O ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente da República, Jair Bolsonaro, durante o lançamento dos programas CODEX e SUPER.BR e do 8º Revogaço no Palácio do Planalto.
A manobra proposta pelo governo para abrir espaço orçamentário e turbinar o programa Auxílio Brasil deve liberar verba adicional de aproximadamente R$ 2 bilhões aos cofres do Congresso e do Judiciário em 2022.
O valor corresponde à elevação, para os dois Poderes, do teto de gastos -regra que impede o crescimento das despesas públicas acima da inflação.
Levantamento do economista Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas, aponta que o limite de despesas será elevado em R$ 1,5 bilhão para o Judiciário no próximo ano. No caso do Legislativo, o acréscimo ficará em R$ 440 milhões.
O acréscimo será dado ao valor que os dois Poderes podem gastar, o que inclui principalmente despesas com custeio e servidores. Outros custos como auxílio-moradia e reformas de apartamentos funcionais poderão ser elevados.
Haverá ainda um ganho de R$ 224 milhões para o Ministério Público da União e R$ 19 milhões para a Defensoria Pública da União.
Portanto, além de criar margem para gastos do Executivo, a proposta do governo traz uma espécie de efeito colateral que beneficia o Congresso, responsável por analisar e votar o plano, e o Judiciário, que eventualmente poderá ser instigado a avaliar a validade da medida.
O ganho ocorre porque o teto de gastos tem limites individualizados para cumprimento por cada Poder. Ao expandir a margem geral da regra, a mudança acaba beneficiando todos os órgãos.
“A proposta foi feita, em tese, para viabilizar o Auxílio Brasil, mas acaba que essa mudança da regra amplia o teto para todos. Isso beneficia os outros Poderes e deve deixá-los inclinados a aprovarem o plano, com certeza”, disse Tinoco.
No ano passado, o Ministério Público não cumpriu o teto de gastos. O estouro foi de aproximadamente R$ 143,5 milhões. Em 2019, as despesas do Judiciário e do Ministério Público também ficaram acima do limite.
A ampliação do valor máximo a ser gasto, portanto, alivia as contas das instituições.
Além dos recursos para bancar o novo programa social do governo, o Congresso também quer reduzir a pressão no Orçamento para poder garantir um alto volume de emendas parlamentares, que são formas de deputados e senadores enviarem dinheiro para obras e projetos em bases eleitorais.
O pagamento de emendas entra no cálculo do limite de despesas do Executivo. O teto de gastos para o Congresso -e para o Judiciário- está ligado aos custos de funcionamento dos Poderes.
Na semana passada, o governo propôs uma mudança na forma de calcular o reajuste anual do teto de gastos.
A apuração desse limite deixará, caso seja aprovada a mudança, de ser feita com base na inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior, passando a ser calculada pelo período encerrado em dezembro.
A mudança foi incluída na PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita gastos com precatórios, as dívidas do governo reconhecidas pela Justiça.
A PEC ainda precisa ser chancelada pelo plenário da Câmara e depois seguir para o Senado. Nas duas Casas, o texto é aprovado se tiver apoio de 60% das cadeiras.
O relator da PEC, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), afirma que a alteração abrirá um espaço de R$ 39 bilhões nas contas do governo em 2022, no caso do novo cálculo do teto, e de R$ 44 bilhões com a alteração no pagamento de precatórios.
Os cálculos de Tinoco apontam que o espaço aberto com a mudança no teto de gastos pode ser bem maior, já que as projeções para a inflação neste ano estão em trajetória de alta.
Boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (25) pelo Banco Central mostra que a expectativa do mercado para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) no encerramento de 2021 subiu de 8,69% para 8,96%.
Com base nessa projeção mais recente, o economista estima que o espaço aberto nas contas do Executivo federal em 2022 deve ficar em R$ 48,8 bilhões, cerca de R$ 10 bilhões acima do previsto pelo relator.
Na avaliação de Tinoco, a ideia do governo é ruim porque fere a credibilidade das regras fiscais. Para ele, o governo buscou a forma “menos feia” de driblar o teto.
“A mudança força o governo a propor o Orçamento do ano seguinte [em agosto de cada ano] sem saber qual será o limite de gasto. E fica essa certeza de que estão criando uma narrativa, seria mais honesto dizer que estão furando mesmo o teto”, afirmou.
O economista ressalta que o ideal seria respeitar o teto por meio do corte de outras despesas.
Como isso não foi feito, ele diz que poderia ser menos pior se o governo simplesmente criasse uma exceção de R$ 30 bilhões para gastos em 2022, sem promover alteração na estrutura da regra. Ainda assim, afirma que seria nocivo para a credibilidade do governo.
O consultor de Orçamentos do Senado Vinicius Amaral afirma que o aumento do limite de gastos não significa necessariamente que as despesas serão ampliadas.
Isso porque o período para Judiciário e Legislativo indicarem ao governo o que pretendem gastar em 2022 já se encerrou antes do envio do projeto de Orçamento em agosto.
Amaral explica que as despesas poderiam ser ampliadas se o governo reabrisse o prazo para que esses órgãos retifiquem e façam ajustes nas propostas para suas contas.
O economista critica a proposta e afirma que o governo não apresentou claramente onde pretende aplicar essa autorização adicional para despesas.
Na avaliação de Amaral, o país terá necessidade de gastos adicionais em 2022, como na área de Saúde. Para ele, a solução mais adequada neste momento seria uma exceção ao teto para permitir essas despesas.
“O fato de a proposta do governo permitir também a expansão das despesas dos demais Poderes pode gerar efeitos contraditórios: ainda que esse aumento possa ser visto por eles com simpatia, por outro lado pode gerar entraves à sua aprovação, pela reação da própria sociedade e por gerar um desconforto político para esses Poderes”, afirmou.
Folhapress