Em audiência, ontem, no Senado, na comissão de acompanhamento das medidas contra a Covid-19, governadores de quatro estados alertaram que a pandemia do novo coronavírus pode provocar o colapso total dos hospitais públicos e privados até o fim deste mês. Isso porque não apenas faltará leitos de unidade de terapia intensiva (UTIs), mas, também, o sistema caminha para sofrer com a ausência de pessoal especializado e do chamado “kit intubação”, conjunto de medicamentos e equipamentos usados para fazer com que um paciente receba oxigenação artificial — o primeiro estado a denunciar a falta desses elementos foi Santa Catarina, há menos de 10 dias.
Esse é o segundo grupo de governadores ouvido pela comissão para relatar como está a situação da pandemia nos seus estados. O governador João Doria foi enfático ao dizer que a estrutura de São Paulo está à beira da completa paralisação. “Jovens com 18, 19, 20 e 25 anos estão sendo hospitalizados em UTIs. São Paulo tem a mais robusta estrutura hospitalar da América Latina, em hospitais públicos e privados. Não há condição de formarmos profissionais para as ações em UTIs. Estamos todos, no Brasil, vivendo um momento de profunda dificuldade e à beira de um colapso total”, assegurou.
Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, relatou que a escalada de casos e mortes em fevereiro foi cinco vezes mais agressiva do que a que se viu nas outras ondas. “Fugiu completamente ao normal da própria pandemia. Vamos até o início do mês de abril com crescimento de ocupação de leitos e vamos ter ainda, infelizmente, aumento de mortalidade por mais algumas semanas. Tivemos no ano passado cerca de 500 óbitos por semana. Já estamos em 1,2 mil. E, infelizmente, as projeções indicam que chegaremos a 2 mil óbitos por semana”, lamentou.
Renato Casagrande, governador do Espírito Santo, relatou que a situação do estado se agravou muito na última semana, pois a ocupação de leitos de UTI saltou de 70% para 88%. “Estamos com mais de 20 estados com o sistema em colapso. Enquanto o sistema está atendendo, o óbito pode ser um pouco mais controlado. Depois que o sistema entra em colapso, as pessoas passam a perder a vida em leitos de unidades de pronto atendimento. Este é um problema grave”, alertou.
Já o governador do Maranhão, Flávio Dino, cobrou da União o pagamento de leitos de UTI criados nos estados. Ele entrou na Justiça para assegurar o credenciamento das unidades de terapia desabilitadas no início deste ano. “Chegamos a ter apenas 300 pacientes com coronavírus internados no Maranhão em dezembro. Hoje, vamos chegar a 2 mil novamente. Tivemos uma multiplicação de seis em dois meses, praticamente. São 1.568 leitos estaduais para coronavírus, fora municípios e rede privada, com a ocupação girando entre 80% e 90% há várias semanas”, disse.
Ameaças e agressões
Mas, além de pedir o apoio do Senado para a negociação, compra e entrega de vacinas contra a covid-19, os governadores ouvidos ontem denunciaram ameaças a parentes durante manifestações do último final de semana contra as medidas que foram obrigados a tomar nos seus estados para conter o avanço da pandemia da covid-19. Todos prestaram solidariedade a Renato Casagrande, cuja mãe, de 88 anos, foi atacada verbalmente, no último domingo, por apoiadores do governo Bolsonaro — manifestantes com carro de som fizeram ameaças em frente ao seu endereço.
Os governadores voltaram, também, a apontar a inexistência de uma coordenação nacional que atue para referendar as medidas preventivas aplicadas pelos governos estaduais. E pediram a participação do Senado em negociações diplomáticas com outros países para aquisição das vacinas. “O governo tem que passar a exercer uma coordenação dessa ação, o que não fez até agora, contraditoriamente. O governo federal ajudou estados e municípios no ano passado com recursos e vai continuar ajudando neste ano, mas, contraditoriamente, na política e na ideologia, o governo acaba tendo um comportamento que atrapalha muito o enfrentamento à pandemia. Então, é preciso que o governo mude, mas nós não acreditamos muito na mudança”, disse Casagrande.
PL antifraude prevê acompanhamento
A proposta de lei que visa evitar fraudes na vacinação contra a Covid-19 está entre os assuntos que serão votados, hoje, no Congresso Nacional. De autoria do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), o Projeto de Lei 496/2021 garante o direito da participação de um acompanhante para registro no momento da imunização e, também, a punição de quem tentar furar a fila. A presença do acompanhante durante a vacinação deve ser garantida, desde que não prejudique a aplicação. O PL permite que o registro da ocorrência seja feito pela internet. Nos casos em que não houver a prisão em flagrante, o projeto prevê a alteração no prazo para elaboração do inquérito penal de 30 dias, com base no Código Penal, para 20 dias.
Quase 272 mil registros em cartório
Os cartórios de todo o país já registraram 271.925 óbitos por Covid-19, nos últimos 12 meses. Segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), o levantamento — realizado entre os dias 16 de março de 2020 e ontem —, mostra que a média móvel de registros de mortes em sete dias “com suspeita ou confirmação de Covid-19” está em 1.352. No caso de São Paulo, estado onde há a pior situação da pandemia, a média móvel é de 354 certidões de morte lavradas.
Nesse período, a faixa etária que apresentou o maior número de registro de óbitos foi entre 70 e 79 anos. De acordo com o Painel da Transparência da Arpen Brasil, 40.931 certidões de morte por Covid-19 foram lavradas para homens, 29.720 para mulheres e outras 13 para sexo ignorado. A faixa de idade entre 60 e 69 foi a que apresentou o segundo maior número de registros: 36.182 homens, 24.325 mulheres e sete não identificadas.
A família da vítima tem até 24h, após o falecimento, para registrar o óbito em cartório que, por sua vez, tem até cinco dias para efetuar o registro de morte. Depois, tem até oito dias para enviar o registro para a Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), que atualiza o portal da Arpen Brasil.
Espera de 5 horas
Com um tempo de espera de aproximadamente cinco horas e um aumento vertiginoso no número de mortes pela Covid-19 em todo o Rio Grande do Sul, uma decisão judicial determinou a transferência do local onde acontece o plantão dos cartórios em Porto Alegre. A decisão da juíza plantonista Keila Silene Tortelli, tomada no último domingo, tem por objetivo “atender melhor a sociedade e as famílias em luto, uma vez que a estrutura do cartório não suporta a demanda, que tem sido superior ao dobro do normal”.
A determinação veio depois que imagens de imensas filas nas redondezas da Central de Atendimento Funerário (CAF), que presta o serviço cartorial nos finais de semana, de pessoas que tentavam registrar o óbito de parentes, começaram a circular nas redes sociais. A certidão, de acordo com a decisão judicial, passará a ser feita no Cartório de Registro do Registro Civil das Pessoas Naturais da 5ª zona, no bairro Cristal, na capital gaúcha.
Segundo a CAF, a demanda diária dos serviços de liberação de sepultamentos, cremação e outros aumentou mais que o dobro e, na última semana, somou 729 — o recorde foi no último sábado, com 148 pedidos. Mas, ao longo de toda a semana passada, os números estiveram acima da centena, devido ao descontrole da pandemia vivido em Porto Alegre.
A transferência de local vale por 30 dias. Além disso, no CAF não é possível aumentar o número de atendentes por se tratar de um espaço exíguo, de aproximadamente 5m². “Sendo público e notório o aumento de casos de óbitos em razão da pandemia, que se encontra em fase mais crítica no estado e na cidade de Porto Alegre, classificada como bandeira preta, acolho a justificativa”, salientou a juíza, na decisão.
A média de registros nos meses de março de 2018, 2019 e 2020 foi de 50 por dia. Mas, somente nos primeiros 15 dias deste mês, foram lavradas 1.157 mortes em Porto Alegre.
Queda nas mortes, mas ainda estão além de mil
O Brasil se aproxima rapidamente da marca de 280 mil mortos pela Covid-19, mas, entre domingo e ontem, o país apresentou uma queda no número de óbitos pela doença: 1.057. De acordo com os números do painel diário coletado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), a quantidade de casos em 24 horas foi de 36.239 para o novo coronavírus.
Na semana epidemiológica 10, que compreende o período entre 7 e 13 de março, o número de óbitos foi de 12.766. A taxa de mortalidade está, agora, em 132,9 por 100 mil pessoas. O total de casos confirmados chegou a 11.519.609.
Na audiência de ontem, no Senado, o governador João Dória, de São Paulo, afirmou que os 21 gestores que integram o Fórum de Governadores têm feito um “esforço gigantesto” para alinhar ações de enfrentamento ao momento mais crítico da crise sanitária. Diante disso, têm recebido ameaças pessoais por adotar medidas de combate à disseminação do coronavírus. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, creditou ao governo federal o atraso da oferta de imunizantes no Brasil. “Existe a culpa do governo, que colocou o Brasil no final da fila porque ficou negando durante muito tempo a importância da vacina, não é? Foi negacionista, criticou, atacou as vacinas, então, o Brasil pegou o fim da fila para conseguir vacinas. Negociou mais de 500 milhões de doses, mas a maior parte vai chegar só no segundo semestre”, lamentou.
A mudança de comportamento do presidente Jair Bolsonaro, segundo os governadores, é fundamental para que o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga — que foi confirmado ontem à noite, em substituição a Eduardo Pazuello — possa ter autonomia e consiga desempenhar um plano efetivo de combate ao cenário pandêmico em sintonia com estados e municípios.
“O que eu vi é que o problema está nas orientações que o presidente dá. Infelizmente, se não houver mudança nas atitudes do presidente, não há ministro que consiga trabalhar com a sabotagem feita pelo próprio presidente da República às medidas necessárias para o combate ao coronavírus”, disse Leite, que pediu apoio dos senadores para buscar, junto a Bolsonaro, uma mudança de comportamento quanto às medidas para conter a pandemia, como distanciamento social.
Correio Braziliense