Por José Nêumanne*
Levando-se em consideração a sesquipedal ignorância do capitão reformado do Exército Jair Messias Bolsonaro e da corte formada em seu entorno desde a inesperada e espetacular vitória eleitoral dele para a Presidência da República, é muito pouco provável que saibam quem foi o rei persa Xariar, da dinastia dos sassânidas. Mas certamente nenhum deles deve desconhecer a saga fictícia da princesa Xerazade, que contou histórias mirabolantes ao rei para sobreviver à maldição do monarca traído, que se vingava de uma traição conjugal matando esposas nas noites de núpcias.
Incapazes de distinguir persas de árabes, nos Emirados Árabes Unidos eles se dedicaram à dura tarefa de convencer investidores reunidos na exposição de Dubai de feitos mirabolantes de um desgoverno dedicado a demolir sem nem sequer construir nada em seu lugar. O xeique do Vivendas da Barra contou a lenda da floresta úmida (ou da chuva, como preferem os anglo-saxões), que, pela própria natureza, “não pega fogo”. O chefe da diplomacia informa que ninguém desmata nada nestes tristes trópicos. E o grão-vizir da Economia, Paulo Guedes, inventou a bonança que mais cresce na economia que mais emprega mão de obra no mundo.
É claro que essa xaropada só faria sentido se os capitalistas do mundo constituíssem um bando de imbecis dispostos a rasgar sua dinheirama num país cujo Produto Interno Bruto despenca desde 2012, como lembrou o especialista em cenários para o futuro Cláudio Porto, no Nêumanne Entrevista no Blog do Nêumanne no Estadão nesta semana. Mas também ninguém pode se deixar enganar pela leda ilusão de que o chefe do Poder Demolidor acredita que tem o charme das sereias que tentaram desviar Ulisses da rota de Ítaca depois da Guerra de Troia. Ele apenas investe na mobilização de sua lábia de charlatão vendendo óleo de cobra em feiras livres do sertão para mantê-los iludidos no próximo ano, prazo ao cabo do qual imagina disputar em segundo turno a própria reeleição. Por isso mesmo, no 132.º aniversário do golpe militar que implantou a república dos “bestializados” (apud José Murilo de Carvalho), o acólito herdado do tirano chileno Pinochet respondeu ao repórter que lhe perguntou sobre as perspectivas de estagflação no ano da eleição, com poucas perspectivas de engatar a ré, que “números não importam”. Um pretenso economista e falso liberal que despreza o legado do dr. Pitágoras merece a credibilidade de cartomante sem bola de cristal. E o que dizer, então, do embaixador França, que abandonou as ilusões dos crédulos que nele viam um bem-sucedido aluno da escola de Rio Branco, em troca das grotescas práticas de adulação negocionista de vacina e terraplanista?
O autor destas linhas poderia invocar a experiência pessoal nos anos 80, quando, ao voar sobre a Hileia entre Serra Pelada e Marabá, testemunhou que a fumaça produzida por fogo impedia a visão de uma única copa de árvore, incombustível no delírio bolsonarista. Mas nenhum investidor estrangeiro precisa desse testemunho para tomar decisão que já foi adotada antes de Bolsonaro e seus cabras da peste torrarem o escasso dinheiro de uma economia empobrecida na empreitada de mentir para levantinos experientíssimos em negócios de qualquer tipo. Investimentos estrangeiros no Brasil, segundo relatou a TV CNN, insuspeita de qualquer laivo antigovernista, “atingiram o pior patamar dos últimos 12 anos, tendo registrado valores inferiores aos da crise financeira internacional em 2008. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (5 de agosto) pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), ligada às Nações Unidas. De acordo com o levantamento, o aporte de capital estrangeiro recuou em 35,4% em 2020, primeiro ano da pandemia, quando comparado com o ano anterior. Em valores absolutos, a porcentagem representa uma queda aproximada de US$ 24 bilhões nos investimentos externos”.
Na realidade, o que deve preocupar mais os brasileiros de bem, que não veem a hora de se livrar da tigrada que os governa e da manada que a aplaude, não é o mau humor justo dos “petrodólares” disputados por Bolsonaro, Guedes e França, mas o Brasil que o trio abandonou à própria falta de sorte ao fazerem turismo no Golfo Pérsico à custa dos miseráveis. Enquanto eles se locupletam nas noites do deserto de Harun al-Raschid, 37 servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) denunciaram a série de interferências horrorosas dos bolsonaristas sob chefia do presidente da instituição, Danilo Dupas, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No Fantástico, eles lembraram que “o Inep sempre foi dirigido por pessoas que tinham alguma trajetória acadêmica. Esse presidente que está agora é uma pessoa sem currículo, sem experiência. Está lá porque o ministro da Educação decidiu que seria a pessoa que estaria disposta a fazer o que eles queriam: entrar na prova e retirar aquilo que eles acham que o presidente não iria gostar, diz o servidor, referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro”, que agora direto de Dubai mandou dizer que está tudo dominado como antes fora previsto.
O mentiroso contumaz, bajulado por carreiristas encastelados no poder da república da insanidade, não surpreende ninguém ao desmatar e negar. E inspirar o abandono da aritmética na ajudância do aprendiz do assassino serial do Estádio Nacional de Santiago. Mas a Câmara, governista em troca de emendas parlamentares bilionárias, usadas como propinas, tem a obrigação de cumprir seu ofício de representar o povo brasileiro enquadrando na moldura constitucional do Estado ainda de Direito os inimigos figadais dos preceitos abandonados do império da lei.
*Jornalista, poeta e escritor
Do Blog do Magno