O governador de São Paulo, João Doria, fala à imprensa, após encontro com o presidente em exercício , General Hamilton Mourão
A poucas semanas da prévia que definirá o candidato do PSDB à Presidência da República, o governador de São Paulo, João Doria, acredita que a disputa com o colega Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, e o ex-senador Arthur Virgílio fortalece a legenda e a democracia. Ele está convencido de que o nome da terceira via será um tucano. Confia, também, na maturidade dos líderes de outras legendas para chegar a um consenso em torno de um candidato em condições de vencer a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro.
Aberto ao diálogo em relação a futuras alianças, Doria é implacável quando se refere ao presidente da República. Considera o governo atual “um desastre completo”, e não apenas pela conduta ante a pandemia. A crise aguda na política econômica, com a confirmação do rompimento do teto de gastos e o encolhimento de Paulo Guedes, resultará em um quadro devastador para o próximo ocupante do Planalto. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio, na última sexta-feira.
O partido sairá unido das prévias?
Estamos a menos de 30 das prévias do PSDB. Em 21 de novembro, 1,4 milhão de filiados votarão no candidato que desejam para concorrer à Presidência da República. E estamos a um ano das eleições. Há cinco semanas, não se falava da terceira via do PSDB. Foi o início das prévias do PSDB que colocou o partido dentro do debate sucessório. O valor da prévia é esse. Prévias somam, agregam, promovem e legitimam candidaturas.
Eduardo Leite tem dito que não emprestou o nome dele a Bolsonaro. Como enxerga as diferenças de cada um dos pré-candidatos tucanos em relação ao presidente?
Minha posição é muito clara. Sou oposição ao governo Bolsonaro, e praticamente desde o início. Não me tornei opositor ao governo depois da crise da pandemia. Aliás, foi o maior desastre da história do país o comportamento de um presidente negacionista, que comprou cloroquina e não vacina, que disse que a pandemia era uma “gripezinha”. Negou a gravidade e nega até hoje. Nem se vacinou. Que tipo de exemplo um homem desses dá, que pretende ser o líder do Brasil, que não se vacina, que é contra a vacina, não usa a máscara, tira a máscara de criancinhas? A minha posição é absolutamente contrária a esse governo, que é um fracasso em tudo.
Mas há, no PSDB, uma discussão sobre os erros que teriam sido cometidos em 2018.
É o momento de olhar para frente. Temos que focar nas soluções dos problemas e não na análise do passado. A solução para o desemprego é a ação efetiva do governo federal e de governos estaduais na geração de trabalho. O que vai resolver ficar no errou aqui, errou acolá? Temos que buscar a sintonia das soluções democráticas e por políticas públicas na educação, na saúde, na habitação, no emprego, na proteção ambiental, na reinserção do Brasil no contexto internacional, no respeito à imprensa.
Qual a saída para financiar o Auxílio Brasil e pagar os precatórios?
Diminuir o tamanho do Estado. Fazer a lição de casa, algo que o governo federal não fez. Diminuir o Estado para ter mais recursos para investimento no social. Faça a lição de casa, presidente Bolsonaro. Faça aquilo que prometeu. Reduza o tamanho do Estado, venda estatais. A irresponsabilidade fiscal é tamanha que secretários da Economia pediram demissão, por não confiar em Paulo Guedes por entender que só há um comando nesse governo, o da incompetência de Jair Bolsonaro.
O senhor é a favor da privatização da Petrobras?
Sou a favor da privatização, não para fazer do monopólio público um monopólio privado, e sim uma modelagem que permita à Petrobras ser dividida em várias empresas e ser colocada em leilão internacional na Bolsa de Valores do Brasil. É o mesmo modelo que os Estados Unidos seguiram. Além de uma empresa dividida, defendo a obrigatoriedade da formação de um fundo regulador. Quando houver aumento do petróleo nas cotações do mercado internacional, esse fundo regulador impedirá que o aumento se reflita imediatamente no preço do combustível ou do gás.
E em relação a Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES? O PSDB fará o quê?
Não posso falar em nome do PSDB, mas, se eu vencer, o Banco do Brasil será privatizado. Tem bons profissionais e boa estrutura. Mas não há necessidade de termos dois bancos (a Caixa e o BB). Já o BNDES, não. Pode ser readequado, para que cumpra efetivamente o papel de banco de desenvolvimento econômico e social, principalmente, das micro, pequenas e médias empresas. E que ele passe a ser um regulador.
A crise econômica, agravada com o enfraquecimento de Guedes, terá consequências para o próximo presidente da República. O que mais o preocupa, se eleito para 2023?
O Brasil será entregue arrasado. Esse é o pior governo da história da República. É um desastre completo. Veja a inflação. Aumento do óleo de cozinha, 30%; arroz, 36%; açúcar, 12%; farinha, 15%. Todos com dois dígitos. Não há novos investimentos. Qual a grande política econômica do Brasil? Não há. Não tem projeto, como não tem também para a educação. A saúde é exemplo mundial de inépcia. Vamos para a área ambiental: o Brasil hoje é um país isolado na comunidade internacional pelas suas agressões ao meio ambiente. Terra arrasada. Efetivamente, terra arrasada.
Nessa terra arrasada, em 2023, qual será a prioridade?
Educação, geração de empregos, saúde e proteção ambiental. São quatro prioridades para serem atacadas em harmonia. Vamos precisar ter um pacto pelo Brasil, um pacto social e liberal ao mesmo tempo. Liberal para que possamos desestatizar a economia. E fazer um pacto com outros partidos para garantir a governabilidade.
Mas, antes de chegar lá, é preciso vencer as prévias. O PSDB terá candidato de qualquer jeito?
Vou fazer uma pergunta, bem-humorada: se você fosse uma empresa em busca de um CEO, quem você escolheria? Alguém com experiência, que já tenha administrado empresas e governos, ou alguém sem experiência, embora com boa índole, idoneidade?
Isso é bem diferente quando se fala em eleição. Em 2018, o país escolheu Jair Bolsonaro, que não tinha nenhuma experiência administrativa.
Veja: 52% dos brasileiros não querem nem Bolsonaro, nem Lula. Essa é a sabedoria popular. A construção da terceira via será pelo diálogo e pela consistência de valores. Um erro do passado não justifica um erro do futuro. O Brasil errou elegendo Jânio Quadros, mas acertou elegendo Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso. É preciso ter confiança no voto, no sistema democrático, na capacidade da população de pensar. Pergunte aos mais pobres se estão felizes por não terem emprego. Essas pessoas sabem que vão precisar de um líder que lhes dê oportunidade, emprego, comida no prato, saúde e educação.
O senhor diz que 52% do eleitorado não querem Lula nem Bolsonaro. Mas há uma profusão de candidatos para a terceira via. Caberá ao eleitor decidir em meio a tanta gente?
Caberá à política. O eleitor terá opção quando a política definir quais são os candidatos. Os extremos, nós já temos: Lula e Bolsonaro. A terceira via estará dentro da candidatura que vencer as prévias do PSDB e da capacidade de dialogar com outros partidos. Será uma demonstração de maturidade dos partidos, que saberão dialogar dentro do centro democrático para, mesmo com diferenças, encontrarem o candidato mais competitivo. Se formos fracionados, não seremos vitoriosos.
O discurso do senhor é altamente polarizado contra Bolsonaro. Como o eleitor vai diferenciar o senhor, candidato da terceira via, de Lula, maior opositor do atual presidente?
Com diálogo e com campanha. Quando Fernando Henrique Cardoso se lançou à campanha presidencial, tinha modestos 3% das intenções de voto. E se elegeu presidente da República. Juscelino Kubitschek tampouco era alguém que vinha do mundo operário. Foi eleito presidente. E foi brilhante, assim como FHC. Campanha: essa é a beleza da democracia.
Mas FHC tinha acabado de lançar o Plano Real. E não vemos um candidato com fôlego para enfrentar os extremos.
Insisto: 10 meses antes da eleição, o pai do Real tinha 3% da intenção de voto. O entusiasmo veio ao longo da campanha, não veio no início. A vacina é o Plano Real de hoje. Ajudou a salvar milhões de vidas. Há algo mais importante do que a vida? Não há. E a vacina foi viabilizada pelo PSDB. Esse é um ativo importante. As pessoas não vão se lembrar disso agora, mas o farão no ano que vem, quando o processo vacinal estiver completo. A vacina é um grande ativo, que terá a sua lembrança no momento oportuno, como foi com o Plano Real.
A CPI da Covid cumpriu o seu papel?
Cumpriu de forma digna e ampla. Produziu um relatório robusto, que indica nove crimes do presidente Bolsonaro, claramente tipificados. A repercussão internacional foi gigantesca. E o efeito disso no governo Bolsonaro ainda será sentido nos próximos meses, não só pelas medidas que terão de ser adotadas. A CPI não pode terminar em um relatório sem que a Procuradoria-Geral da República (PGR) tome a iniciativa necessária, sob pena de impeachment do próprio procurador-geral. Tenho confiança de que Augusto Aras é um homem digno e terá que conduzir esse processo adiante.
Mas a política é feita de momento. Esse relatório ainda terá importância no ano que vem, no calor da eleição? Ou será esquecido?
Acredito que terá importância, sim. A dor da perda de uma vida não se apaga fácil. Quem perdeu parentes para a covid-19 não esquece. Não tive parentes, mas tive amigos muito queridos que perderam a vida. Poderiam ter vivido mais 20, 30 anos, se não fosse a desídia, a falta da vacina no tempo certo e a incapacidade do governo de defender o isolamento, o uso de máscara. Perdi amigos que tomaram cloroquina, que acreditaram que o kit covid poderia salvá-los. Deixaram viúvas, filhos desalentados. Essas pessoas não se esquecem da perda de um ente querido. Essa memória não se apaga facilmente.
E a questão orçamentária, que está cada vez mais complicada com essas emendas RP9?
Bizarra, absurda, uma subversão da ordem. Pela primeira vez na história da República, o orçamento é controlado pelo presidente da Câmara. Ministros de Estado pedem audiência com o presidente da Câmara Federal para deliberar orçamento. Isso não existe. É inconcebível, para não dizer bizarra, uma circunstância em que o Poder Executivo se submete a ter que dialogar com o presidente da Câmara para estabelecer emendas para habitação, educação, saúde, ciência, tecnologia, meio ambiente. Essa é uma função do Executivo. É um governo enfraquecido, completamente dominado pelo Centrão, entregue ao presidente da Câmara, um governo sem rumo. É uma nau sem rumo no Brasil.
Sobre política social: o que pretende fazer para os milhões em situação crítica?
Pretendo fazer a Bolsa do Povo, como em São Paulo. Mas aqui teve reforma administrativa. Não estamos furando o teto de gastos. A Bolsa do Povo tem R$ 585 por mês para famílias vulneráveis. Em contrapartida, há o trabalho. Fizemos o Vale-Gás, em operação desde março. Fizemos o Dignidade Íntima, comprando R$ 70 milhões em absorventes para meninas de famílias vulneráveis poderem ir à escola mesmo no período menstrual. Fizemos programas de acolhimento a vítimas da covid. São R$ 300 por mês para subvencionar órfãos da pandemia. São políticas sociais sérias, bem executadas, não são projetos para o futuro. Essa será a política que, se avançarmos nas prévias e na eleição, pretendemos praticar em todo o Brasil.
Correio Braziliense