada pessoa propagar o debate tendo em vista que a grandeza e riqueza da cultura humana está na sua diversidade e relações. Sigamos com mais respeito e menos preconceito.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br