A possibilidade de o governo detonar a regra do teto de gastos para bancar um benefício mensal de R$ 400 para o Auxílio Brasil — programa com o qual o presidente Jair Bolsonaro pretende alavancar sua popularidade às vésperas das eleições do próximo ano — foi muito mal recebida no mercado financeiro. A Bolsa de Valores de São Paulo desabou 3,28%, ontem, enquanto o dólar subiu com força. A moeda norte-americana chegou a bater em R$ 5,61 no meio da tarde, mas fechou a R$ 5,59, com alta de 1,33% no dia. Foi o maior valor de fechamento desde 15 de abril.
A solução encaminhada pelo governo para viabilizar o benefício de R$ 400, que seria temporário, válido apenas para 2022, previa que parte dos R$ 85 bilhões necessários, cerca de R$ 30 bilhões, ficaria fora do teto. Para analistas, a medida jogaria por terra o que ainda resta de credibilidade do governo na área fiscal. O rompimento do teto pressionaria ainda mais a inflação, que já passa dos 10% ao ano, e obrigaria o Banco Central a apertar a política monetária para tentar segurar a alta dos preços, derrubando de vez a atividade econômica.
Não à toa, as apostas do mercado, ontem, eram de que subiu para 90% a chance de o Comitê de Política Monetária (Copom), na reunião da próxima semana, elevar a taxa básica de juros, em 1,25 ponto percentual, levando a Selic para 7,50% ao ano. O fato de que altas autoridades do Executivo e da base de apoio parlamentar do governo não veem o cenário dessa mesma forma aumenta a preocupação dos investidores. Na noite de segunda-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que “não se pode pensar só em teto de gastos e responsabilidade fiscal” em detrimento da população. A declaração foi lida como uma senha para o abandono da regra fiscal pela classe política.
“O pagamento do benefício com um adicional fora do teto de gastos, mostra que não existe, de fato, uma âncora fiscal no país. E isso piora o balanço de riscos da economia. Por isso, o mercado se estressou”, explicou Cristiane Quartaroli, economista do Banco Ourinvest.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, disse que o Brasil está sendo precificado por sua capacidade de solvência fiscal, a qual se reduz à medida que Lira e Bolsonaro caminham para uma ampliação do deficit nas contas públicas. “O (deputado) Lira chancela isso, impondo uma dicotomia inexistente entre responsabilidade fiscal e assistência social”, afirmou.
Sanchez ressaltou que, além de derrubar a Bolsa e fazer o dólar disparar, os movimentos do governo provocaram alta de juros no mercado, com efeitos danosos sobre a economia. “Apenas de ontem para hoje (terça-feira), a subida dos juros retirou quase R$ 6 bilhões do PIB”, avaliou. “Esse montante faria uma grande diferença no social, dado que é o equivalente a 20% do orçamento anual do Bolsa Família.”
O economista observou que, ao adiar a decisão sobre novo programa social, o governo pode ter dado um alívio momentâneo ao mercado, mas não eliminou o problema. “O governo cancelou o anúncio de auxílio Brasil de 400 reais, após a má reação do mercado. Entretanto, não cancelou o auxílio Brasil”, disse.
Na opinião de César Bergo, presidente da Conselho Regional de Economia (Corecon-DF), o governo vem conduzindo a questão do Auxílio Brasil com irresponsabilidade, e o mercado acaba lendo isso com muita preocupação. “O termômetro é o dólar, que não para de subir, e a bolsa também não para de cair. Embora a gente possa considerar que os fundamentos da bolsa não seriam para queda, obviamente o que está pesando bastante é essa anarquia fiscal que está acontecendo, em que o Ministério da Economia está desesperado em montar um plano para o Auxílio Brasil para beneficiar o presidente na próxima eleição”, afirmou. “O novo auxílio precisa realmente ser aprovado, porque as pessoas necessitam desse recurso. Mas não da maneira irresponsável que está sendo posta pelo Executivo”, disse.
Juros sobem
A avaliação de que o país está convivendo com um risco fiscal mais elevado, devido à tentativa do governo de romper o teto de gastos para financiar o Auxílio Brasil, fez os juros futuros dispararem no mercado financeiro. Ontem, o contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) mais líquido, para janeiro de 2023, fechou com taxa de 9,84% ao ano, ante 9,366% no dia anterior. O DI para janeiro de 2025 fechou com taxa de 10,89%, ante 10,275% na segunda-feira. A taxa do DI para janeiro de 2027 subiu de 10,664% para 11,19%. “A cena política pesou forte no mercado brasileiro: juros futuros disparando, com a parte mais curta (da curva) projetando Selic próxima da faixa de 10% no ano que vem, sem falar do dólar retornando para R$ 5,60”, disse Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora. “Risco fiscal crescente, fraco crescimento e juros altos são uma combinação nada atraente”, acrescentou.
BC vende US$ 500 milhões das reservas
O Banco Central vendeu ontem US$ 500 milhões no mercado à vista, mas o movimento provocou apenas um alívio passageiro no mercado de câmbio, sem impedir a alta da moeda norte-americana. Na semana passada, o BC fez várias intervenções no mercado, mas por meio de operações de swap, que equivalem à venda de dólares no mercado futuro, sem recorrer às reservas cambiais do país.
O diretor de Política Econômica do Banco Central, Fabio Kanczuk, enfatizou que não há nenhuma mudança na política de intervenções do BC no mercado de câmbio. Para Kanczuk, a política de intervenções do BC “não irá mudar de maneira nenhuma”.
“O nível do câmbio não importa, nem o impacto nas projeções de inflação. As intervenções no câmbio têm a mesma motivação, não mudaram. O BC intervém quando há algum tipo de mau funcionamento no mercado”, disse Kanczuk, em evento promovido pelo banco JP Morgan.
A partir de hoje, a diretoria colegiada do BC entra em período de silêncio prévio à reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da próxima semana.
O diretor reconheceu, porém, que o BC tem tido dificuldades em entender os movimentos do real frente ao dólar. Segundo ele, nem a taxa de juros, nem a saída do overhedge (desmontagem de posições excessivas dos bancos em dólar), nem a valorização das commodities têm sido hipóteses suficientes para explicar a volatilidade da moeda.
“Há mais países com o mesmo problema, com moeda não reagindo a termos de troca. Há questão fiscal, mas o câmbio deprecia mais do que a curva de juros sugere. Também não compro a história de que câmbio reage a maior investimento no exterior”, acrescentou Kanczuk. “É muito difícil saber o que está acontecendo com a taxa de câmbio. Não é a primeira vez na minha vida que não entendo o que está havendo com o câmbio”, admitiu.
O diretor do BC considerou que a política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) tem grande impacto nos fluxos de recursos para países emergentes, com maior sofrimento para aqueles com maiores problemas fiscais, como o Brasil. Por isso, ele reforçou que o Copom deve reagir aos movimentos do BC norte-americano. “Copom discute bastante eventuais apertos monetários em países desenvolvidos. No passado, quando Fed apertou a política inesperadamente, machucou emergentes. Se o Fed começar mais cedo esse movimento, a reação do Copom só poderá ser uma política monetária mais apertada. Não há outra maneira”, resumiu.
Correio Braziliense