Congresso em Foco
Depois de muita discussão em plenário e sob a ressaca da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem (quarta, 7), de manter Renan Calheiros (PMDB-AL) na Presidência do Senado, chegou à última etapa de tramitação a proposta que limita o gasto público por 20 anos (PEC 55/2016), ficando pronta para votação em plenário. Acusado de ter “tratorado” o regimento interno e a objeção dos oposicionistas, que queriam discutir a matéria por mais tempo, Renan fez valer a vontade da maioria e viabilizou a realização das três sessões de discussão antes da votação em segundo turno, marcada para próxima terça-feira (13). O peemedebista foi além e, depois de anunciar acordo em plenário – contestado pela oposição –, disse que o texto já estaria promulgado dois dias depois, na quinta-feira (15).
“Essa matéria é uma proposição sujeita a disposições especiais, conforme o Título IX do Regimento Interno [do Senado]. Portanto, não se aplica. Os [artigos] 189 e o 363 são claros em dizer que não pode contar para discussão da matéria sessão extraordinária”, reclamou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ao microfone do plenário.
“Eu queria só lembrar que nós já votamos a PEC em primeiro turno. Nós vamos apenas votar a PEC em segundo turno, no dia 13, conforme um calendário que ficou estabelecido com os líderes – com todos os líderes. E esse calendário hoje tem o aval do presidente da Casa. Ele não pode ser unilateralmente desfeito”, rebateu Renan, mencionando recurso de Gleisi que seria votado – e derrubado – instantes depois.
Renan deu por encerrada a discussão e anunciou o segundo item da pauta. “Senhor presidente, eu estava com o microfone levantado. Se vossa excelência quiser atropelar o regimento e colocar para contar [prazo], tudo bem. Agora, tem que nos deixar discutir. Eu gostaria de discutir a PEC 55!”, bradou a senadora, sem sucesso. “Senhor presidente, isso não pode acontecer. O que é isso?! Eu estava com o microfone levantado aqui! Já não basta ser em votação extraordinária, e vossa excelência não vai dar a palavra?!”
Durante as discussões, o líder da minoria no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ), acusou Renan de “entregar a mercadoria” da PEC para o governo, insinuando que o peemedebista foi beneficiado por um acordão que, segundo relatos, envolveu o Executivo, o Judiciário e caciques governistas no Congresso. Segundo essa tese, o STF manteria Renan no comando do Congresso, asseguraria a votação da proposta e, como este site adiantou com exclusividade, retirou de pauta o projeto de sua autoria que pune juízes e demais investigadores por abuso de autoridade. “Vossa excelência está muito apressado para entregar [a “mercadoria”]. Vossa excelência, ontem [quarta, 7], com a decisão do Supremo, tem que entregar a mercadoria agora. A mercadoria é a PEC 55, rasgando o regimento”, fustigou o petista.
“A mercadoria vossa excelência já entregou quando fez uma aliança tácita com o senador Ronaldo Caiado [DEM-GO]”, retrucou Renan, sem dar detalhes sobre a que se referia. Instantes mais tarde, depois de protestos do senador citado, disse que fazia menção ao fato de que tanto Caiado quanto Lindbergh defenderam a decisão do Supremo pelo seu afastamento.
O texto
Tramitando como proposta de emenda à Constituição 55/2016 no Senado (na Câmara, tramitou como PEC 241), a proposição institui o novo regime fiscal e impõe limites em vários itens de gastos na elaboração e execução do Orçamento pelo presidente da República, governadores e prefeitos. Medida no futuro pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), as despesas de custeio e também os investimentos estarão limitadas ao mesmo indicador. Entre as limitações estão os valores das emendas apresentadas pelos parlamentares das três esferas de poder aos Orçamentos públicos, nas compras e nas contratações de produtos e serviços por qualquer ente público.
Mas proposta vai além da simples mudança no regime fiscal da União. Também impõe uma das mais importantes alterações no modelo de Estado desenhado pela Constituição de 1988, obrigando modificações em diversos artigos constitucionais e leis ordinárias que regem programas de governo e suas metas. As mudanças nas leis nacionais, estaduais e municipais serão obrigatórias para enquadrar na nova regra os orçamentos de todas as instâncias de poder.
Uma das primeiras modificações terá de ser feita nas leis que regem a política salarial dos servidores públicos. Todas as regras que vierem a prever aumento real, com reposição acima da inflação, não poderão sequer ser negociadas ou prometidas, sob pena de descumprimento do limite de gastos. Também haverá mudança nos critérios para o cadastramento e pagamento do Benefício de Prestação continuada (BPC), com previsão de salário mínimo para quem tem pelo menos 65 anos e nunca contribuiu para a Previdência. O dinheiro sai do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social e estará sujeito aos limites da PEC, mesmo que aumente o número de dependentes ou o valor do benefício.
A emenda também implicará mudanças nas regras de reajuste do próprio salário mínimo. Por lei, o piso remuneratório deve ser reajustado pela inflação do ano anterior, acrescido da variação do PIB de dois anos antes. Para não descumprir a regra constitucional do limite de gastos, a lei que reajusta o mínimo terá de ser modificada para evitar que as despesas da União, Estados e Municípios furem o limite de gastos impostas pela emenda 241. Pelas estimativas, se a nova regra estivesse em vigor desde 2006, o valor do salário mínimo seria de R$ 550 e não os atuais R$ 880.