O Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio, também pode ser compreendido dentro da perspectiva dos pacientes oncológicos. A psicóloga Juliana Dutra, do Núcleo de Oncologia do Agreste – NOA, afirma que, quando um paciente oncológico começa o tratamento, passa por diversos tipos de transformações e, igual a outros pacientes, com outros acometimentos, sentem as mesmas dificuldades. No entanto, a ideia fantasiosa, por vezes, do risco eminente da morte na oncologia, faz com que o contexto fique um pouco mais presente, segundo ela.
A psicóloga acrescenta que a morte caminha muito mais perto do imaginário do paciente oncológico. “No momento do diagnóstico, o que a gente sempre escuta é que eles ouvem uma sentença de morte e não que estão com câncer. Eles ‘escutam’ que vão morrer. Então, esse contexto de morte começa a andar muito próximo do paciente, desde esse momento. Para ele, não é a possibilidade de morrer num nível de uma perspectiva mais fantasiosa, mas algo muito mais concreto. Algo que perpassa o dia-a-dia dele”.
No NOA, o tratamento psicoterápico é feito desde o princípio. “No momento em que o paciente chega à clínica, já é direcionado ao serviço de psicologia para fazer uma triagem porque a gente já consegue identificar vários aspectos emocionais envolvidos na história e, a partir disso, a gente vai fazendo os direcionamentos”, explica Juliana Dutra. Para auxiliar no processo, a primeira atitude é levar o paciente a entender que se deve dar voz aos sentimentos, que é algo muito parecido com o trabalho de prevenção ao suicídio.
Juliana diz, que, nesse sentido, é necessário quebrar o tabu. “É muito comum que a sociedade tenha uma postura de guardar, abafar, não expressar os sentimentos. É dito: não fala sobre isso; você já está começando com essa história de novo; você precisa ser positivo! Isso é uma das coisas que a gente não pode fazer. Pacientes com histórico de ideações suicidas; histórico de doenças crônicas – físicas ou psíquicas – precisam ser ouvidos. Quando um paciente recebe um diagnóstico de câncer, a ideia não é mantê-lo positivo, mas que ele venha a falar das suas dores, medos, de todos os conflitos que está sentindo e, a partir daí, vá organizando cada emoção, dando espaço para que ela aconteça, que é algo muito parecido com o acompanhamento do paciente com ideações suicidas. Não se pode dizer: não pensa nisso! É preciso acolher e perguntar: por que você está pensando nisso? Por que você está sentindo isso? Vamos entender o que isso está significando e, aos pouquinhos, vamos fazendo com que o sujeito se sinta importante, ouvido, sinta que suas emoções estão sendo validadas e, a partir daí, conseguimos ajudar”.
Quando o paciente passa todo o processo sem expressar sentimentos de angústia ou medo, a especialista diz que já é possível entender que se vai ter um problema futuro. “Provavelmente, esse paciente vai voltar depois com vários outros acometimentos psíquicos. Quando o paciente está com um quadro de doença grave é importante deixar que ele expresse as dores; chore; se pergunte o porquê. Há todo um processo a ser percorrido. Ele não vai ficar bem se essas questões não forem processadas. Por que esse paciente não pode chorar? Ele precisa chorar, precisa colocar essas emoções para fora porque está triste, com medo, está vivendo um luto. É um luto do trabalho que ele precisou sair, de uma vida que foi rompida em alguma medida, de algumas limitações corporais. O luto não só existe quando acontece uma morte concreta. O luto é a perda de qualquer coisa que seja importante para aquela pessoa. Durante o tratamento, o paciente vai vivenciando muitos lutos e todos eles precisam ser elaborados. E eles só vão ser elaborados se forem falados”, esclarece a profissional.
O trabalho, ainda segundo Juliana Dutra, é exatamente o de trazer a morte para um contexto de naturalidade e fazer com que o paciente entenda que a morte é um processo natural. “A nossa função enquanto psicoterapeuta é construir esse processo com o paciente. Se nós estivéssemos em uma sociedade onde falar sobre a morte fosse uma coisa comum e natural, nós teríamos um número muito menor de suicídios porque a morte ia ser entendida de uma outra maneira”. O entendimento e a vivência da morte é, eminentemente, cultural, como explica a psicóloga. “A morte traz consigo a ideia de que o sujeito fracassa, na hora da morte, e não é assim pois a morte é um processo natural e pode ser vivido de uma maneira muito leve, bonita, como em muitos casos em que conseguimos fazer o trabalho com o paciente, desde o princípio, e ele consegue fazer essa passagem de uma forma muito bela”, relata.
Sobre o processo junto à família do paciente, a profissional diz que família e paciente constituem uma unidade de cuidado. É preciso cuidar dos dois juntos porque quando o paciente adoece, a família também adoece em alguma medida. “Não tem como não olhar para isso porque essa família, que não está sendo cuidada, amanhã será de pacientes psíquicos. Esse é também um trabalho de prevenção. Quando o paciente está em tratamento oncológico, a morte é muito concreta, na ideia dele não existe a fantasia da morte. Então, é muito pouco comum que isso aconteça. É o inverso: o paciente quer lutar pela vida porque a morte está muito perto”.
Aquele que tem a ideação suicida não quer a morte, mas acabar com o sofrimento. A morte é uma consequência. No caso do paciente com doença crônica como o câncer, ele está passando por uma fase da vida e não um fim em si. É preciso reforçar que o adoecimento pelo câncer não está associado a uma sentença de morte, pois a ciência está muito avançada. Porém, há casos em que é preciso trabalhar isso, de acordo com a cultura e o contexto social em que o paciente vive. O profissional de saúde vai se ajustando à realidade de cada um, tentando ajudar da melhor forma possível.