A indústria brasileira nunca esteve tão para trás em relação ao resto do mundo quanto em 2023. Enfrentando problemas estruturais que atravessam vários governos e uma forte concorrência de produtos estrangeiros, especialmente chineses, a produção industrial brasileira acumula retração de 18% desde maio de 2011 — o melhor momento da série — enquanto a mundial cresceu 29% no mesmo período. A série foi iniciada em janeiro de 2002.
De 2002, quando teve início a série, a 2011, a indústria brasileira acompanhou a média mundial. Depois, a distância foi se ampliando, ano a ano, até chegar ao seu pior momento agora.
Os números são resultado de um cruzamento entre dados do IBGE e da consultoria econômica da holandesa CPB (Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis).
Na equipe econômica e no próprio setor, o entendimento é que o quadro não será revertido com medidas pontuais de incentivo — embora elas tragam fôlego de curto prazo — ou programas direcionados. É preciso atacar as causas do chamado Custo Brasil, que representam um combo de problemas: impostos elevados, crédito caro, mão de obra com baixa qualificação e infraestrutura ineficiente.
Segundo o gerente-executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mario Sérgio Carraro Telles, a principal aposta é a aprovação no Congresso da Reforma Tributária, que pode reduzir fortemente os gastos com impostos para o setor:
— A indústria tem alta tributação no Brasil, e até mesmo um produto brasileiro exportado carrega cerca de 7,4% de resíduo tributário. Ou seja, o preço do nosso produto é mais alto do que o dos concorrentes por impostos pagos na cadeia e que não são recuperados.
Segundo o executivo, a mudança no quadro teve início em meados dos anos 2000, quando a China deu início ao seu processo acelerado de industrialização. Ao mesmo tempo em que a competição internacional ficou mais acirrada, o setor no Brasil não conseguiu aumentar a produtividade.
Perda de mercados
Ele lembra que, em 1995, a China era responsável por 5,7% do PIB da indústria de transformação mundial. Em 2005, passou para 12,6% e saltou para 30,9% em 2022. A tendência é a mesma quando se olha para as exportações: os chineses eram 3,3% em 1995, saltaram para 8,6% em 2005 e chegaram a 18,4% em 2021.
— A entrada da China acirrou a concorrência, trouxe produtos para o Brasil e tirou mercados importantes para nós, como o da Argentina — afirma o executivo.
No governo federal, está em estudo um programa que permite a “depreciação acelerada” de máquinas e equipamentos, o que pode ajudar a aumentar os investimentos no setor. A ideia é que 100% da compra de um bem de capital possa ser abatida da base de impostos federais (IRPJ e CSLL) já nos primeiros anos. Hoje, isso é feito tendo como base a vida útil estimada do maquinário, que pode chegar a dez ou 15 anos.
O governo já adotou também um programa temporário de incentivo para a compra de carros novos, numa tentativa de recuperar o setor automotivo, em crise.
O entendimento na equipe econômica, contudo, é que o melhor caminho a ser seguido é avançar com a agenda tributária e reequilibrar as contas públicas. Na visão de um integrante do governo, o ajuste fiscal pode ajudar a diminuir os juros, e a Reforma Tributária, a reduzir gastos com tributos.
A questão fiscal, porém, se tornou incerta diante das discussões do governo para rever a meta de deficit zero nas contas públicas em 2024. Além disso, segundo especialistas, a Reforma Tributária perdeu potência com a quantidade de exceções — o texto deve ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado na próxima semana.
Pelos dados do PIB do IBGE, no terceiro trimestre de 2023 a indústria de transformação marcava 114,5 pontos, ainda 4,8% abaixo do primeiro trimestre de 2020 (120,3 pontos), quando começou a pandemia de Covid-19, e 17,1% abaixo do melhor momento da série, no segundo trimestre de 2011 (138,2 pontos).
Esse índice em pontos, com ajuste sazonal, é feito para facilitar a comparação entre os períodos e teve início em 1995, quando marcava 100 pontos. Ou seja, em 28 anos, o crescimento total do setor foi de apenas 14,5%.
Para a economista Silvia Mattos, do FGV/Ibre, os números comprovam que a indústria brasileira não está conseguindo competir com o resto do mundo porque depende de três fatores: crédito barato, mão de obra qualificada e acesso à tecnologia:
— Somos ruins nos três. É diferente do que acontece com a agricultura, por exemplo, que tem influência do clima e da terra. A indústria depende de inovação e alta qualificação da mão de obra. Por aqui, o que vemos são incentivos errados, como a guerra fiscal entre estados, que tenta compensar essa ineficiência com redução de impostos.
Crescimento do PIB
Ela também concorda que o governo precisa focar em medidas estruturais:
— A melhor frente é a Reforma Tributária. A indústria gasta tempo e dinheiro para tentar recuperar crédito e entender o sistema. É muito imperfeito, há contencioso tributário, gasta-se tempo para pagar menos impostos, não para ser mais eficiente. A Reforma Tributária dá o incentivo correto.
O economista Braulio Borges, da consultoria LCA e também pesquisador do FGV/Ibre, calculou os efeitos da Reforma Tributária sobre o crescimento do PIB brasileiro. Em média, ele avalia que o PIB pode crescer 20% a mais em um período de 15 anos, se comparado a um cenário em que não houvesse a reforma. Em sua opinião, a indústria seria o setor mais beneficiado:
— Todos os estudos mostram que a Reforma Tributária, embora esteja se distanciando do ideal no Congresso brasileiro, com o aumento dos regimes diferenciados na proposta, pode melhorar muito o crescimento. Hoje, a indústria é a mais penalizada pelo nosso sistema. Por ter mais etapas produtivas, ela é mais afetada pela cumulatividade de impostos. É natural, nesse sentido, que aquele que sofre mais seja o que mais ganha.
Ainda assim, com a Reforma Tributária, Borges vê ganhos também para o setor de serviços e o agro, que vão se beneficiar de uma economia mais dinâmica.
O Globo