A 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) manteve, pela segunda vez, a condenação por improbidade administrativa do ex-prefeito de Rio Formoso, Hely José de Farias Júnior, e de três servidores municipais integrantes da comissão permanente de licitação municipal, devido a contratações irregulares de shows artísticos das bandas Assisão, Swing do Amor, Magníficos, Moreninhos do Nordeste, Pierre e Banda, Pegada KS, Swing Novo, Jeito Maroto, Praxe Elétrico, Banda Tornado, dentre outras. Além disso, os quatro agentes ainda promoveram gastos sem prévia licitação e sem comprovação efetiva dos serviços prestados. As irregularidades foram cometidas durante o ano de 2012. O último julgamento do processo ocorreu no dia 31 de maio e o acórdão foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico do dia 2 de junho de 2022. Na decisão, o órgão colegiado rejeitou os primeiros e segundos embargos de declaração opostos pelos servidores contra a primeira decisão da Câmara que manteve as penas de ressarcimento solidário do dano causado aos cofres públicos e a proibição de formalizar contrato pelo prazo de 5 anos com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, como pessoa física ou pessoa jurídica em que seja sócio majoritário. O relator dos recursos é o desembargador Jorge Américo Pereira Lira. Também participaram da sessão de julgamento os dois magistrados integrantes da 1ª Câmara, os desembargadores Erik de Sousa Dantas Simões e Fernando Cerqueira Norberto dos Santos. Ainda cabe recurso contra esta decisão colegiada.
Na ação de improbidade administrativa ajuizada na Vara Única da Comarca de Rio Formoso, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) acusou o ex-prefeito e os três servidores de terem ferido o princípio da legalidade inerente a atuação de um agente público, ao descumprirem as regras da Lei de Licitação nº 8.666/93 e o art. 37 da Constituição Federal, e ao não observarem as regras de inexigibilidade de contratações de shows artísticos no valor total de R$ 1.571.000,00, configurando assim infração administrativa. Além disso, os quatro agentes também são acusados de realizar despesas sem a devida observância da regra de licitação, ao fazer gastos diversos, como locação de imóveis e veículos, que ultrapassaram o limite de R$ 8.000,00, descumprindo a regra existente na Lei nº 8.666/93 e sem realização do devido processo licitatório conforme ordenamento da Constituição Federal. Ainda de acordo com o MPPE, no exercício de 2012, o ex-prefeito e os três servidores teriam realizado despesas sem a devida comprovação do serviço prestado, tanto na contratação de conjuntos musicais quanto na prestação de serviços de arbitragem nos campeonatos promovidos pela Secretaria de Esportes. Nos autos, o Ministério juntou prestação de contas da prefeitura do Município de Rio Formoso entregue ao Tribunal de Contas, no processo nº 1330085-4 relativo ao exercício de 2012.
Nos embargos declaratórios, a defesa dos servidores municipais alegou que eles deveriam ser beneficiados pelo teor da Lei nº 14.230/2021, que promoveu alterações na Lei de Improbidade Administrativa nº 8.429/1992. Os argumentos foram refutados no voto do relator e pelo órgão colegiado, tendo como fundamento jurisprudência do Superior do Tribunal de Justiça (STJ). “Cuida-se de Ação Civil de Improbidade Administrativa que apura o fato de os réus terem dispensado indevidamente o procedimento licitatório, com contratação direta e superfaturada de bandas para celebrações de Shows Artísticos no Município de Rio Formoso. Em casos como este, o c. Superior Tribunal de Justiça – STJ possui orientação firme no sentido de que o dano é presumido ( in re ipsa ), capaz de ser inferido na fase de liquidação de sentença, em razão do patente superfaturamento das contratações. (…) A alegação de retroação da nova Lei n. 14.230/2021 foi feita de forma genérica, sem que fosse demonstrado em que isso aproveitaria a defesa dos acusados. Nesta toada, a ilação de omissão deve ser rejeitada, não apenas em razão da ofensa ao princípio da dialeticidade, mas também por ausência de demonstração de utilidade da retroatividade da lei para os recorrentes, uma vez que é descabida a nulidade de atos processuais sem prova de prejuízo (pas de nullité sans grief)”, escreveu o desembargador Jorge Américo no voto. O magistrado citou os precedentes AgInt no REsp 1580393/RJ e AgInt no REsp 1842902/MG, de relatoria dos ministros do STJ, Sérgio Kukina e Og Fernandes, respectivamente.
A defesa dos servidores ainda argumentou que a pena de proibição de contratar com o poder público não se aplicaria aos servidores. Segundo entendimento do STJ, todas as sanções previstas na Lei nº 8.429/1992 são aplicáveis a todos, agentes públicos ou não. “Também não merece prosperar a terceira pecha dos primeiros embargos de declaração, relativa à impossibilidade de aplicação da sanção de proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios/incentivos fiscais por ser “penalidade aplicável apenas aos empresários condenados” por atos de improbidade. É que inexiste qualquer norma legal que imponha tal restrição. A orientação da c. Corte Superior de Justiça – STJ está consolidada em sentido diametralmente oposto ao posicionamento dos réus/embargantes, estabelecendo que as sanções do art. 12 da Lei n. 8.429/1992 são aplicáveis a todos, agentes públicos ou não, que induzirem ou concorrerem para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma, direta ou indireta. Essa é a inteligência do art. 3º da LIA . STJ – AgInt no AREsp 1628895/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 31/08/2020, DJe 03/09/2020”, enfatizou o desembargador Jorge Américo no voto.
A primeira decisão da 1ª Câmara de Direito Público ocorreu no dia 13 de outubro de 2021, quando o órgão deu parcial provimento à apelação dos servidores municipais ao excluir as penas de suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública para os recorrentes, sob o argumento de que tais reprimendas foram muito severas e considerando que os apelantes não praticaram diretamente a contratação irregular. Contudo, a Câmara manteve as penas impostas pela sentença prolatada na Vara Única da Comarca de Rio Formoso no dia 23 de setembro de 2020: o ressarcimento solidário do dano presumido causado ao erário e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 anos.
A sentença foi assinada pelo juiz de Direito Raphael Calixto Brasil. Na decisão de 1ª instância, o magistrado analisou as dispensas de licitações na contratação de artistas. “A não exigência de licitação para a contratação de artistas segue uma construção lógica e direta. A primeira é a inviabilidade de competição, pois, somente quando não for possível competir é que não se exige licitação. Em seguida é preciso que seja contratado diretamente ou através de empresário exclusivo, sendo consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. De acordo com a lista das bandas que se apresentaram ao longo do ano de 2012, percebe-se que entre elas era e é possível a competição através de licitação para a contratação das mesmas e assim realizar seus shows. Outras bandas de nível parecido talvez tivessem interesse em participar do certame, no entanto, pela forma de contratação, foram escolhidas bandas a dedo, o que é bastante grave. (…) Desta forma, a administração do Município, se utilizando do instituto da discricionariedade, autorizou a realização de gastos com festividades muito acima da realidade do Ente, de forma desarrazoada, não se preocupando com necessidades mais básicas do Município e que são facilmente visíveis a olho nu, destoando assim do interesse público”, escreveu o juiz.
No julgamento da apelação interposta no 2º Grau do TJPE pelos agentes públicos contra esta sentença, o relator do recurso, desembargador Jorge Américo, também enfatizou a disparidade dos gastos com os shows artísticos e o dinheiro empregado nas reais necessidades da cidade. “Pelo contexto acima, ressoa evidente que os membros da Comissão de Licitação agiram em conluio com o ex-prefeito, em confluência de desígnios, em ordem a referendar as indevidas dispensas/inexigibilidades de prélios licitatórios. Nesta toada, é crível dizer que os recorrentes realizaram uma espécie de simulacro para, ao arrepio da lei, conferir interpretações teratológicas e inadmissíveis, participando – ativamente – do processo que culminou com a agressão aos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Como foi bem assentado pelo togado singular, existem – no Município de Rio Formoso – necessidades básicas, e mais urgentes, que – ano a ano – vêm sendo desatendidas pelo Poder Público (ruas sem calçamento, falta de infraestrutura básica, desemprego, saúde e educação mal aparelhadas), e quem mais sofre com a má aplicação do dinheiro público é o povo da cidade”, apontou o relator no voto.