“Priorizei a empresa e estou realizada”, “se tivesse priorizado o trabalho e não tivesse dedicado o momento para minha filha me sentiria muito arrependida”, “é maravilhoso almejar e conquistar e ter uma empresa que ajuda famílias”. As frases ditas por mulheres traduz bem o lema de milhões de brasileiras: “lugar de mulher é onde ela quiser”.
A realidade, no entanto, não é tão fácil quanto parece. Mesmo com os avanços dos direitos femininos, elas ainda lutam para defenderem suas vontades e escolhas, seja no seu próprio negócio ou optando por cuidar da casa.
A empreendedora Camilha Milhorini, de 36 anos, é diretora-executiva de uma rede de fast food saudáveis, o Mr Fit. A empresa possui mais de 117 unidades pelo Brasil e emprega 590 funcionários. Camila, que sempre gostou da ideia do empreendedorismo, conta que encontra dificuldades por estar em um ambiente que é considerado, muitas vezes, masculino. “Eu me deparo no dia a dia que além de fazer o esforço para alavancar minha empresa, tenho que lutar para ser reconhecida como empresária mulher porque o poder sempre foi associado ao homem”, relata.
O perfil de Camila ainda é raridade no mercado de trabalho brasileiro. Segundo a pesquisa International Business Report – Women in Business, da Grant Thornton, o índice brasileiro de mulheres em cargos de CEOs e de diretorias executivas era de apenas 16% em 2017.
O preconceito acaba se tornando diferença salarial, geralmente inferior à média dos homens que exercem o mesmo cargo. Camila lembra, inclusive, que já chegou a ouvir de um parceiro que não manteria relações porque ela ganhava mais que ele.
Para a psicóloga da PUC-SP Cecília Troiano, o machismo explica esse tipo de comportamento social, uma barreira a ser derrubada. “Há ambientes que ainda olham torto para mulheres em posições de liderança, há indústrias ainda bem fechadas para mulheres. Vejo que essa transformação precisa começar na casa de cada um de nós – “é de pequeno que se torce o pepino”. Educando nossos filhos e filhas de forma igual, mostrando e praticando a igualdade dentro de casa, na fala e acima de tudo, na prática”, indica a especialista.
Longe do mercado de trabalho, Valnice Moraes Reis Tintilio, de 47 anos, optou por um caminho diferente. Ela faz parte do índice de 27% das mulheres no mundo que preferem ficar em casa, exercendo um trabalho não remunerado, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Valnice optou por ficar em casa assim que soube que estava grávida e tomou a decisão, junto com seu marido, de que largaria o trabalho de vendas para cuidar em tempo integral da filha. Não demorou para que sentisse reprimida por amigos e conhecidos.
Segundo a psicóloga Cecília Troiano, há uma pressão social para que haja sucesso na carreira profissional, em vez de levar em conta a opinião da mulher.
“O empoderamento feminino trouxe, em primeiro lugar, a liberdade de escolha. Mulheres empoderadas são aquelas que podem escolhem o que querem para suas vidas. Apesar disso, ainda há uma pressão para que as mulheres saiam de casa, busquem uma vida profissional. Em certa medida, isso contraria o empoderamento. Há uma patrulha social para que mulheres produzam, sejam independentes. Estar em casa é, assim, a antítese disso. Embora possa ser uma escolha, ficar em casa e cuidar dos filhos, há uma pressão social para que isso não aconteça. Seremos realmente empoderadas no dia que todas as opções, todos os caminhos, todas as profissões, até mesmo não ter uma, seja possível”, analisou ela.
Satisfação pessoal
Mesmo com perfis e idades diferentes, Camila e Valnice têm algo em comum: a satisfação pessoal. Camila comemora por hoje ter o poder de escolha, mesmo com as dificuldades que enfrenta todos os dias que sai de casa para trabalhar.
“Eu priorizei isso. Hoje eu me sinto realizada, acho que a gente mudou um pouco o sonho da mulher. A grande diferença é que antigamente as mulheres não tinham essa opção. Eu não poderia escolher entre ser uma empresária ou cuidar de uma família. Era cuidar de uma família. Hoje a gente tem essa opção”, afirma.
Valnice também não se arrepende da decisão que tomou. “Eu me arrependeria muito se tivesse perdido minha filha nos primeiros meses de gravidez, se eu tivesse insistido em trabalhar e não poderia ter filho novamente, então não me realizaria como mãe. Para mim, foi a decisão mais correta e acertada na minha vida, era o que fazia sentido para mim, era o que eu queria. Se eu não tivesse tido filhos, acredito que me sentiria muito arrependida hoje se tivesse priorizado naquele momento o trabalho”, ressalta.
A psicóloga Cecilia Troiano salienta que, independentemente do rumo que tomar na vida, as mulheres têm que ser respeitadas. “O que as mulheres fazem dentro de casa e para a família, todos os dias. Outra é a de assumir, sem culpas, sem medos, sua decisão. Ela ainda precisa “se desculpar” por ter feito essa opção. Essa é a luta pela aceitação da forma que ela escolheu para viver, que pouco importa a ninguém, a não ser para seu núcleo familiar”, completa.
Fonte: Agência do Rádio Mais