A Primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) julgou a apelação 0008542-10.2010.8.17.0001 do Estado de Pernambuco e decidiu manter o pagamento de indenização a títulos de danos morais, no valor total de R$ 9 mil, para três pessoas inocentes, dois homens e um adolescente, que foram presas ilegalmente pela Polícia Militar, sem ter cometido crime algum e enquanto se encontravam realizando transações bancárias em terminais de autoatendimento da Caixa Econômica Federal (CEF).
Uma das três pessoas é correntista do banco e estava apenas movimentando sua própria conta, acompanhado das outras duas pessoas, conforme atestou comprovante de transações bancárias acostado aos autos do processo.
A agência em questão fica localizada no Market Place, na avenida Bernardo Vieira de Melo, no bairro de Piedade, na cidade de Jaboatão dos Guararapes (PE). A prisão indevida ocorreu no dia 30 de novembro de 2009, por volta das 11h. Na delegacia, após consulta nos sistemas Infoseg e Capturas, nada foi constatado, sendo as três pessoas liberadas.
O acórdão da Primeira Câmara de Direito Público foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico da última quinta-feira (20/05). A redação da decisão foi baseada no voto do desembargador Jorge Américo Pereira de Lira. Cada uma das três pessoas presas de forma irregular receberá R$ 3 mil de indenização. A Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco ainda pode recorrer.
Devido a uma suspeita sem fundamento de um soldado do 6º Batalhão de Polícia Militar, as três vítimas da ação policial foram retiradas da agência bancária e arrastadas até o camburão, sendo levados para averiguação à Delegacia de Plantão de Prazeres. De acordo com a decisão do órgão colegiado do TJPE, a ação da PM causou vexame, humilhação e constrangimento aos dois homens e ao adolescente.
“Restaram configurados o fato administrativo (prisão indevida para averiguação), o dano (constrangimento decorrente da prisão ilegal) e o nexo de causalidade entre eles, não havendo como elidir a responsabilização estatal. Entrementes, diante das circunstâncias do caso, o Apelo Fazendário deve ser parcialmente provido, em ordem a reduzir a condenação do Estado para R$ 3.000,00 em favor de cada um dos autores, acrescida de correção monetária, que fluirá a partir da presente decisão, e juros de mora, a contar do evento danoso (Súmula nº 54 do TJPE), nos termos do voto médio do Órgão Colegiado”, escreveu o desembargador Jorge Américo no voto, reduzindo o valor da indenização individual de R$ 7 mil para R$ 3 mil.
No Primeiro Grau, o caso foi julgado na Primeira Vara da Fazenda Pública do Tribunal, com sentença prolatada pela juíza de Direito substituta Cristina Reina Montenegro de Albuquerque da Central de Agilização Processual da Capital.
Na decisão, a magistrada rebateu a alegação do Estado de que a PM agiu no exercício regular do dever legal. “O fato de terem sido os autores detidos para averiguações é incontroverso. Tenho que os autores foram vítimas de um ato ilegal, uma vez que não há previsão legal a admitir a detenção de uma pessoa para averiguação. A prisão consiste na privação da liberdade de locomoção mediante clausura. Trata-se de exceção no Estado Democrático de Direito. O cerceamento da liberdade ambulatorial somente poderá ocorrer se decretado por ordem escrita, fundamentada por autoridade judiciária competente ou em uma situação de flagrante delito”, explicou a juíza.
O principal fundamento jurídico da sentença é a artigo 5.º, inciso LXI da Constituição Federal de 1988, que diz de forma expressa: “ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
Para Cristina Reina, a equipe policial que efetuou a prisão ilegal não teve o mínimo cuidado. “A motivação que gerou suspeita por parte do denunciante, descrita no ofício nº 178/2010/2ª Seção (fls. 82/83), qual seja, “o fato de os indivíduos estarem passando vários cartões em máquinas diferentes e pelo fato de estarem em número de três”, não justifica a condução dos demandantes a uma Delegacia sem um único indício de conduta criminosa, como, por exemplo, a posse de cartões bancários pertencentes a terceiros. Os autores não foram surpreendidos cometendo qualquer crime que justificasse um flagrante, tampouco foram perseguidos ou encontrados com objetos ou sinais que demonstrassem o cometimento ou a participação em crime. Não há, por outro lado, evidências de que os autores tenham negado sua identificação perante os policiais militares. Tenho, assim, que não houve um cuidado mínimo por parte dos agentes estatais responsáveis pela ocorrência, resultando no desnecessário cerceamento à liberdade dos autores, causadora de inevitável lesão de ordem moral”, escreveu na decisão.
A responsabilidade objetiva do Estado e a necessidade de pagamento de indenização por dano moral ficaram comprovadas nos autos. “O transtorno suportado pelos autores não pode ser considerado um mero dissabor, irrelevante ou ínsito ao cotidiano; ao contrário, causa dor, sofrimento, vexame e humilhação, que foge à normalidade, interferindo no comportamento do indivíduo. Não há dúvidas de que os autores tiveram suas respectivas dignidades atingidas ao serem vítimas de ato ilegal, consistente na indevida condução a uma Delegacia de Polícia, caracterizando hipótese de responsabilização objetiva do Estado de Pernambuco”, concluiu Reina na sentença.