As mortes maternas por covid-19 cresceram em um ritmo ainda mais acelerado do que a explosão de fatalidades por covid-19 na segunda onda da pandemia no Brasil. Contando com um sistema colapsado, uma em cada cinco gestantes e puérperas internadas com a doença à espera de uma UTI não conseguiram acesso a um leito. Dada a vulnerabilidade, a recomendação do Ministério da Saúde é direta: não engravide. Para quem não tem essa opção e já gera uma vida, fica o medo constante de se infectar e a incerteza se, de fato, será incluída como grupo prioritário do Programa Nacional de Imunização (PNI).
A recomendação do adiamento da gravidez foi feita ontem pelo secretário de Atenção Primária à Saúde, Raphael Parente, durante coletiva de imprensa que anunciou portaria que destina mais de R$ 247 milhões para apoiar estados e municípios na implementação de ações relacionadas às gestantes. “Neste momento do pico epidêmico, deve ser avaliada, como aconteceu no (caso do vírus) zika, em 2016, a possibilidade de postergar um pouco a gravidez para um melhor momento, em que se possa ter a gravidez de forma mais tranquila”, recomendou.
Segundo o secretário, durante a epidemia do zikavírus, que durou “um ou dois anos”, foi possível observar uma diminuição no número de gravidez no Brasil. “Depois, aumentou. É normal”, completou. O ginecologista ressaltou que a postergação da gravidez não vale para todos os casos. “É óbvio que a gente não pode falar isso para alguém que tem 42, 43 anos, mas, para uma mulher jovem, que pode escolher um pouco o momento de gravidez, o mais indicado, agora, é esperar um pouquinho até a situação ficar um pouco mais calma”, disse Parente.
Grávida de 21 semanas, a assessora jurídica Júlia Pereira, 26 anos, recebeu com espanto o pedido feito pelo secretário. “O que choca é o reconhecimento do risco, pedindo para que as mulheres não optem por engravidar, inclusive comparando com a queda de gestação à época dos surtos de zika, mas, ao mesmo tempo, ainda, uma negligência do Estado em relação à inclusão de todas as grávidas ao PNI”. Ao acompanhar a situação pela mídia e nas decisões junto à obstetra, ela afirmou que tomaria a decisão de se vacinar.
“Entre o risco de pegar a doença e de tomar a vacina, cada dia que passa o que se verifica é que o imunizante é benéfico, inclusive, com casos mostrando o bebê já nascendo imunizado, o leite materno sendo fonte de proteção, no caso das lactantes vacinadas. Essa é uma demanda urgente e coletiva, e o próprio governo mostrou reconhecer isso. Espero que o Ministério Público também possa atuar em prol da inclusão de todas as grávidas”, pediu Júlia, argumentando que estudos internacionais apontando o alto agravamento de casos de covid-19 em gestantes sustentam o pedido.
Intubação
Pelos dados do recém-lançado Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19, uma em cada cinco gestantes e puérperas internadas com SARS-Cov-2 não teve acesso a unidades de terapia intensiva (UTIs), e cerca de 34% não foram intubadas, derradeiro recurso terapêutico que poderia salvá-las. “A gestante é considerada um grupo de risco. E, inclusive, trabalhos apontam que as gestantes têm risco maior de intubação, risco materno. Em uma avaliação estritamente científica, a grávida pode ser incluída como um grupo de risco para receber a vacina, mas sempre com a ressalva de que ela vai analisar os riscos e benefícios junto ao médico para tomar a decisão”, avaliou a obstetra Rossana Pulcineli, criadora do Observatório e presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo.
Pulcineli argumenta que a maioria das plataformas utilizadas para o desenvolvimento da vacina da covid-19 é a mesma de outras vacinas que são conhecidas e aplicadas com prioridade em grávidas. “Então, teoricamente, não há um risco aumentado para essas vacinas em grávidas”, disse. A simples inclusão do grupo no PNI, no entanto, não resolve a questão da vulnerabilidade no contexto do novo coronavírus. “É preciso aumentar toda a rede de proteção para gestantes, e isso vai além da vacina. É garantir isolamento social, proporcionar home office ou afastamento do trabalho, proporcionar assistência adequada com atendimento em hospital com UTI materna, UTI neonatal”, enumerou.
É o caso do estudo realizado pela Universidade de Washington, nos Estados Unidos, que avaliou que a aparição de sintomas da covid-19 é até 70% maior em grávidas do que em mulheres com a mesma faixa etária. A taxa de internação e intubação chega a ser 88% superior.
País chegará hoje a 370 mil mortes
O Brasil registrou, ontem, mais 3.305 mortes por covid-19. Com a atualização do balanço do Ministério da Saúde, o país já acumula, desde o início da pandemia, 368.749 óbitos. Em razão da média móvel na casa de 2,8 mil fatalidades diárias, a previsão é de que, hoje, a marca de 370 mil brasileiros que perderam a vida deva ser superada. Com números ainda em altos patamares, a estimativa é de que a semana epidemiológica 15 se encerre com acumulados semelhantes à anterior, mas a sucessão de recordes deve ser interrompida, após sete semanas de superações. A um dia do fechamento semanal, o país somou 17.415 óbitos. A semana 14 acumulou 21.141 e, para bater um novo recorde, a atualização precisaria ser superior a 3.726. A média móvel do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) está em 2.862. Em relação aos casos, a expectativa é de que haja uma ligeira queda. Nesta sexta, foram registradas mais 85.774 infecções, totalizando 13.832.455 de positivos. Na avaliação de especialistas, a esperada diminuição nas atualizações de casos é reflexo das medidas restritivas adotadas nas últimas semanas.
Inclusão no PNI
Para tentar passar por essa fase de pico da covid-19 e evitar mais perdas, o Ministério da Saúde considera incluir todas as grávidas e puérperas na campanha nacional de vacinação contra a covid-19. “Nós estamos com um trabalho muito forte junto com o PNI para, se for o caso, aumentar essa recomendação para todas as gestantes. A maior parte dos especialistas do Brasil em ginecologia e obstetrícia pede com bastante força que todas as gestantes entrem nessa recomendação”, disse o secretário de Atenção Primária à Saúde, Raphael Parente.
Até o momento, a indicação do Ministério da Saúde é de que gestantes, puérperas e lactantes que possuem alguma comorbidade incluída como grupo prioritário da vacinação tomem a vacina. Já as gestantes sem doenças preexistentes, mas que estão incluídas no público-alvo da campanha por causa da profissão, como profissionais da educação, devem fazer uma avaliação cautelosa dos riscos e benefícios junto ao seu médico para avaliar a aplicação do imunizante contra a covid-19.
Apesar das tratativas para uma inclusão completa das grávidas no PNI estarem avançadas, o secretário alertou ser preciso ter cautela com as recomendações passadas às grávidas, pois a gestação é naturalmente um período trombótico. “Nós temos que ter muito cuidado, porque algumas vacinas, mesmo de forma muito rara, estão mostrando alguns efeitos colaterais nesse sentido”, alertou.
Efeitos raros
No início do mês de abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) incluiu “possíveis ocorrências tromboembólicas com trombocitopenia” no item “Advertência e Precauções” da bula da vacina de Oxford/Astrazeneca. “Trata-se de casos muito raros de formação de coágulos sanguíneos associados à trombocitopenia — diminuição do número de plaquetas (fragmentos de células que ajudam a coagular o sangue) — e, em alguns casos, sangramentos que podem estar associados ao uso da vacina. Os casos foram relatados em alguns países”, informou a Anvisa.
No Brasil, até o momento, foram registrados 47 casos suspeitos de eventos adversos tromboembólicos com pessoas imunizadas com a vacina de Oxford/AstraZeneca, no entanto, a Anvisa esclarece que, até o momento, não foi possível estabelecer uma relação direta e de causalidade entre esses casos com o uso do imunizante. A vacina da Janssen, farmacêutica da Johnson & Johnson, também é investigada após seis pessoas desenvolverem um distúrbio raro envolvendo coágulos sanguíneos. (BL e MEC)
TRF-1 desautoriza importação de vacina
O desembargador federal Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), derrubou, ontem, liminares da 21ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal que autorizaram entidades a importar vacinas contra covid-19 para seus associados sem a autorização prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e sem a necessidade de doar as doses ao Sistema Único de Saúde (SUS), contrariando lei federal sancionada neste mês. As liminares cassadas são do juiz Rolando Valcir Spanholo, que tem proferido autorizações nesse sentido a sindicatos e associações.
Uma das decisões de Souza Prudente envolve uma permissão que havia sido dada à Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo, ao Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo e ao Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Nos autos, Spanholo critica a lei federal 14.125/2021, de março deste ano, dizendo que ela criou “verdadeira (embora camuflada) vedação à importação de vacinas pela iniciativa privada até que se conclua o controverso e mutável programa de vacinação dos chamados ‘grupos de risco’”.
“Afinal, ao não contemplar a hipótese de importação dos imunizantes sem o atendimento da exigência de doação (que deve ser integral), a nova lei desmotiva e inibe a participação da iniciativa privada na busca e no custeio de mais vacinas no mercado externo”, escreveu. Souza Prudente é sucinto, suspendendo a eficácia das decisões monocráticas do magistrado da 21ª Vara até o pronunciamento definitivo da Turma julgadora no TRF-1.
Outro processo envolve a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) e a importação de vacinas sem autorização da Anvisa para vacinação dos associados e seus familiares. Spanholo havia pontuado que “a iniciativa privada não pode continuar sendo excluída desse processo de imunização da população.
Nesse caso, Souza Prudente ressalta que “a despeito da louvável iniciativa da Associação suplicante, na busca de colaborar com o Poder Público na adoção de medidas voltadas a imprimir ritmo mais célere à efetiva imunização contra os nefastos efeitos da pandemia decorrente da covid-19, não se pode olvidar que a importação em referência haverá de se efetivar à luz da legislação”, na qual consta a obrigatoriedade de autorização prévia da Anvisa.
Correio Braziliense