OPINIÃO: Som extremo

Por DANIEL FINIZOLA

Lá no interior, onde a paisagem agreste toma o horizonte, é comum surgirem aqueles garotos que gostam de um tipo de música que a grande maioria das pessoas faz cara feia ao ouvir. Na adolescência deixam o cabelo crescer, seu guarda-roupa é tomado um ar dark, cheio de camisas negras com os nomes das bandas que tomam o seu headfone. Adquirindo a idade, sua pele já passa a ser marcada com as tintas que transparecem muito mais que uma imagem, mas o seu estilo de vida.

Aos poucos, “esse malucos” – assim chamados pelos ditos “normais” – vão se encontrado na cidade, trocando informações e discos. Quando o talento musical aflora, não tarda a aparecer aquela banda de vocal rouco, gutural (expressão que vem do latim “guttur” e significa garganta). A voz agressiva, comum nas bandas thrash metal, geralmente provoca aquele questionamento: isso é arte?

Lógico que sim! É uma expressão, fruto de uma subjetividade individual ou coletiva, que usualmente rema contra todo o preconceito e conceito que se construiu do que é arte. É importante entender que a arte não tem a obrigação de ser bela. No geral, o belo de hoje é uma construção discursiva fruto da arte clássica que criou padrões e modelos de beleza reproduzidos até hoje pelo mundo contemporâneo. Se mostrássemos o quadro “Guernica”, de Picasso, ao cidadão no meio da rua e pedíssemos sua opinião sobre a beleza dele, é provável que muitos dissessem “que coisa feia!”, já que ele não segue as linhas confortáveis do clássico. Mas aquela “feiura” tem muito a nos dizer.

Tendo por objetivo quebrar o gelo sobre o que é belo e feio no mundo das artes, venho falar neste espaço sobre uma das maiores bandas de thrash dessa cidade, a Psych Acid. O grupo foi fundado em junho de 1990 pelo baterista Nato Vila Nova e pelo guitarrista Wladimir Morais. Já passaram por esse projeto várias figuras carimbadas do rock caruaruense. Entre elas, podemos citar Mago Gildo, Edu Slap, Marcos Dedinho, Mário, Rutênio e Nadnelson. Hoje a banda segue com Nato nos vocais e bateria, Bruno Amorim e Anderson Diniz nas guitarras e Fábio Santos no baixo.

A banda acabou de gravar o EP “Disturbance Without”, produzido pelo guitarrista Henrique Aragão, que vem se destacando e inovado nos sons da cena musical caruaruense. Com letras que questionam as guerras e a ganância do homem, a banda volta, depois de uma longa pausa nas atividades (1997 a 2009), com força total na cena local, já tendo tocado em várias cidades da região.

Com um trabalho independente, o grupo não tardou a entender a importância da internet para divulgação do trabalho. Segundo Nato, as redes sociais facilitaram o contato com fãs, outras bandas e produtores, fazendo o trabalho circular por todo o Brasil e exterior com mais facilidade.

Confira o som da Psych Acid no link a seguir: https://soundcloud.com/laemcasa/faixa-02.

Até semana que vem!

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: Comunicação e cultura: uma revolução por vir

Por DANIEL FINIZOLA

Está mais que claro para todos e todas que o mundo digital, seus mecanismos e ferramentas vieram para ficar. Apesar da velocidade que toma essa sociedade da informação, isso “ainda” é algo novo e revolucionário. Se bem utilizado, pode trazer benefícios sociais de grande impacto. Aos poucos, essa cultura digital vem ganhado espaço nas rodas de conversa pelo Brasil afora, seja nas escolas ou nas universidades.

Um exemplo que vem ampliando anualmente o debate sobre o tema é o projeto Conexões Globais, que acontece anualmente em Porto Alegre (RS), e cuja última edição aconteceu nos dias 24 e 25 deste mês. O evento procura estabelecer o diálogo entre os vários atores que estão nas redes sociais e o novíssimo conceito de Democracia 2.0. Este ano, o evento debateu temas como Cultura de Rede Colaborativa e Digital, Jornada de Junho e o Futuro da Democracia no Brasil, Soberania Digital e Vigilância na Era da Internet. Temas pertinentes ao Brasil contemporâneo, cada vez mais conectado. Tudo transmitido ao vivo pela internet.

Mediante esse contexto, Caruaru terá a oportunidade de ser uma cidade polo do debate sobre comunicação, cultura digital, suas consequências e possibilidades sociais. Isso porque está para ser aprovado, pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPE, o bacharelado em comunicação social com duas frentes de formação.

A primeira tem por objetivo a formação voltada para redes sociais, atendendo aos novos anseios da comunicação social no Brasil e no mundo, que cada vez mais aumenta a convergência de mídias e a circulação de informação no globo. Um curso como esse trará pessoas do Brasil inteiro, gerando intercâmbio acadêmico e tornando Caruaru uma cidade vanguarda na produção científica referente a esse tema.

A segunda frente é voltada para produção cultural e deve interessar muito a todas as pessoas envolvidas com cultura criativa e toda a sua cadeia, ou seja, artistas e produtores poderão ter uma formação acadêmica que melhor fundamente as suas ações de produção, comunicação, distribuição e comercialização. Caruaru pode virar um grande polo de elaboração e execução de projetos culturais, referência para todo o Brasil, já que a proposta da UFPE é nova e extremamente contextualizada com a nossa realidade. Basta analisar que a produção cultural caruaruense é pujante, e toda região sofre com a falta de profissionais qualificados para trabalhar com os novos desafios da cadeia produtiva da cultura.

Um exemplo desses novos desafios no campo da cultura é o mercado fonográfico. A crise das gravadoras e o compartilhamento de música na internet colocaram o artista em um novo paradigma de mercado que ainda precisa de muito estudo e cooperação. Um debate para o qual Caruaru pode dar grandes contribuições a nível nacional com a chegada desse curso, já que esse cenário envolve comunicação, tecnologia e produção cultural musical, algo que não falta por aqui.

O desenvolvimento que a cidade atingiu nos últimos dez anos está diretamente relacionado com o crescimento da oferta de cursos nas universidades privadas e com a chegada da UPE e UFPE. Isso gera qualificação, produção científica e inclusão social. Portanto, é importante demonstrarmos o nosso interesse, estabelecendo um debate sobre a viabilidade e importância desse curso para o “País de Caruaru”.

Para tanto, vamos nos mobilizar, enviar e-mails para a reitoria da universidade e garantir mais essa conquista para a nossa terra.

E-mail da reitoria da UFPE: gabinete@ufpe.br.

E-mail da assessoria de comunicação da UFPE: ascom@ufpe.br.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: Cultura do cotidiano

Por DANIEL FINIZOLA

Sete horas. O despertador já tocou e a função soneca já vai na quarta rodada. O sol entra tímido pela janela, o concreto do prédio ao lado não deixa ele imperar. A cara amassada se depara com mais um dia que acaba de chegar. Levanta, vai ao banheiro. Urina com uma mão no sexo e outra na parede, tentando olhar atentamente para não errar e ter que limpar o que já não está muito limpo.

Banho quente, espelho, dente e lá vem a lâmina, o segundo grande desafio do dia, já que o primeiro foi acordar! Ferro quebrado, roupa amassada e um pouco de perfume pra manter a vaidade. Na geladeira, algumas poucas coisas. A maioria com o prazo de validade um tanto… passado! E o resto não faz muito bem à saúde, já que a meta seria executar a primeira refeição do dia. Coca-Cola na veia, pão com um embutido dentro, e tá tudo certo.

Sai do seu cubículo de concreto, caminha pelo corredor cuja luz acende sozinha e encontra o elevador, aquele espaço que fertiliza imaginações eróticas e cômicas. O jovem porteiro achou massa a camisa do Pink Floyd. A mochila nas costas carrega o necessário para um dia longe do seu ponto de apoio denominado casa.

Agora chegou a hora de entrar em outra dimensão. Fone no ouvido. Um som depressivo, globalizado, progressivo ou pesado vai conduzindo o cidadão gradativamente a uma surdez. No metrô, além da música vetor, há o momento redes sociais via smartphone. Esse é o momento em que sorrisos motivados pela leitura das redes são distribuídos gratuitamente no metrô. Mas a questão é: ninguém vê esses sorrisos. Estão todos ocupados e solitários demais com seus celulares para erguer a cabeça no meio da multidão espremida na minhoca de metal.

No trabalho, a tristeza veste tanto quanto a farda, já que é difícil superar o poder que oprime a partir da necessidade de sobrevivência. O cheiro de batata frita e hambúrguer de fast-food engorduram sua perspectiva e entopem os meandros políticos que podem fazer a vida ter outro rumo. A cada cliente que se empanturra de valores, bacon, pão, queijo e verdura, o cansaço toma o corpo que, depois de horas, só pensa nas possibilidades e possíveis dificuldades que possam atrapalhar a volta para seu ponto de apoio.

A noite lhe cobre com fumaça de cigarro temperada com cerveja, lendo as certezas políticas, científicas, amorosas e filosóficas que só encontramos nas redes.

A cultura do cotidiano revela quem é esse homem moderno que se reproduz pelas grandes cidades do mundo. Cada vez mais solitário e com dificuldades de desenvolver relações culturais coletivas, além daquelas que a sobrevivência exige.

O cansaço, a má qualidade de vida, o calor do concreto, o frio, o som do dia e da noite fazem do cotidiano urbano um desafio físico e mental.

Até semana que vem!

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Ele não é nosso!

Ao lado de “Abaporu”, de Tarsila do Amaral: quem não lembra dessa imagem nos livros de literatura?

Por DANIEL FINIZOLA

Por conta da fome de América, de sua totalidade, diversidade, interpretações e cores, acabei em Buenos Aires para passar uma pequena temporada de estudo. Uma cidade com pessoas frias, como qualquer metrópole no mundo. Cheia de cinzas no ar e preto no chão. Nessa época do ano, não seria preciso colocar a bandeira no mastro na frente da Casa Rosada, já que ela passa o dia estampada no céu de toda a cidade. Os portenhos gostam de seguir noite adentro, com seus kioskos 24 horas, sua fome de dólar e a agitação cultural na av. Corrientes, tornando esse um dos cantinhos da América que mais produz, consome e exporta cultura.

Gosto de passear pelos museus desta cidade. Um deles, em especial, me chama muita atenção: o Malba (Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires). Não é pra menos! Nesse museu, encontramos obras de Diego Rivera, Frida, Antônio Berni, Cândido Portinari e nada mais, nada menos que “Abaporu”, de Tarsila do Amaral. Sim! Aquele homem de cabeça pequenina e pé grande, sentado no tropical. Quem não lembra dessa imagem nos livros de literatura do ensino médio? Pois é! Vamos colocar assim: digamos que a nossa Mona Lisa não está conosco. Está com os hermanos argentinos. Mas, há um consolo: a Mona Lisa de Da Vinci também não está com os italianos, mas com os franceses, no Louvre.

Brincadeiras à parte, esse quadro é fundamental para significar o movimento modernista no Brasil – e por que não dizer na América Latina? Arrematado por uma bagatela de US$ 1,5 milhão, em 1995, pelo colecionador argentino Eduardo Constantini, passou a ser o quadro brasileiro mais bem avaliado no mundo. A Fundação Constantini, mantenedora do museu, se preocupa em revelar cada vez mais a importância da arte que surgiu no início do século XX na América Latina. Aberto ao público em 2001, seu acervo conta com pinturas, esculturas, fotografia, além de uma área para exposições temporárias.

Para muitos, causa estranheza ver a maioria das obras desse museu. Rostos disformes, corpos retorcidos, surrealismo… Política e arte se misturam pra falar sobre uma geração que bebeu da arte europeia, porém já tinha história e subjetividade mais que suficiente para desenvolver um novo conceito de interpretação do cotidiano latino-americano. Muitos, como já ouvi várias vezes, podem até dizer: “Oxe! Isso aqui eu faço. É fácil demais!” A questão não é simplesmente fazer a peça, mas entender a origem, o sentido, o sentimento que levou o artista a expressar aquela obra moderna. A subjetividade por trás da peça é tão importante quanto o objeto em si. É preciso entender isso. Sem contar que toda obra de arte acaba virando um recorte histórico de sua época. Observe que esse é um período no qual as representações humanas ficaram deformadas na visão dos artista de vanguarda. Por que será?

O homem abriu o século XX com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Todo o projeto de sociedade industrial, positivista e científica, chegava a uma situação de barbárie, como nunca antes registrado na história da humanidade. Pensamentos clássicos e formas “perfeitas”, as quais fundamentavam muito do homem desse período, começavam a ser questionados e deram lugar a uma nova interpretação do real. Não foi à toa que Tarsila pintou “Abaporu” com aquela inversão de formas. Há várias interpretações, sobre as quais prefiro não discorrer aqui. (Seria preciso muito mais que um artigo para isso). Mas convido a todos para deixar suas interpretações nas redes.

Debater a arte brasileira é sempre bom. Fortalece nossa identidade diante dessa globalização voraz.

Até semana que vem, diretamente de Buenos Aires.

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: O artista além do homem

Por DANIEL FINIZOLA

Tudo começou nas noites de quinta-feira, que costumavam ser as melhores na história da boemia recente de Caruaru.

“Olha, tem um menino muito bom cantando no bar Na Feira. Vamos”? Me arrumei e fui ver quem era o menino. Logo na calçada fiquei impressionado com o som. Chegava aos meus ouvidos um violão de nylon harmonizando a energia, o balanço e alegria de uma banda de pífanos. A voz e a interpretação impressionavam. Corri rapidamente pra ver quem estava fazendo aquele som e encontrei a banda de pífanos Zé do Estado, Dinho no violão e Almério soltando a voz.

O tempo, a música e as noitadas, aos poucos, foram nos aproximando e, de forma natural, fui conhecendo mais de perto o talento do menino que veio de Altinho em busca de oportunidades. Na verdade, ele encontrou muito mais que isso. A inquietude inventiva, o compositor, o arranjador e o grande intérprete logo acharam lugar para se expressar no teatro, que não tardou a perceber o compromisso e o nível de doação de Almério quando o assunto é arte. O tempo construiu um artista multifacetado, que busca suas iluminações no cotidiano das ruas caruaruenses – as quais envolvem e inspiram canções como “Invólucro Caruaru” – e na cor do sol de sua terra natal, que banha o rosto de Seu Jofre, personagem de uma de suas composições.

É, pessoal, estamos falando do esperado e já aclamado trabalho de Almério, que acaba de chegar ao mercado. A produção gráfica – linda! –, assinada por João Bento, figurino de Gabriel Sá e fotos de Breno César, enriqueceu ainda mais a produção musical, que recebe a outorga de Lucky Luciano, figura queridíssima da cena musical caruaruense. Afora o já conhecido sucesso “Além-Homem”, de autoria do próprio Almério, o CD abre com a música do caruaruense Valdir Santos, que alerta: “O importante é continuar a busca”, a mesma que trouxe Almério a esse momento ímpar de sua carreira.

A compositora e cantora Isabela Morais presenteou Almério com uma de suas mais belas canções: “São João do Carneirinho”, que recebe o reforço vocal da consagrada cantora Ceumar. Lançando mão da tecnologia, ela gravou a voz e enviou diretamente de Amsterdam, ou seja, boas energias e muita musicalidade é o que não faltam nesse trabalho.

Já tenho minha música preferida: “Não há muito o que fazer”. Swing, groove e cadência marcam essas confusões tão humanas que a música descreve. Apesar do título parecer algo conformista, na verdade, a música é um convite à reflexão para melhor entender quais os personagens que povoam nosso ser. Muito bom! Outra música que destaco é “Aparecida”. Feita em parceira com a compositora Dani Torres, descreve várias imagens poéticas e telúricas.

O trabalho de Almério é mais um que afirma a boa fase da música caruaruense. Mostra bem como se produz uma música universal, sem perder as raízes que constroem o imaginário do homem e do artista.

Muito sucesso para aquele que já é um dos maiores artistas que essa cidade conheceu!

Até semana que vem!

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: Geração Bar do Rock (Parte III)

Por DANIEL FINIZOLA

Chegou a hora do terceiro e último artigo da série “Geração Bar do Rock”. Vejamos quais os saldos que essa geração deixou para a cultura caruaruense.

1998, sem dúvida, foi o auge do local que foi chamado de Avenida Bar, Estação Mangue Barro, mas que entrou para o imaginário de uma geração com o nome de Bar do Rock. Após o fechamento do bar, os grupos musicais, frequentadores assíduos, estavam sedentos e cheios de criatividade. A disposição e inspiração musical agora ia muito além das noitadas no bar.

Duas bandas saíram de lá certas que era a hora e o momento de fazer com que outras pessoas da cidade conhecessem seu som. Sobreviventes do IDR e Sangue de Barro começaram a “invadir” outros espaços na cidade, como a extinta boate Nocturnos e o Arsenal, espaço que ficava dentro do que hoje chamamos de North Shopping. Aos poucos, aquelas bandas iam construindo um público fiel que sempre frequentava os shows. Lembro-me de ver várias vezes a galera do skate erguendo os shapes nos shows.

As bandas se organizavam e viam a necessidade de pensar de forma mais profissional o fazer musical. A ficha caíra e a garagem onde muitos começaram já era uma lembrança distante. Gradativamente, os covers nos repertórios eram substituídos por músicas próprias e os meninos do bar agora queriam gravar CD e correr o Brasil fazendo o seu som.

Toda a energia e história dos integrantes do Sangue de Barro resultara no seu primeiro trabalho lançado no Clube Intermunicipal, no dia 23 outubro de 2004. Noite mágica. Teve banda de pífano e muito rock and roll. Tenho essa festa na memória como um divisor de águas para aquela galera que tinha saído do Bar do Rock. Nessa mesma noite, Ivan Márcio anunciava, no meio do show, a chegada do disco “O Manifesto”, da banda Sobreviventes do IDR. Com letras cheias de reflexões sociais e crítica no nome, a Sobreviventes lançou seu CD no mesmo ano, em um teatro que existia no galpão onde hoje é realizado o Palco Alternativo no São João. Foi uma noite cheia de guitarra distorcida, alegria, realização e muito, muito calor! Ano que vem, esses dois CDs estarão fazendo dez anos. Um show comemorativo das duas bandas juntas seria uma boa!

Alguns hits saíram desses trabalhos, como “Cordel Virtual”. Quem não lembra dos pulos que a galera dava – e dá – quando o vocalista da Sangue de Barro, Ivan Márcio, grita: “Eu vou levar pra vender na feira”? Enquanto isso, a Sobreviventes lançava mão do funk e do rock pra cantar “Então me engole…” Hoje, essa música ganhou uma nova versão e vem sendo tocada pela banda caruaruense Tio Xico.

Com o CD na mão, um show pronto e uma vontade de mostrar ao mundo o que Caruaru estava fazendo, essa galera partiu para Sampa. Participou de festivais e fez vários shows no interior e na capital. Trouxe na bagagem a certeza que o Brasil precisa conhecer mais a arte que Caruaru produz. Pena que ainda sofremos com a falta de uma politica cultural que alavanque a economia criativa da cidade. Quem exporta cultura marca seu lugar no mundo e gera dividendos.

Hoje, a Sobreviventes do IDR não está mais na ativa. Sangue de Barro passou por mudanças de integrantes e continua fazendo show, compondo, gravando EP e produzindo clipe. Essa geração ainda tem muito pra mostrar e fazer.

Sigamos em frente compondo o futuro.

Semana que vem tem Almério no “Mosaico Cultural”.

Em tempo: Devido a problemas técnicos no blog, a coluna só pôde ser publicada hoje. Na próxima semana, voltaremos ao normal.

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OPINIÃO: Geração Bar do Rock (Parte II)

Por DANIEL FINIZOLA

Meus primeiros acordes soaram ainda na escola. No meio de um intervalo, um colega chamado Victor me convidou para ver o ensaio de uma banda de rock na garagem de um outro colega, na Cohab I. Coincidentemente, eu também morava na Cohab. No segundo ensaio já cheguei sem convite e no terceiro, com a guitarra debaixo do braço.

Não demorou para que muitos que tiveram sua gestação musical naquela garagem conhecessem o Bar do Rock. Tocar no chão do bar, já que não existia palco, era algo que dava frio na barriga. Recordo de festas que eram organizadas pela galera do bar. A banda que tocávamos já tinha experimentado vários nomes e Nato nos cobrava um nome para colocar no cartaz e assim poder participar do evento. Até que Victor Hugo, aquele mesmo que me chamou para o ensaio na garagem, gritou: “Sobreviventes do I.D.R”. Surgia, assim, outra banda emblemática da geração Bar do Rock. Além do Sangue de Barro e Sobreviventes do I.D.R, também tocavam por lá o Cangaceiros do Rock, Sombra dos Anjos e Juninho Santana – que sempre deixava a guitarra por lá pra mandar aqueles clássicos do Barão Vermelho: “Mais uma dose…” – Era Massa!

Os garçons não cativavam pela qualidade do atendimento, mas pela fato de serem espontâneos, roqueiros e amigos de todos que frequentavam o bar. Com o tempo, o público foi adquirindo métodos para enfrentar aquele atendimento que sempre deixava a desejar. A tática clássica era: todos da mesa gritarem em um só coro o nome de garçom. Quando o bar estava cheio, no auge da madrugada, constantemente se escutava um coro que dizia: “CASSACO”. Esse era o apelido de um dos garçons, que ao ouvir o grito organizado, corria pra atender a mesa. Até hoje encontro Cassaco e não sei seu nome ao certo, mas sei que é um dos amigos que fez parte de um dos melhores momentos da minha vida. Além de Cassaco, fez parte da administração do bar: Peixamim, Bartô, Tiazinha, Nadnelson, Jr. Pintor, Rivelino. Esse são os que recordei com a ajuda do amigo Ivan Márcio, pessoa fundamental no desenrolar dessa geração.

O ensaio de algumas bandas passaram a acontecer no Bar do Rock. Sangue de Barro, por exemplo, era à noite e Sobreviventes à tarde. Curioso é que ensaiávamos em um quarto e as caixas de som ficavam em um corredor ao lado do quarto. Rolava todo tipo de criatividade e improviso nesse lugar, desde os nomes das festas ao baixo azul de três cordas de André Vela Branca, cuja quarta corda geralmente não fazia falta e servia a grande maioria das bandas que chegavam por lá pra tocar.

Atrás do Bar do Rock, havia uma grande área com estrutura para conserto e lavagem de carros. Algumas festas aconteciam nesse local e a galera fazia da plataforma onde se consertava carro o palco. Em um Halloween, colocaram em cima dessa plataforma uma gaiola enorme de ferro. É!!! Tocamos engaiolados e fantasiados. Era um visual e um comportamento “louco” e, até certo ponto, inocente. Só que queríamos mais…

Não perca, semana que vem, a terceira e última parte deste artigo.

Em tempo: o local onde funcionou o Bar do Rock é hoje uma loja de conserto de radiadores, não um posto de gasolina, como falei na primeira parte do artigo.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Geração Bar do Rock (Parte I)

Por DANIEL FINIZOLA

Em todo o mundo, gerações marcam o tempo através do comportamento, produção musical, teatral e cultural de modo geral. Foi assim com o Club da Esquina em Minas, com a geração de 68 na França, com hippies nos EUA, com a Bossa Nova de Jobim e companhia, só pra citar alguns exemplos. Em Recife, os anos 90 foram férteis no que diz respeito à produção cultural. A geração Manguebeat explodiu como um dos maiores movimentos musicais do Brasil. O som de cheiro tropical com elementos universais conquistou o interesse de uma grande gravadora e, pouco tempo depois, lá estava na novela para todo o Brasil ouvir o som que Pernambuco produzia.

Hoje, quem está na casa dos 30 viveu toda essa efervescência em Pernambuco. Em Caruaru, certamente, muita gente que soma esse tempo de vida já deve ter frequentado ou ouvido falar em um lugar chamado Estação Mangue Barro, não? Então vamos lá! Caso você pegasse uma mototáxi e pedisse ao cara para levá-lo à Estação Mangue Barro, é provável que ele não soubesse. Mas, se você dissesse “me leve no Bar do Rock”, o cara ia dizer logo: “Ah! É aquele lá perto da Fiat, né?” Essa era a forma que as pessoas conheciam o bar que ficava na av. José Rodrigues de Jesus, onde hoje funciona um posto de gasolina. O nome oficial do bar (Estação Mangue Barro), apesar de poucos conhecerem por esse nome, mostrava como Caruaru seguia os ecos do movimento manguebeat e da fase que o rock nacional passava naquele momento. Bandas como Charlie Brown Jr., Raimundos, Planet Hemp traziam um pouco da rebeldia, sarcasmos e cheiro de garagem no som, deixando as expressões musicais mais viscerais.

Foi nesse bar que várias bandas que fizeram e fazem sucesso na cidade surgiram. Lembro que num dia 18 de maio de 1998, Ivan Márcio, vocalista do Sangue de Barro, anunciava no meio de um show o nome da banda. Eu estava lá vibrando e vendo surgir uma das bandas mais emblemáticas da música caruaruense. Muitos que naquele momento faziam parte do Sangue de Barro já eram referências do rock caruaruense. Nato Vila Nova, proprietário do bar, foi fundador da Psych Acid, uma das primeiras bandas de trash da cidade. Ivan Márcio e Mago Gildo já tinham participado de projetos musicais como The Thorn e Tributo à Legião. Sem contar os que sempre chegavam por lá pra dar uma canja: Almir Vila Nova, Rivaldo, Rildo e tantos outros que não me lembro agora. Essa galera, sem dúvida, era referência para a nova geração de roqueiros que surgia na cidade.

Eu era um jovem de 18 anos, cheio de ideias na cabeça com uma guitarra nas mãos, inserido em um movimento que aos poucos adquiria corpo, identidade e saía do underground.

Quer saber mais sobre essa história? Semana que vem tem mais!

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Olhos de Bon Vivant

Por DANIEL FINIZOLA

Hoje é dia de falar dos olhos que arrebataram meu coração! Nunca vou esquecer aquele jeitinho tímido, pitada de inocência e humor particular. Começou assim: era meio-dia, sol na moleira, caminhada longa do trabalho para casa. De repente, o celular toca e um convite surge para fazer uma sequência de shows com Isabela Moraes. Pronto! Fiquei logo nervoso e perguntei: quem mesmo?

Contatos foram feitos e marcamos de nos encontrar. Sentamos e muito rapidamente decidimos o roteiro do show. Ela mostrava algumas músicas, decidíamos o tom e no intervalo entre uma coisa e outra me apaixonava por aqueles olhos que falavam a cada nota que colocávamos no violão.

Chegou o dia do primeiro show e lá estávamos nós dois nos conhecendo como artistas. Aos poucos, íamos descobrindo que na nossa relação não cabiam conquistas egoístas, apenas amor, carinho, poesia e sinergia.

Ao terminar o primeiro show, corremos lá pra casa, abrimos uma garrafa de vinho, acendi um incenso, peguei o violão e rapidamente a sinergia virou música nos olhos que precisavam se encontrar. Esse era o resultado ao final de cada show. Belinha acabou virando parceira, amiga, confidente.

Em abril deste ano, ela fez um show convidando vários artistas para dividir o palco no Teatro João Lyra Filho. Carinhosamente, pediu para que eu cantasse uma música que compus com um parceiro no seu show. Lógico que aceitei o convite e fiquei lisonjeado. Foi uma noite de grandes ideias e encontros, coisa que Belinha sabe fazer muito bem. Sempre que encontramos os amigos por intermédio dela, o dia, a noite e a madrugada têm mais luz. Já falei anteriormente aqui que foi nessa noite que surgiu o projeto Anfitrião, aquele que comentei na primeira coluna do “Mosaico Cultural”.

Dias depois desse show, Belinha partiu para Sampa, montou o projeto Bon Vivant com o cantor Paulo Neto e o produtor instrumentista Joan Barros, que também assina a direção do show. Resultado: sucesso, muito sucesso. É um show intimista com canções próprias, bonito, cheio de cor e poesia. Pra quem não conhece o cantor Paulo Neto, vou logo avisando, ele é da terrinha. Pernambucano de Condado, recentemente lançou o seu primeiro trabalho intitulado “Dois Animais da Selva Suja da Rua”.

O projeto já esteve na casa da Musicoteca, na Sala Infinita, Julinho Club, todos espaços que valorizam a criatividade dos novos artistas brasileiros. Depois de quase um ano de projeto, Caruaru finalmente terá a oportunidade de ver o Bon Vivant. Não Perca!!!!

Quando: 15 de dezembro / 17h
Onde: Casa Mágica / Rua Santa Maria da Boa Vista, 215 – Boa Vista I
Preço único: R$ 30
Contato: (81) 9749-7162

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OPINIÃO: Uma lei chamada Rouanet

Por DANIEL FINIZOLA

A Lei Rouanet surgiu em 1991, no governo Collor, com o objetivo de fomentar a produção cultural no Brasil. Na prática, virou um engodo cultural que beneficia a poucos e exclui da produção cultural os que não detêm uma grande estrutura para fazer a captação de recurso.

Seguindo a lógica da Lei Rouanet, é muito pouco provável que uma comunidade quilombola tenha seu projeto cultural aprovado, ou pior, é menos provável ainda que essa mesma comunidade consiga romper com todas as barreiras burocráticas impostas pela lei. Segundo o Ministério da Cultura,  apenas 14% dos recursos oriundos de renúncia fiscal são destinados para atividades como circo, pesquisa fotográfica, capacitação, cultura popular, cultura afro-brasileira, acervo e artesanato. Enquanto isso, consagrados artistas – que conseguem patrocínio facilmente – abocanham milhões via Lei Rouanet!

É bom deixar bem claro que ter seu projeto aprovado pela Lei Rouanet não significa ter a grana para a realização. Tudo vai depender do departamento de marketing da empresa financiadora, pois é este departamento que decide onde será aplicado o dinheiro público. A renúncia fiscal não agrega receita ao Estado e privatiza o recurso que poderia ser utilizado de forma mais democrática, ou seja, tudo funciona dentro de uma lógica neoliberal. Hoje, a Lei Rouanet é mais uma ferramenta de marketing privado, privilegiando uma linha mercadológica, e não funciona como uma ferramenta pública de promoção e inclusão cultural.

Ora, toda grande empresa tem um dinheiro destinado ao marketing. Se ela não investe esse dinheiro no marketing, já que é mais interessante a lógica de mecenato da Lei Rouanet (leia-se renúncia fiscal), para onde vai esse dinheiro? Quem ganha e quem perde com essa lei? Quem são as pessoas que passam a ter acesso à cultura por meio dessa lei? Só pra esclarecer, o Cirque du Soleil recebeu incentivos fiscais da lei e cobra ingressos que ultrapassam R$ 400. Quem pode pagar por esse ingresso?

E as distorções continuam! Ainda segundo o Ministério da Cultura, cerca de 70% do dinheiro proveniente da Lei Rouanet fica nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, sem contar que apenas 5% dos projetos aprovados são realizados. Hoje as empresas cada vez mais trocam a modalidade patrocínio por mecenato.

Na maioria dos casos os editais têm uma linguagem excludente que impossibilita o benefício da lei para grande maioria dos produtores de arte. Na prática, a lei gera mais desigualdade do que política pública de cultura.

Agora vejamos o resultado de anos de Lei Rouanet: apenas 14% dos brasileiros vão ao cinema uma vez por mês, 92% nunca frequentaram um museu, 93% nunca foram a uma exposição de arte, 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança, 92% dos municípios não têm cinema. Grave, não?

Visando diminuir essas desigualdades culturais, o governo federal aposta no programa Mais Cultura, que debateremos em outro momento.

Até semana que vem, com o projeto Bon Vivant!

daniel finizola

 

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br.