O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou, na semana passada, durante participação no MBA Brasil, em Chicago, que os aplicativos de bancos, como Bradesco e Itaú, devem acabar nos próximos dois anos, devido ao crescimento do Open Finance. Ele explicou que o sistema, que vai permitir o compartilhamento de informações financeiras, deve mitigar a necessidade de possuir aplicativos de diferentes bancos, criando assim, um “superapp”. “Será um aplicativo agregador que, pelo Open Finance, dará acesso a todas as contas”, comentou, na ocasião.
A ideia de criar um superaplicativo não é de agora, Campos Neto já falou em outros momentos que os dias das várias ferramentas de bancos que ocupam espaço nos smartphones dos brasileiros estão contados. Durante o Fórum de Gestão Empresarial da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado do Paraná (Faciap), em agosto, o presidente do BC apresentou o projeto de superapp. O objetivo, segundo ele, é que o aplicativo, também conhecido como “agregador financeiro”, traga todas as informações do cliente e ferramentas bancárias às quais ele tem acesso em um só lugar.
“Você vai ter seu fluxo (financeiro, de todos os bancos) consolidado em um instrumento só. Hoje, a gente paga o cartão de crédito, e tem aquele ‘dois de três (parcelas), cinco de oito’, e você não sabe mais quanto que você deve. Com o Open Finance, você vai apertar um botão e vai ter, lá, todo o seu fluxo de caixa”, explicou Campos Neto.
O superaplicativo faz parte do projeto, inicialmente intitulado Open Banking, liderado pelo Banco Central. A ideia é que os clientes compartilhem os seus dados financeiros com os bancos para conseguir as melhores condições bancárias e de crédito. A tendência é que isso aumente a concorrência entre os bancos e fintechs.
Segundo o chefe do BC, entre as funções possíveis estariam, por exemplo, a possibilidade de checar a taxa de juros de cada banco antes de pagar algo com crédito; escolher de qual banco será retirado dinheiro no caso de uma transferência; conversor de moeda física para moeda digital; e a realização de investimentos. “Se quiser fazer crédito, vai aparecer a taxa de juros de cada banco para aquela operação. Vai poder competir on-line pela sua operação”, destacou.
Para José Luiz Pagnussat, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF) e professor de planejamento governamental da Universidade de Brasília (UnB), Campos Neto pode estar exagerando sobre o potencial e a velocidade da mudança nas relações entre os bancos e seus clientes. “É certo que o compartilhamento de dados e informações financeiras entre as instituições, com autorização dos clientes, vai possibilitar a utilização de apenas um aplicativo financeiro. O que facilitaria para os correntistas nas suas operações financeiras”, afirmou.
“Porém, o Brasil é muito grande e diverso. Estamos ainda avançando para a universalização do acesso da população ao sistema financeiro, e a grande parcela da população tem apenas uma conta-salário. Não acho que isso vai ser tão radical como coloca o presidente do BC, nem nas economias desenvolvidas. O ‘superaplicativo’ é uma possibilidade, mas, como os teóricos da modernização alertaram ao longo da história, é necessário que o consumidor se convença e aceite que o novo lhe trará alguma vantagem”, pontuou.
Estímulo à concorrência
O especialista em economia e inteligência artificial Eduardo Ibrahim, expert da SingularityU Brazil, frisou que, para o consumidor, o Open Finance traz maior conveniência e controle. “Em vez de gerenciar múltiplas contas e aplicativos, usuários poderiam ter uma visão integrada de suas finanças. Além disso, a portabilidade e a comparabilidade em tempo real, oferecidas pelo sistema, facilitariam a comparação de produtos e serviços financeiros, promovendo uma escolha mais informada e, possivelmente, melhores condições de crédito e investimentos”, disse.
Ibrahim destacou ainda a principal diferença entre os bancos tradicionais e o Open Finance. “Enquanto os sistemas bancários tradicionais operam de forma mais isolada e proprietária, o Open Finance baseia-se na ideia de compartilhamento de dados entre diferentes entidades financeiras com a aprovação do cliente. Isso facilita a criação de serviços mais personalizados e integrados, além de fomentar a inovação e a concorrência no setor financeiro, aumentando a eficiência e a colaboração no setor que pode servir como modelo também para outras áreas, como a saúde”, afirmou.
Melhora “gradual” na competição entre os bancos
O Open Finance é uma iniciativa que visa promover a abertura e o compartilhamento de dados financeiros de maneira segura e consentida pelos usuários. Desde o seu anúncio, o programa do Banco Central tem despertado grande interesse no setor financeiro, reguladores e consumidores, com expectativas de promover maior concorrência, inovação e benefícios para os usuários.
Em outubro, o BC deu início a uma nova fase do Open Finance. Com isso, os usuários passaram a poder compartilhar informações de investimentos em fundos, renda fixa e renda variável com as instituições participantes. A nova etapa é conhecida como Open Investment.
“Com o Open Investment, as instituições poderão ofertar produtos e serviços relacionados a investimentos que sejam mais adequados aos seus clientes e que facilitem o gerenciamento financeiro. Um dos possíveis benefícios é maior facilidade e agilidade para consolidar os dados de investimentos dispersos em várias instituições custodiantes — instituições que intermedeiam operações de compra e venda de ativos”, afirmou Matheus Rauber Coradin, assessor sênior do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do BC.
Para isso, o cliente acessa o aplicativo ou o internet banking da instituição que deseja que receba as informações e autoriza que ela busque seus dados de investimentos que estão em outras custodiantes. “Outra vantagem é poder receber melhores ofertas em termos de taxas de rentabilidade e também aconselhamento mais preciso sobre gestão da carteira”, explica Coradin.
Fazem parte dessa nova etapa os seguintes produtos: Certificado de Depósito Bancário (CDB), Recibo de Depósito Bancário (RDB), Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), debêntures,títulos públicos federais disponibilizados pelo Tesouro Direto; cotas de fundos de investimento (renda fixa, ações, câmbio e multimercado), ações e cotas de fundos de índices listados na Bolsa de Valores.
O escopo de investimentos estará acessível às pessoas e às empresas clientes de instituições que são participantes do Open Finance na modalidade de compartilhamento de dados, todas elas autorizadas e supervisionadas pela autarquia. Vale destacar que o compartilhamento só acontece por vontade do cliente.
Outras etapas
Desde 2021, o Open Finance, que é a evolução do Open Banking, passou por outras três etapas junto às instituições financeiras participantes. A fase um foi a de compartilhamento de dados institucionais entre as instituições financeiras; já a fase dois, compartilhamento de dados dos clientes entre as instituições financeiras; a três, para a utilização de serviços independentemente de qual aplicativo das intuições financeiras esteja usando; e a fase quatro, para o compartilhamento de dados de produtos e serviços dos clientes e das instituições financeiras.
De lá para cá, foram feitos cerca de 40 milhões de consentimentos para compartilhamento de dados no âmbito do Open Finance, segundo dados da autoridade monetária. A última fase ainda contemplará dados sobre câmbio e credenciamento, e está prevista para 2024.
Segundo o especialista em crédito internacional Luciano Bravo, é possível verificar que houve um início tímido do processo de Open Finance no sentido de aderência. “Mas, agora, tivemos um grande aumento de pessoas autorizando e buscando esse cadastramento. O que mudou é que os clientes hoje entendem que não precisam mais ficar ‘reféns’ de uma única instituição financeira, e que com seus dados abertos podem receber ofertas de inúmeros bancos”, explicou.
Bravo apontou que os clientes que aderiram ao Open Finance já conseguem sentir uma diferença, como a melhora na competição entre os bancos e recebimento de ofertas. “Acredito que o processo está acontecendo de maneira gradual, com novos entrantes ao Open Finance. No entanto, sabemos que precisamos buscar melhores formas de estimular esse acesso aos novos ingressantes/clientes. O Banco Central vem se empenhando para aprimorar a sua ferramenta e conseguiu fazer frente às solicitações dos bancos, e aumentar a velocidade nesse processo de Open Finance.”
As informações são do Correio Braziliense.