Em uma era definida pela informação instantânea e pela interconectividade global, a liberdade de expressão enfrenta desafios sem precedentes com a ascensão das fake news. Este fenômeno, caracterizado pela disseminação deliberada de informações falsas ou enganosas, ameaça não apenas a integridade do debate público, mas também os alicerces da democracia. A liberdade de expressão, um direito fundamental consagrado em constituições e tratados internacionais, promove a diversidade de opiniões e a participação cidadã. No entanto, a proliferação de notícias falsas exige uma reflexão jurídico-té cnica sobre os limites desse direito.
As fake news diferem de simples erros ou interpretações divergentes por sua intenção de enganar, podendo minar a confiança nas instituições, polarizar sociedades e incitar a violência. Diante desse cenário, emerge a questão: como equilibrar a proteção à liberdade de expressão com a necessidade de combater a desinformação?
A liberdade de expressão é amplamente reconhecida como um direito não absoluto, sujeito a restrições destinadas a proteger outros direitos e interesses públicos. A luta contra as fake news se insere nesse contexto, justificando medidas que, embora limitem esse direito, são proporcionais e necessárias para preservar a ordem democrática.
A regulação das fake news representa um desafio complexo. Medidas excessivamente amplas ou imprecisas correm o risco de reprimir o debate legítimo, enquanto a inação pode deixar o campo livre para a manipulação da verdade. A resposta a esse dilema passa pela implementação de estratégias jurídicas e regulatórias equilibradas.
Diversos países têm explorado legislações específicas para enfrentar o problema das fake news. Na Alemanha, a Lei de Execução da Rede (NetzDG) exige que plataformas de mídia social removam conteúdo ilegal, incluindo notícias falsas, em um prazo específico sob pena de pesadas multas. Em Singapura, a Lei de Proteção contra Falsidades e Manipulação Online (POFMA) permite que o governo exija a correção ou remoção de informações consideradas falsas. Na França, a lei sobre a manipulação da informação visa combater a disseminação de notícias falsas durante períodos eleitor ais.
Além da legislação, a verificação de fatos por organizações independentes e a autoregulação de plataformas digitais surgem como soluções complementares. Estas estratégias promovem a responsabilidade e a transparência, permitindo que a sociedade civil e as empresas de tecnologia desempenhem um papel ativo no combate à desinformação, sem necessidade de intervenção estatal direta.
A educação midiática também se destaca como uma ferramenta vital, capacitando os cidadãos a discernir entre informações confiáveis e falsas, fortalecendo assim a resiliência da sociedade diante da desinformação.
Confrontar as fake news, portanto, requer uma abordagem multifacetada que equilibre a proteção à liberdade de expressão com a promoção de um espaço público informado e confiável. A legislação pode oferecer um caminho, mas a solução definitiva reside na combinação de leis cuidadosamente elaboradas, práticas de autoregulação responsáveis e um público bem informado e crítico.
João Ibaixe Jr. é advogado criminalista, ex-delegado de polícia, especialista em Direito Penal, pós-graduado em Filosofia, Ciências Sociais e Teoria Psicanalítica e mestre em Filosofia do Direito e do Estado.
Jonathan Hernandes Marcantonio é Doutor em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Professor Universitário. Advogado com ênfase em Direito Público. Ex-professor da USP Ribeirão Preto.