O Palácio do Planalto orientou os ministérios, na sexta-feira (12), a continuar executando emendas de relator do Orçamento de 2020. Havia queixas de parlamentares sobre a interrupção total, em algumas pastas, do pagamento desse tipo de emenda, chamada RP-9.
Do ano passado, quando passou a valer, para cá, esta fatia bilionária dos recursos da União se tornou moeda de troca para congressistas apoiarem pautas do governo Jair Bolsonaro. O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu na quarta-feira (10) suspender os pagamentos dessas emendas, mas a decisão só atinge as do Orçamento de 2021. Ou seja, o governo pode quitar os valores dos empenhos apresentados no ano passado, inscritos em “restos a pagar”.
Foram empenhados cerca de R$ 19,7 bilhões dos valores ligados às emendas RP-9 em 2020. Desta cifra, o governo deixou R$ 12,7 bilhões para quitar a partir de 2021. Já foram pagos R$ 3,4 bilhões do valor de RP-9 inscrito em “restos a pagar”. Ou seja, ainda há um saldo de R$ 9,3 bilhões para ser liquidado. O governo também usa o ritmo de pagamento como pauta de negociação política.
Um parlamentar infiel, por exemplo, pode ser punido com o atraso no desembolso de uma emenda. Em outros casos, os pagamentos dependem da evolução de uma obra ou do cronograma de execução dos contratos. Relatora de ação sobre as emendas RP-9, a ministra Rosa Weber entende que não há transparência nos repasses destas verbas, o que violaria princípios constitucionais da “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Ao aceitar o pedido para suspender os pagamentos, no último dia 5, a ministra restringiu a decisão ao Orçamento atual.
“Quanto ao Orçamento do exercício de 2021, a suspensão integral e imediata da execução dos recursos orçamentários oriundos do identificador de resultado primário nº 9 (RP 9), até final julgamento de mérito desta arguição de descumprimento”, escreveu a relatora.
A decisão, portanto, abre caminho para o pagamento dos empenhos feitos em 2020. Rosa Weber também determinou que sejam expostos os documentos que embasaram a distribuição dos recursos de RP-9 no ano passado e em 2021. Depois da decisão da ministra Rosa Weber, a Casa Civil enviou ofício aos ministérios sugerindo interromper os pagamentos de emendas de relator.
Mas a pasta comandada por Ciro Nogueira (PP-PI) fez nova orientação na sexta-feira (12), ponderando que ainda podem ser pagos os recursos empenhados em 2020.
“Diante do exposto, solicito ampla divulgação do material apresentado para os setores responsáveis pela execução orçamentária e financeira no âmbito de cada pasta ministerial”, diz o ofício, direcionado a 22 ministérios e órgãos do Executivo.
Na manifestação mais recente, o Planalto se baseou em parecer da AGU (Advocacia-Geral da União).
Segundo o documento, tanto a decisão liminar como os votos apresentados por outros ministros do STF sinalizam que a proibição de executar as emendas RP-9 recai “exclusivamente sobre as dotações orçamentárias presentes na Lei Orçamentária de 2021 e nos créditos adicionais abertos durante o presente exercício”.
É o relator-geral do Orçamento de cada ano que tem o poder de indicar essas verbas de RP-9. Na quase totalidade dos casos, porém, ele funciona apenas como um preposto dos interesses da cúpula do Congresso e do governo, que define quem ganha e quanto ganha, a partir de suas conveniências políticas.
A lógica é diferente das emendas individuais, em que cada parlamentar pode indicar, neste ano, até R$ 16,3 milhões de emendas ao Orçamento, de forma equânime.
Em 2021, o governo já empenhou mais de R$ 9 bilhões dos R$ 16,8 bilhões desse tipo de emenda. A autorização das despesas se concentrou no fim de junho e durante o mês de julho, e também de meados de outubro até a primeira semana de novembro.
Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Humberto Costa (PT-PE) pedem para Rosa Weber avaliar se o governo descumpriu a decisão do STF. Eles apontam liberação de mais de R$ 5 milhões em emendas RP-9 após o dia 5.
Apesar de servir como poderosa arma de negociação entre Congresso e governo, parte das verbas de RP-9 acaba sendo aplicada para gastos ordinários de órgãos ou em ações que não atendem ao interesse específico de um parlamentar.
Em 2020, por exemplo, a Fiocruz recebeu R$ 260 milhões das emendas do relator para ações de combate à Covid-19. Já o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) tem R$ 350 milhões em verbas do relator incorporadas ao seu orçamento de 2021.
Procurado, o Ministério da Saúde, principal beneficiário das emendas RP-9 de 2021, não se manifestou sobre a decisão do STF.
O Ministério do Desenvolvimento Regional, segundo colocado, disse que 2.198 contratos de repasse e 375 convênios tiveram o pagamento suspenso, no montante de R$ 2,5 bilhões. “Outras cerca de duas mil propostas, que estavam em análise por este ministério, não serão contratadas”, afirmou a pasta, em nota.
O Ministério da Economia disse que ainda depende de uma decisão final do Supremo para “se manifestar sobre seus potenciais impactos”. O mérito da ação contra as emendas de relator ainda não foi analisado pela corte. Em entrevista dada em Portugal, Lira defendeu as emendas e afirmou que o Congresso deverá aprovar projeto para dar transparência ao mecanismo.
Como a Folha mostrou na quinta-feira (11), o texto da proposta já está pronto e foi distribuído a parlamentares. Apesar de ampliar a transparência, não trata das emendas distrbuídas em 2020 e 2021 nem das regras que permitem ao governo e à cúpula do Congresso dividir as bilionárias verbas estritamente de acordo com as suas conveniências políticas.
ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES
A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.
As emendas parlamentares se dividem em:
– Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
– Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
– Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP-9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo
CRONOLOGIA
Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares
2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:
a) execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior
b) metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde
c) contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória
2019
– O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
– Metade desse valor tem que ser destinado a obras
– O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões
– Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral
2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:
– Emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
– Emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
– Emendas de comissão permanente: R$ 0
– Emendas do relator-geral do Orçamento (código RP-9): R$ 16,8 bilhões.
Folhapress