A maneira como o Congresso Nacional, sobretudo o Senado, lidou com a eleição à presidência da Casa reforça o estigma de Parlamento alinhado a pautas da extrema direita e aponta para uma dúvida que, ainda que silenciosamente, permanece no ar: qual nome vai representar grupos reacionários e negacionistas entre os 594 congressistas? Para além de sua derrota nas urnas, a ausência de Jair Bolsonaro (PL) — habituado a visitas no chamado cercadinho, espaço que outrora utilizou, e redes sociais — mostra que o ex-presidente está fora das declarações vindas de nomes que costumavam dar vazão a suas falas contra o progressismo, a separação dos Poderes e o Judiciário.
Insurgem nesse lapso de liderança da extrema direita, entre senadores, Rogério Marinho (PL-RN), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Sergio Moro (União Brasil-PR), Damares Alves (Republicanos-DF), Ciro Nogueira (PP-AL) e Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Marinho, que concorreu à presidência da Casa, não citou o nome de Bolsonaro na fala de candidatura no plenário do Senado. Mourão, entre o fim do ano passado e o início deste, posicionou-se contra ações do governo de transição e do já instalado governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), alvo, não de hoje, de Moro, que dedica suas redes sociais a críticas ao petista.
Entre os temas que tendem a gerar discussões acaloradas na Casa e projeção de senadores simpáticos à “direita tóxica” estão pautas como impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), defesa do Marco Temporal — assunto sem encaminhamento do Congresso Nacional e que vulnerabiliza o direito dos indígenas — e ressalvas a políticas públicas assistenciais, que devem estar no cerne do governo Lula. Damares, considerada fiel a Bolsonaro, se cacifa para essa liderança entre os colegas, mas está fora dos holofotes, sobretudo após as denúncias que vieram à tona contra sua gestão ministerial por suspeita de negligência no caso do povo ianomâmi.
Nogueira intensificou seu descolamento do ex-presidente antes mesmo de que o mandato do ex-chefe chegasse ao fim, mas está vinculado a um partido rachado na oposição a Lula: os diretórios do Nordeste tendem a ser apoio ao presidente, no Congresso. O filho 02 de Bolsonaro, Flávio, em passos tímidos, se apresenta, eventualmente, nas redes sociais com discurso semelhante ao do pai. Apesar de já estarem decididas as lideranças no Senado, não há ainda uma homogeneidade em torno de quem será o representante máximo da ala que defende o reacionarismo.
O homeschooling, método de educação caseira feita por pais ou responsáveis que já foi aprovado, no formato de projeto de lei, na Câmara dos Deputados e uma das principais defesas do governo Bolsonaro, é defendido por Damares. A parlamentar afirma que parte do bloco que se uniu para engajar a campanha de Marinho — PT, PP e Republicanos, que juntos somam 23 senadores — vai continuar unificada nesta legislatura. “Estamos unidos e estabelecendo nossa forma de ação trabalhar. O Republicanos vai ser uma oposição inteligente”, respondeu sobre temáticas como reforma tributária e âncora fiscal.
Questionada sobre o posicionamento ideológico de seu partido, a senadora afirmou que a sigla “é e sempre foi centro-direita”. Acerca da redução de referências ao ex-presidente, Damares garantiu: “Nosso líder é Jair Bolsonaro”. E destacou que o fato dele estar no centro de investigações “não intimida” o apoio de seus pares.
Líder da minoria
Carlos Portinho (PL-RJ), líder do governo no Senado na legislatura anterior, após um lapso de cerca de seis meses, se cacifa para liderança do partido. Parlamentar do baixo clero da Casa e com argumentos na mesma linha do colega Flávio, Portinho, que tenta se viabilizar agora como líder da minoria, pormenorizou a ausência de referências a Bolsonaro nos últimos dias e negou que o ex-chefe do Executivo esteja indo para o ostracismo em meio a parlamentares da Casa. “Estamos em conversas para escolher as novas lideranças, mas não há nada decidido […] Vocês da imprensa têm uma tara em Bolsonaro. O Lula sempre vai ser o líder da esquerda, e Bolsonaro, o da direita”, defendeu.
Oposição responsável
A composição que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), conseguiram costurar entre deputados federais minou potenciais lideranças da extrema-direita na Casa. Assim como no Senado, partidos do Centrão e conversadores, como o PSDB, têm falado em oposição responsável. “Não seremos oposição por oposição”, disse Valdemar Costa Neto, presidente do PL, legenda com a maior bancada da Câmara, ao Correio.
Investigados por suposta influência nos atos criminosos do 8 de janeiro, Sílvia Waiãpi (PL-AP), Clarrissa Tércio (PP-PE), Abílio Brunini (PL-MT) e André Fernandes (PL-CE) despontaram, sobretudo após as ações bolsonaristas que destruíram prédios do Congresso, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF), como possíveis lideranças do tipo na Casa.
O grupo, contudo, terá dificuldades de emplacar o modus operandis conhecido pelo movimento que disseminou pautas contrárias à democracia: Lira subiu o tom em seu discurso como reconduzido à presidência, sinalizando intolerância às práticas parlamentares que dominaram a Câmara nos últimos quatro anos. Conhecido pelo estilo republicano desde que assumiu o controle do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) vai trabalhar para seguir bloqueando as pautas de desejo de extremistas.
Correio Braziliense