Em canção, letra e vivência artística, a Música Popular Brasileira tem nomes insubstituíveis e atemporais, que se perpetuam inclusive quando seguem para outros planos.
O cantor e compositor Belchior é um deles. Há quatro anos, no último dia de abril de 2017, ele se foi aos 70 anos. Um ‘rapaz latino-americano’ jovem demais, e que não fazia canções “corretas, brancas, suaves, muito limpas, muito leves”. Porque afinal, “não se deve cantar como convém, sem querer ferir ninguém”.
E ele nem feriu, ao contrário, despertou ouvidos e olhares para um mundo que transitava entre o novo e o velho, presente e passado, dicotomia que se tornou marca registrada em seu cancioneiro – desde “Alucinação” (1976), até “Velha Roupa Colorida” e “Como Nossos Pais” – referência para todos que que amam o passado e não veem que o novo sempre vem, como ele viu, desde sempre.
Recentemente o artista cearense Antônio Carlos Belchior veio à tona e não pelo vasto acervo de discos, singles e coletâneas deixadas e que seguem audíveis e reverberadas pelas gerações atuais.
Ele ganhou mais de 260 páginas no livro “Viver é Melhor que Sonhar – Os Últimos Caminhos de Belchior” (Sonora Editora), produzido por meio de uma campanha de financiamento coletivo e assinado pelos jornalistas Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti que imergiram no universo controverso do artista, mais especificamente no vácuo dos anos de 2012 a 2017 – período em que ele se fez ausente e percorreu lugares, recebeu abrigo de desconhecidos e deixou no ar o seu não-paradeiro em uma jornada incerta.
Os escritos percorreram de Montevidéu, no Uruguai, a Santa Cruz do Sul (RS), lugar onde Belchior morreu e dizem por aí, ouvindo música clássica – a causa da morte foi atestada como rompimento de uma aorta.
O livro ocupa as últimas páginas com uma cronologia didática, elencando datas importantes da trajetória de Belchior, desde o seu nascimento, passando pelo registro em 1976 de “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida” – canções incluídas por Elis Regina no repertório do show “Falso Brilhante – até chegar às suas perambulações vida afora e, finalmente, em sua morte em uma casa emprestada que passou a morar em 2015 com sua última companheira, a artista plástica Edna Prometheu.
Inspirado na narrativa contada pelos autores, “Viver é Melhor que Sonhar – Os Últimos Caminhos de Belchior” vai virar a série documental “Procurando Belchior” (Urca Filmes), com coprodução do Canal Brasil e direção de Eduardo Albergaria que assina também o roteiro ao lado de Leonardo Edde e Daniel Dias.
Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti vão se juntar à produção como pesquisadores e colaboradores, para elucidar em quatro episódios os caminhos do músico que esboçava ter um “Coração Selvagem”, mas se mantinha com a alucinação de suportar o dia a dia apenas no delírio da “experiência com coisas reais”. O poeta/filósofo/músico Belchior também deve ser pautado como protagonista de um longa de ficção, em breve.
A série tem previsão de lançamento para outubro, mês de celebração do nascimento do músico que se fisicamente estivesse pelas bandas de cá da terra, completaria 75 anos e talvez não mais a “cem por hora, sobre o trevo, dentro do carro” – e não necessariamente nesta ordem, mas nem por isso desvinculado de suas melodias cotidianas que, a propósito, foram fincadas artisticamente a partir dos trabalhos autorais produzidos entre as décadas de 1970 e 1980.
Entre eles “Belchior – Era uma Vez um Homem e Seu Tempo” (1979), disco que traz em parceria com Toquinho a faixa “Meu Cordial Brasileiro”, cuja letra traz uma passagem que remete ao quão fundamental se faz o artista e a sua arte, em especial quando ambos se confundem. “Que o pecado nativo é simplesmente estar vivo. É querer respirar”. Salve, Belchior, e as previsões certeiras para um abrasileirado ano de 2021.
Folhape