O presidente Jair Bolsonaro retomou a queda de braço com a Polícia Federal. Após ter dado sinais de intervenção na corporação e depois ter voltado atrás em comentários feitos na última semana, ele retornou ao embate. Dessa vez, com intensidade acentuada, insinuando não mais mudanças em alguma superintendência, mas, sim, no comando da instituição. Declarou não ver problemas em exonerar o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, manifestando que essa é uma prerrogativa dele, e não do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Sem cravar de maneira afirmativa a permanência de Valeixo, Bolsonaro disse que a decisão da permanência ou não do chefe da PF é dele e será comunicada “na hora que achar correto”. “Se é para não (ter) interferência, o diretor anterior (Rogério Galloro) a ele (Valeixo) tinha de ser mantido. Ou a PF agora é um órgão independente? A PF orgulha a todos nós. E a renovação é salutar, é saudável”, declarou. “Ele (Valeixo) é subordinado a mim, não ao ministro (Moro). Eu que indico (o diretor-geral). Está na lei.”
No mesmo contexto sobre a situação de Valeixo, o presidente manifestou, contudo, não ter interesse em propor mudanças na PF ou em outro ministério. “Se eu for trocar diretor-geral, ministro que for, a gente vai na hora certa. Não pretendo trocar ninguém. Por enquanto, está indo bem o problema. Agora, quando der algo errado, a gente chama, conversa”, disse. Entretanto, divagou ao ser questionado se uma troca no comando da corporação está descartada. “Hoje? Dia 22 de agosto (nesta quinta-feira)? Tudo pode acontecer na política”, declarou.
O chefe do Executivo lembrou que 11 superintendentes foram trocados, e a polêmica sobre ele interferir na PF decorreu após comentários a respeito da mudança na superintendência do Rio de Janeiro. Ele sinalizou que uma possível mudança na diretoria-geral pode estar associada à opção de Valeixo pelo superintendente de Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira, para comandar a chefia fluminense, e não o superintendente do Amazonas, Alexandre Silva Saraiba, como deseja. “Quando eu sugiro um cara de um estado para ir para lá, ‘está interferindo’. Se eu não posso trocar superintendente, eu vou trocar o diretor-geral”, disse.
Ameaça
O que para Bolsonaro é classificado como mudança, não interferência — termo rechaçado por ele —, foi recebido como ameaça por delegados da PF. Como resposta, a cúpula da corporação ameaça entregar os postos de comando, em movimento que, pela natureza estratégica da carreira, poderia ocasionar impactos negativos às operações. Em conversas reservadas, esse foi um dos assuntos mais comentados, nesta quinta-feira (22/8), na 4ª edição do Simpósio Nacional de Combate à Corrupção, em Salvador.
Apesar do temor pela exoneração de Valeixo, o alto escalão da PF não acredita na possibilidade de queda, justificando que, se o diretor-geral cair, “todo mundo sai”. Mesmo descrentes com as possibilidades de demissão, o ambiente de incertezas em relação ao futuro do comando da corporação preocupou. “É o pior momento para essa troca, principalmente depois do episódio de tentativa de interferência em superintendências regionais”, justificou o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva.
A queda de braço entre Bolsonaro e a cúpula da PF atingiu, em cheio, Sérgio Moro. Pessoas próximas do ministro admitem que ele ficou incomodado não com as palavras do presidente, mas, sim, com o tom que as usou.
Bastidores
Ministros com ligações dentro da PF e policiais acreditam que uma disputa de poder dentro da corporação esteja por trás de toda a crise. “As informações apontam que um grupo da PF mais ligado ao Planalto tenta desgastar a imagem de Valeixo e de Moro com Bolsonaro”, disse um servidor de alto escalão. O mesmo ponto de vista é compartilhado entre os delegados.
A ameaça de abandono de postos de comando na instituição é interpretado pelo presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Boudens, como pressão pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 412/2009, que trata da autonomia funcional, administrativa e orçamentária da corporação.
O presidente da Fenapef nega que a preocupação esteja atrelada à disputa com os delegados da PF, que dura há uma década, mas, sim, em relação aos potenciais impactos que a medida pode gerar ao ministro da Justiça, Sérgio Moro. “A PEC coloca, sim, o enfraquecimento do ministro em face de uma declaração do presidente”, contextualizou Boudens.
A autonomia funcional sugerida pela PEC 412 possibilitaria à PF atuar independentemente do Executivo, não recebendo mais influências do governo. Poderia, assim, adotar medidas legais perante agentes, órgãos ou instituições sem a permissão do Ministério da Justiça e do presidente da República. “É um texto simplório que retira a estrutura da PF e coloca a instituição em condições de fragilidade. Se existir esse movimento, é algo para se preocupar e tentar enfraquecer o ministro Moro”, acusou Boudens.
A proposta de autonomia foi defendida pelos delegados no simpósio em Salvador. Eles rechaçam, porém, a associação ao enfraquecimento de Moro e atribuem ao desejo de impedir interferências políticas na gestão.