O presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, participam do lançamento do Canal Educação e do Canal Libras, no Palácio do Planalto.
Fora da disputa à Presidência em 2026 após duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o deixaram inelegível, o ex-presidente Jair Bolsonaro vê no Senado um flanco para desgastar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e manter o capital político da oposição. A médio prazo, o plano inclui a formação de um bloco contra pautas do Palácio do Planalto e uma ofensiva em busca de maioria na Casa nas próximas eleições, quando 66% das cadeiras serão renovadas (54 de 81).
Durante essa semana, Bolsonaro reuniu a tropa do PL e determinou uma operação para derrubar a Reforma Tributária. O texto acabou sendo aprovado, mas por margem estreita, apenas quatro votos acima do necessário. O resultado em si foi uma derrota para o bolsonarismo. O placar, contudo, dá fôlego aos oposicionistas em um plenário que há duas semanas rejeitou pela primeira vez uma indicação de Lula para a Defensoria Pública da União (DPU), em um recado claro para o presidente.
Senadores da oposição alardearam que há risco até para uma eventual indicação do ministro Flávio Dino (Justiça) ao Supremo Tribunal Federal (STF), cenário que vem preocupando o Planalto.
Levantamento feito pelo GLOBO com base em seis votações de temas relevantes na Casa desde junho mostra que há um “núcleo duro” alinhado a Bolsonaro, com 24 senadores. Este grupo, que equivale a quase um terço do Senado (cerca de 30%), votou contra Lula em ao menos quatro destes projetos.
Há neste bloco as bancadas completas de PP (seis) e Republicanos (quatro), partidos que foram contemplados na reforma ministerial de Lula, mas demonstram aproximação com o Executivo apenas na Câmara.
Michelle é ‘coringa’
Dentro deste quadro conturbado para as forças governistas, há mais dificuldades à vista. Em 2026, dos 54 senadores que terão os mandatos encerrados, 18 são da oposição (sendo nove da tropa do ex-presidente) e 36 da base — é justamente nessa fatia maior que o bolsonarismo está de olho. O PL e o PP já trabalham com nomes para ocupar esse espaço, casos da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, de governadores próximos ao ex-presidente, como o do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), e de ex-ministros, a exemplo de João Roma (PL), na Bahia.
No PL, o presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, tem se reunido semanalmente com Bolsonaro e o ex-ministro Walter Braga Netto, que também teve a inelegibilidade determinada pelo TSE. O objetivo é traçar cenários e buscar mais nomes com potencial, para almejar a conquista de ao menos uma vaga para a direita em cada estado.
No Rio, berço do bolsonarismo, a expectativa é manter toda a bancada alinhada à direita, com a reeleição de Flávio Bolsonaro (PL) e novos nomes no páreo.
— Não acho que esse quadro de toda bancada de oposição vai se reverter, e a direita deve voltar mais fortalecida em 2026— afirmou o senador Carlos Portinho (PL-RJ).
O parlamentar pretende concorrer à reeleição, mas poderá enfrentar uma disputa interna com outros nomes do seu grupo político, como o governador Cláudio Castro, também do PL.
Já no Distrito Federal, quem seguirá no mandato é a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), também envolvida nas articulações para incrementar a bancada.
—Isso está bem trabalhado, inclusive estamos apresentando candidatos para as eleições municipais já pensando em 2026. Esperamos fazer uma bancada que seja maior do que a de 2022 — disse Damares.
Entre os cotados no Distrito Federal, além de Michelle Bolsonaro, estão a deputada Bia Kicis (PL-DF) e o governador Ibaneis Rocha (MDB), que não poderá concorrer a uma nova reeleição. O nome da ex-primeira-dama, no entanto, é considerado um coringa que pode ser usado em outros estados, caso seja necessário para o xadrez político.
Após ganhar um cargo no PL Mulher, Michelle tem percorrido o país em eventos nos quais defende uma maior participação feminina na política. Internamente, ela tem sido apontada como uma das principais apostas do partido.
Já em São Paulo, a intenção é abocanhar cadeiras ocupadas pela centro-direita. Os mandatos dos senadores Mara Gabrilli (PSD) e Giordano (MDB) acabam. Hoje, nomes vistos com o potencial para conquistar as vagas são os dos deputados Eduardo Bolsonaro e Ricardo Salles, ambos do PL.
Em Minas Gerais, onde o senador Cleitinho (PL-MG) se elegeu no ano passado com um jingle crítico ao STF, o partido gostaria de lançar o deputado Nikolas Ferreira, fenômeno nas redes sociais. Ele, no entanto, terá 30 anos em 2026, sem a idade mínima necessária para o cargo (35 anos). Uma das opções é apostar na reeleição do senador Carlos Viana, atualmente no Podemos.
— Por serem eleitos pelo voto majoritário, os senadores sofrem maior pressão da base bolsonarista. Há muitos ex-ministros de Bolsonaro na Casa, o que também facilita a articulação dele — analisa o cientista político Bruno Schaefer, da Universidade do Estado do Rio (Uerj).
Pressão no STF
Em 2018, quando também estavam em jogo 54 vagas no Senado, houve renovação recorde, puxada pelo desempenho de Bolsonaro na corrida pelo Palácio do Planalto. Na ocasião, de 32 senadores que tentaram renovar o mandato, 24 naufragaram.
O foco no Senado tem uma razão estratégica. Com a proximidade cada vez maior entre o Planalto e a cúpula da Câmara, é na Casa vizinha que a oposição tem encontrado mais espaço para suas pautas, como a limitação de poderes de ministros do STF, tema que tem avançado. Também é o Senado que recebe pedidos de impeachment de ministros da Corte, agenda que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem travado. A interlocutores do Supremo, ele já fez alertas sobre a possibilidade de o bolsonarismo ampliar ainda mais o espaço na casa.
Ministros da Corte, no entanto, minimizam a possibilidade de um Senado majoritariamente de direita e com tendências anti-STF. Reservadamente, há ponderações sobre as chances de crescimento da direita mais radical e a crença na aproximação de lideranças da centro-direita consideradas mais comedidas, como, por exemplo, a senadora Tereza Cristina (PP-MS).
O Globo