O desemprego e a falta de motivação entre os jovens é um problema estrutural, por isso os desafios geracionais em relação ao mercado de trabalho são difíceis de serem transpassados. O Brasil é o segundo país na esfera da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com a maior proporção de jovens, de idade entre 18 e 24 anos, que não conseguem nem emprego e nem continuar os estudos — os chamados “nem-nem” —, ficando atrás apenas da África do Sul. Nessa faixa etária, 36% da população de jovens brasileiros está sem ocupação.
O cenário de falta de oportunidades está detalhado no relatório Education at a Glance (Olhar sobre a educação, em tradução livre), divulgado no último mês. O indicador considera pessoas em faixa etária de transição do estudo para o trabalho e conclui que não ter uma atividade profissional pode causar “consequências duradouras, especialmente quando a pessoa passa por períodos longos de desemprego ou inatividade”, diz o estudo.
O recorte social é um dos fatores mais importantes, segundo a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Enid Rocha. “Em geral as pessoas costumam pensar nessa categoria como se fosse homogênea, mas não é. Cerca de 60% está entre os mais vulneráveis”, destaca. A pesquisadora afirma que os números vêm melhorando com o aquecimento do mercado de trabalho, mas a maior parte da geração “nem-nem” ainda pode ser distinguida por classe e gênero.
De acordo com ela são, em média, 11 milhões de jovens que se encaixam nessa descrição. A maioria são mulheres e estão entre os mais pobres, com renda de até R$ 400 por família. “Entre aqueles que estão sem estudar e sem trabalhar temos os que ainda procuram, mas a maioria já está de fora por estarem desengajados e desmotivados. A maior parte desses jovens têm baixa escolaridade, são pobres, negros e são mulheres, responsáveis por tarefas domésticas e com filhos. Esses devem ser a maior preocupação”, ressalta.
Planos e sonhos
Ana Clara Ribeiro Vieira, 23 anos, ainda sonha em conquistar um diploma de graduação. A jovem engravidou e se casou logo que terminou o ensino médio. Hoje, com dois filhos, um de cinco e outro de dois anos, é dona de casa, mas ainda sonha em fazer um curso superior e trabalhar fora. “Os filhos acabaram vindo primeiro, mas eu ainda quero fazer uma faculdade. Por enquanto ainda está difícil, porque os meninos dependem de mim. Meu sonho era fazer odontologia. Sei que não é fácil, que é um curso caro, mas mesmo que eu não consiga, pretendo ter alguma formação”, diz.
A pandemia acabou impondo mais obstáculos aos que tiveram prejuízos educacionais — jovens que iriam se formar ou começar no mercado de trabalho durante este período. A crise sanitária aumentou a evasão escolar, além de ter pressionado os índices de desemprego. Um exemplo desses milhares de jovens que aguardam uma oportunidade de retornar ao mercado de trabalho é Úrsula Barbosa, 24 anos.
Úrsula terminou a graduação em jornalismo na Universidade de Brasília (UnB) no primeiro semestre de 2021, ainda na modalidade de ensino a distância, e até o momento não conseguiu seu primeiro emprego na área. Na última quinta-feira, participou da cerimônia de colação de grau presencial para os alunos formados durante o isolamento social. A data foi emblemática, segundo ela.
“Penso que a realidade das telas para o trabalho home office não foi construtiva para as pessoas que completaram a graduação recentemente, porque existe uma dificuldade de interação e consequentemente de se fazer presente no mercado de trabalho”, relata Úrsula. Recém-formada, a jovem acredita que a situação econômica em razão da crise sanitária foi um fator que influenciou a oferta de desemprego. “Tem sido muito difícil conseguir um emprego registrado, mesmo com nível superior, experiência e língua estrangeira”, conta.
MERCADO DE TRABALHO
Brasil é o segundo país com maior proporção de jovens “nem-nem”
População entre 18 e 24 anos que não estuda, nem trabalha corresponde a 36% da faixa etária no Brasil. Problema é considerado estrutural
O desemprego e a falta de motivação entre os jovens é um problema estrutural, por isso os desafios geracionais em relação ao mercado de trabalho são difíceis de serem transpassados. O Brasil é o segundo país na esfera da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com a maior proporção de jovens, de idade entre 18 e 24 anos, que não conseguem nem emprego e nem continuar os estudos — os chamados “nem-nem” —, ficando atrás apenas da África do Sul. Nessa faixa etária, 36% da população de jovens brasileiros está sem ocupação.
O cenário de falta de oportunidades está detalhado no relatório Education at a Glance (Olhar sobre a educação, em tradução livre), divulgado no último mês. O indicador considera pessoas em faixa etária de transição do estudo para o trabalho e conclui que não ter uma atividade profissional pode causar “consequências duradouras, especialmente quando a pessoa passa por períodos longos de desemprego ou inatividade”, diz o estudo.
O recorte social é um dos fatores mais importantes, segundo a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Enid Rocha. “Em geral as pessoas costumam pensar nessa categoria como se fosse homogênea, mas não é. Cerca de 60% está entre os mais vulneráveis”, destaca. A pesquisadora afirma que os números vêm melhorando com o aquecimento do mercado de trabalho, mas a maior parte da geração “nem-nem” ainda pode ser distinguida por classe e gênero.
De acordo com ela são, em média, 11 milhões de jovens que se encaixam nessa descrição. A maioria são mulheres e estão entre os mais pobres, com renda de até R$ 400 por família. “Entre aqueles que estão sem estudar e sem trabalhar temos os que ainda procuram, mas a maioria já está de fora por estarem desengajados e desmotivados. A maior parte desses jovens têm baixa escolaridade, são pobres, negros e são mulheres, responsáveis por tarefas domésticas e com filhos. Esses devem ser a maior preocupação”, ressalta.
Cenário econômico
Conforme o estudo da OCDE, a proporção de jovens “nem-nem” brasileiros é mais que o dobro da média dos países-membros da organização, da qual o Brasil almeja fazer parte. O documento avaliou a situação de ensino superior e de emprego dos 38 países-membros. Também foram analisados os dados da Argentina, China, Índia, Indonésia, Arábia Saudita e África do Sul. Das 45 nações avaliadas, o Brasil também é o segundo com o maior percentual de jovens por mais tempo na condição “nem-nem”. Dos que estão sem emprego e sem trabalhar no país, 5,1% se encontram nesse contexto há mais de um ano.
Robson Gonçalves, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que a situação econômica brasileira acirra a disputa por vagas de emprego. “O Brasil se encontra hoje num contexto de armadilha de baixo crescimento. Em outras palavras, nós não temos nem a infraestrutura necessária nem o equilíbrio das contas públicas para que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça e aumente a demanda no mercado de trabalho”, frisa.
De acordo com o economista, existe uma tendência de prolongar a presença das pessoas ao longo da vida no mercado de trabalho. “A geração com mais de 50 anos não tem pensado tão insistentemente na aposentadoria. Portanto, a disputa por vagas no mercado de trabalho está muito mais acirrada.” Para ele, a educação não garante as vagas de emprego, mas ajuda a tornar a disputa por vagas menos apertada para aqueles com qualificação.
Políticas públicas
Segundo a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Enid Rocha, um lapso temporal no currículo, correspondente ao tempo fora do mercado, pode gerar consequências difíceis de recuperar. “Tivemos uma crise perversa da pandemia que se juntou a um problema estrutural do mercado de trabalho para os jovens”, diz. Este período, de acordo com Rocha, resulta em uma marca permanente na trajetória de vida laboral.
“Esses jovens da geração da pandemia, que ficaram um tempo sem acumular capital humano, quando voltam vão competir com outra geração posterior que não tem essa marca. Dificilmente se recupera a trajetória de um jovem que ficou sem experiência de trabalho. Se nada for feito eles sempre terão salários menores e uma inserção mais precária ao mercado de trabalho”, avalia.
A pesquisadora observa que um dos maiores desafios, antes mesmo da elaboração de políticas públicas, é conseguir mapear estes jovens. “A maior estratégia do próximo governo para resgatar esse jovem é fazer uma busca ativa, porque não temos um cadastro”, afirma. Para enfrentar o problema, segundo ela, é preciso pensar em estratégias sociais que aliem educação e preparação para o mercado, levando em consideração a desigualdade e a vulnerabilidade desse grupo.
“Quando se pensa em políticas públicas, precisamos atuar em várias frentes, assim como os países da Europa. Não basta só capacitação para o mundo do trabalho, é preciso uma estratégia de segunda chance principalmente para mulheres, inclusive para que tenham onde deixar seus filhos para estudar ou trabalhar. O jovem desalentado passa a acreditar que não existe trabalho correspondente a ele. É muito importante olhar esse perfil, saber que dentro tem aqueles que são mais vulneráveis e a maioria que já está desengajada”, destaca Rocha.
Parcerias
Cada vez mais tem crescido o interesse das empresas em capacitar seus próprios funcionários. Esse tipo de iniciativa, também conhecida em algumas companhias como Train the Trainer, gera engajamento, reconhecimento e desenvolvimento, segundo os especialistas. As parcerias educacionais são apontadas como uma tendência das grandes corporações.
A Tim, por exemplo, oferece desde 2012 o programa chamado “Multiplicando Ideias”. Os colaboradores atuam como multiplicadores, abordando assuntos como inovação, carreira, Internet das Coisas, jornada do cliente, tributação, entre outros. O banco Santander possui uma área estruturada com o mesmo objetivo, funcionando como uma universidade corporativa — a Academia Santander. Ainda no mundo financeiro, uma das iniciativas mais recentes é a da XP Inc, que anunciou no último mês a XP Educação, faculdade da XP, com cursos gratuitos de MBA — Master of Business Administration, uma modalidade de pós-graduação — em assessoria de investimentos.
Elizabete Belvão, executiva de Recursos Humanos do Grupo Crowe Macro, explica que a problemática da falta de oportunidades educacionais agrava a situação do desemprego. “Com os estudos defasados, os jovens acabam por não ter a devida qualificação para o mercado de trabalho. Para que os jovens tenham empregos de qualidade é necessário que eles tenham consciência de suas capacidades, e sempre quererem expandi-las”, analisa.
Segundo a executiva, a parceria de empresas privadas no sentido de criar políticas de preparação é essencial para vencer o desafio tanto dos jovens fora do mercado de trabalho, quanto das empresas que, por vezes, têm dificuldade em encontrar profissionais qualificados e que correspondam às vagas. “Ensinando na prática como desenvolver suas atividades dentro das empresas, ao final do curso, esses jovens seriam encaminhados para uma vaga de emprego adequada ao seu perfil. Contudo, as empresas também precisam ajudar essa geração. Os dois lados saem ganhando”, conclui.