Em meio às revelações da Operação Tempus Veritatis, que coloca o ex-presidente Jair Bolsonaro no centro de uma suposta tentativa de golpe de Estado, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou, nesta segunda-feira (4), que as investigações conduzidas pela Polícia Federal “estão revelando que estivemos mais próximos que pensávamos do impensável”.
“Achávamos que já havíamos percorrido todos os ciclos do atraso institucional para termos que nos preocupar com ameaça de golpe de Estado no século XXI”, disse o ministro em Aula Magna para os alunos de Direito da PUC de São Paulo.
Barroso comentou como, em 35 anos de estabilidade institucional, após a promulgação da Constituição de 1988, o País atravessou momentos difíceis – “dois impeachments, casos imensos de corrupção” – mas não foi cogitada solução “que não fosse o respeito à legalidade constitucional e às regras do jogo democrático”.
“Esse problema só entrou no radar, infelizmente, nos últimos anos. E vai ficando para trás. Mas entrou de uma maneira muito preocupante”, narrou o presidente do Supremo.
Barroso fez pesada crítica aos militares, citando “deslealdade”. Segundo ele, a politização das Forças Armadas “talvez tenha sido uma das coisas mais dramáticas para a democracia”.
“Tenho o maior respeito, porém foram manipulados e arremessados na política por lideranças. Fizeram um papelão no TSE. Convidados para ajudar na segurança e transparência foram induzidos por uma má liderança a ficarem dando suspeitas falsas, quando a lealdade é um valor que se ensina nas Forças Armadas”, frisou.
O ministro apontou como, após a redemocratização, as Forças Armadas “tiveram comportamento exemplar no Brasil, de não ingerência e interferência, de cumprir suas missões constitucionais”.
A indicação se dá dias após o ex-comandante do Exército general Marco Antônio Freire Gomes confirmar à Polícia Federal a participação em reuniões em que foram discutidos os detalhes da “minuta do golpe”.
O militar foi chamado a depor em razão das mensagens recebidas do ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid. Nelas, Cid afirma como Bolsonaro “mexeu” em minuta de decreto golpista que previa a realização de novas eleições após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas. O plano consistia, inclusive, na prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes.
Barroso falou sobre os militares e a tentativa de golpe de Estado enquanto discorria sobre democracia, tema principal da Aula Magna. O ministro reiterou ponderações que já fez em outras ocasiões. Ele destacou os mecanismos usados pelo “populismo de extrema direita contra os regimes democráticos”.
Citou o uso das plataformas digitais para “disseminar discurso de ódio e tentar destruir reputações”. Deu ênfase ao que considera “uso abusivo da religião”.
“Não se pode aparelhar a religião para servir a causas”, advertiu. “Você usar a religião e dizer “o meu adversário é o demônio” é uma forma pavorosa de manipular a crença e a ingenuidade das pessoas.” Para ele, este é um fenômeno “global”.
O ministro fez referência a questões atribuídas ao governo Bolsonaro, sem citar nominalmente o ex-presidente – como já fez em outros discursos.
Ressaltou que os apontamentos são “fatos, já que juiz não tem opinião política”. Olhando para a administração do ex-presidente, o ministro citou o “esvaziamento dos organismos da sociedade civil, o desmonte dos órgãos de proteção ambiental, a não demarcação das terras indígenas, o negacionismo durante a pandemia (enfatizando “má gestão”). “Um antiambientalismo que preferia a inércia e falsas acusações de fraudes no sistema eleitoral.”
“Além de coisas que ficamos sabendo, como o uso da inteligência governamental para perseguir adversários, o incentivo aos acampamentos de golpistas, o desfile de tanques na praça dos Três Poderes, o ataque à imprensa, culminando no 8 de janeiro, que não foi um processo espontâneo, mas uma articulação ampla”, afirmou.
“Vivemos momentos muito difíceis e agora sabemos que um pouco mais difíceis do que imaginávamos, mas as instituições venceram e acho que estamos em um processo de reconstrução”, disse o ministro.