Por Maurício Rands
O aumento das alíquotas de IOF anunciado pelo governo mirava algo em torno de R$ 19 bilhões para este ano. Ao propor as medidas, o ministro Haddad foi bombardeado pela oposição, mas também por gente do governo. Afinal ninguém gosta de aumento de tributos e todos gostam de gastos públicos nas suas áreas de interesses. Cortar despesas? Só a dos outros.
Imaginemos que o Brasil conseguisse as condições para reduzir os juros e iniciar um ciclo de crescimento mais rápido e sustentável. Em tese, ganharíamos todos, não? Mas a queda dos juros precisa do equlíbrio fiscal. Essa constatação pode ser feita por conservadores adeptos da ortodoxia monetarista. Mas a ela também podem chegar progressistas mais preocupados com a redução da pobreza e da desigualdade. O velho dogma de que a esquerda seria gastadeira e a direita contida não resiste aos fatos. Tome-se o caso dos EUA. Governos republicanos reduzem impostos para os ricos e geram grandes deficits públicos. Que geralmente são corrigidos pelos governos democratas que os sucedem. Ou o caso do Governo Lula 1, cuja contenção inicial possibilitou o crescimento posterior. Se o governo Dilma foi gastador, também o foi o de Bolsonaro.
A questão parece ter mais a ver com a natureza dos cortes. E também com o saber quem paga os tributos e seus aumentos. Estima-se em R$ 490 bi o total de “gastos tributários” atuais – as renúncias concedidas a alguns setores através de isenções, redução de alíquotas, créditos presumidos e subsídios. O Legislativo capturou o orçamento. Pulverizou despesas de R$ 50 bi anuais com as emendas parlamentares. Captura que escalou quando o então presidente Bolsonaro terceirizou a gestão ao Centrão e entregou a Casa Civil ao notório Ciro Nogueira (PP-PI). O salto dos gastos com as emendas parlamentares foi gigante. Elas se tornaram de execução obrigatória e foram de R$ 13,5 bilhões em 2019 para R$ 35,9 bi em 2020. E para R$ 50,4 bi em 2025. O autor dessa façanha foi ninguém menos do que o Centrão, um eufemismo para a velha direita patrimonialista que sempre manejou o estado para manter privilégios das castas burocráticas e das elites econômicas.
Qualquer ajuste envolve um equilíbrio entre redução de despesas e efetividade das receitas. Fala-se em um pacto para redução das despesas públicas. Entre os poderes, o setor privado e a sociedade civil. Todos dariam a sua contribuição. Mas a porca torce o rabo quando se discute quem deve contribuir mais para a redução das despesas. O relator do GT sobre a Reforma Administrativa na Câmara, o deputado Pedro Paulo (PDS-RJ),quer desvincular do salário mínimo as aposentadorias e benefícios de prestação continuada, além de cortar os mínimos constitucionais da saúde e da educação. Avelha fórmula de jogar nas costas dos mais pobres o peso do ajuste. Como se eles, por serem mais numerosos do que os ricos e remediados, devessem sempre pagar a conta porque as despesas sociais são muito elevadas.
Em 2023, o governo Lula sinalizou compromisso com o equilíbrio fiscal ao aprovar o arcabouço fiscal da Lei Complementar nº 200/2023. Antes do recente aumento do IOF, em nov/2024, o presidente Lula e o ministro Haddad já tinham enviado um pacote fiscal ao Congresso, o qual foi desidratadopelos parlamentares. Os mesmos que agora rejeitam a solução do IOF. E que agora falam em reduzir as despesas sociais, mas que adiam o fim do Perse, um programa de R$ 20 bi criado pela Lei nº 14.148/2021 para compensar os impactos da pandemia daCovid-19 nos setores de eventos e turismo. Antes de reduzir despesas sociais, o país precisa que o Legislativo faça a sua parte. Assim como o Judiciário, cujo orçamento de cerca de R$ 130 bi representa 1,2% do PIB. Um percentual mais elevado do que a média internacional para países desenvolvidos e emergentes (cerca de 0,3% a 0,5% do PIB).
Precisamos, sim, de um ajuste fiscal para que o país se desenvolva. Pelo lado da receita não temos muita margem. Já pagamos tributos demais para pouco retorno. Mas, na despesa,quem deve suportar os cortes devem ser os privilegiados. Não os culpados de sempre. O ministro Haddad e o governo federal não podem ser os únicos responsáveis pelo equiíbrio fiscal. Os demais poderes têm que fazer a sua parte. Assim como os privilegiados que têm sido poupados pela velha direita patrimonialista.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford