Quatro em cada 10 brasileiros adultos (39,71%) estavam negativados em setembro de 2022, o equivalente a 64,25 milhões de pessoas. Segundo os dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), este é o novo recorde da série histórica do levantamento, realizado há oito anos. No último mês, o volume de consumidores com contas atrasadas cresceu 11,17% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Na passagem de agosto para setembro, o número de devedores com contas em atraso cresceu 0,93%. Segundo o presidente da CNDL, José César da Costa, apesar da melhora em alguns indicadores econômicos, muitos brasileiros ainda estão com dificuldade de fechar as contas no fim do mês, e parte do problema pode ser explicado pela renda da população, que continua baixa. “O desemprego diminuiu, mas a renda não é suficiente para reverter completamente as perdas dos últimos trimestres. Apesar da inflação caindo, o preço dos alimentos continua subindo e ocupando boa parte do orçamento das famílias, especialmente aquelas com renda mais baixa”, explicou.
Em relação ao aumento do endividamento geral (indicador que inclui inadimplentes e pessoas com pagamentos em dia), em setembro de 2022 houve crescimento de 21,95% em relação ao mesmo período de 2021. O dado ficou acima da variação anual observada no mês anterior. Na passagem de agosto para setembro, o número de dívidas apresentou alta de 2,05%.
Maira Carvalho, de 20 anos, reside em Valparaíso de Goiás e começou a temer as dívidas quando passou a morar sozinha. Maira é coordenadora de um espaço de brinquedoteca no shopping Píer 21, mas disse que sua renda não tem sido suficiente para quitar as cobranças domésticas. “Minha prioridade é pagar meu Seguro Obra do apartamento, senão fico sem moradia. Custa R$ 500 e já tem duas parcelas atrasadas”, contou.
A jovem estuda enfermagem e pretende se formar o quanto antes para atingir maior estabilidade financeira. Maira Carvalho destacou também que as preocupações com dívidas têm afetado sua vida e sua saúde. “Cartão de crédito, lazer, alimentos. Tudo é dívida. Eu não tive a quem recorrer e, agora, estou dobrando o trabalho para ver se consigo pagar essas despesas. Trabalho o dia todo, de manhã até a noite, e isso tem afetado muito minha vida. Tenho até várias crises de ansiedade e noites sem sono”, lamentou.
Em setembro, cada consumidor negativado devia, em média, R$ 3.688,96 na soma de todas as dívidas. Considerando todas essas dívidas, cada inadimplente devia, em média, para 1,97 empresas credoras. Destaca-se a evolução das dívidas com o setor de bancos, que registrou crescimento de 37,94%, seguido de água e luz (11,86%). Em outra direção, as dívidas com o setor credor de comunicação (-11,57%) e comércio (-0,28%) apresentaram queda no total de dívidas em atraso.
A inadimplência segue bem distribuída entre os sexos: 50,90% de mulheres e 49,10% de homens. O número de devedores com participação mais expressiva está na faixa etária de 30 a 39 anos, o equivalente a 15 milhões de pessoas registradas em cadastros de devedores. O número equivale a 43,86% do total deste grupo etário.
Consumidor reduz procura por crédito
O Indicador de Demanda do Consumidor por Crédito, medido pela Serasa Experian, registrou a quarta queda consecutiva do ano, e a mais expressiva. A procura por operações de crédito teve retração de 12,2% em setembro em relação ao mesmo período do ano passado. Os brasileiros com renda pessoal mensal entre R$ 500 e R$ 1.000 foram os que menos buscaram recursos.
A queda, de acordo com o economista da Serasa Luiz Rabi, se deu principalmente pelos juros muito elevados. “Com a taxa Selic marcando 13,75% ao ano, as linhas de crédito estão sendo ofertadas com custos mais elevados, o que inibe novas contratações e torna os consumidores mais cautelosos com a tomada de recursos financeiros, impactando a maioria das linhas de crédito”, observou.
Doméstica aposentada, Maria das Graças Sousa, 67, moradora de Teresina-PI, lamentou a falta de renda para pagar as despesas. Nos últimos dois anos, ela usou linhas de crédito e até cheque especial para fechar as contas. A piauiense relatou que sofre com diabetes e colesterol alto e, portanto, suas maiores despesas são ligadas à saúde, mas afirmou que nem sempre o salário mínimo garantido pela aposentadoria é suficiente.
“Durante a pandemia, quando as coisas encareceram, sempre recorri ao Sistema Único de Saúde (SUS). Vou aos postos de saúde da família, mas sempre dizem que não tem os remédios de que preciso. E olha que preciso muito. Sou pobre e não dá pra ficar comprando, só que não tem o que fazer. A gente sobrevive do jeito que dá. Compro do meu bolso comprimido para colesterol e para diabetes e acabei me endividando por isso”, disse a aposentada.
De acordo com Merula Borges, especialista em finanças da CNDL, os próximos meses podem trazer alívio para o cenário da inadimplência, com a renda extra no fim de ano. “A injeção de recursos na economia com o 13ª, contratação de mão de obra temporária para o fim de ano e a bandeira verde no preço da energia em dezembro podem ajudar a amenizar a situação. Mas é importante o consumidor priorizar o pagamento das dívidas e não cair nas tentações das compras de final de ano”, disse.
Correio Braziliense