O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, votou, nesta quinta-feira (26), pela inelegibilidade por oito anos do ex-presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, pela prática de abusos de poder político e econômico nos eventos comemorativos do Bicentenário da Independência do Brasil, ocorridos em Brasília e no Rio de Janeiro, em 7 de setembro de 2022.
Pelo voto do ministro, a sanção deverá ser cumprida a partir do pleito do ano passado. O julgamento das Aijes 0600972-43 e 0600986-27 e RepEsp 0600984-57 teve início na terça-feira (24) e deve ser concluído na próxima terça (31).
Além da pena de inelegibilidade, o ministro votou por aplicar multa de R$ 425.640 a Bolsonaro e de R$ 212.820 a Walter Braga Netto, que foi vice na chapa do candidato à reeleição, devido à conduta vedada pelo uso de bens e serviços públicos nos eventos do Bicentenário, em desrespeito aos incisos 1º e 3º do artigo 73 da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97). No voto, Benedito Gonçalves isentou Braga Netto da sanção de inelegibilidade, por entender que sua participação nos atos não teve gravidade que levasse à punição.
Após o voto do relator, os ministros Raul Araújo e Floriano de Azevedo Marques se manifestaram. O primeiro votou pela improcedência dos pedidos formulados nas Aijes e na representação especial. Já o segundo votou por estender a inelegibilidade também a Braga Netto e manter as multas por conduta vedada dos candidatos, nos moldes do voto de Gonçalves.
Logo após os votos dos três ministros, o julgamento foi suspenso pelo presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, para ser retomado na próxima terça-feira (31). Faltam votar, pela ordem: o ministro Ramos Tavares, a ministra Cármen Lúcia (vice-presidente do Tribunal), o ministro Nunes Marques e, por último, o presidente da Corte.
Confira como votou o relator e os ministros que se manifestaram nesta quinta (26):
No voto, o relator, ministro Benedito Gonçalves, afastou as preliminares levantadas pelos envolvidos, seguindo para a análise do mérito. Para ele, pelas provas contidas nos processos, é possível afirmar que houve desvio de finalidade eleitoreiro por parte de Jair Bolsonaro nos eventos em comemoração ao Bicentenário da Independência, envolvendo bens públicos materiais e imateriais, inclusive de valor simbólico, e serviços públicos e prerrogativas decorrentes do exercício do cargo. De acordo com o ministro, isso caracteriza conduta vedada prevista no artigo 73 da Lei das Eleições (Lei n° 9.504/97).
Além disso, segundo Benedito Gonçalves, tal conduta, a depender do vulto dos bens simbólicos e dos valores investidos, tem a capacidade de configurar abuso de poder político e econômico, o que, para ele, ocorreu nos episódios relatados. “Assim, pode-se inferir que o candidato beneficiado estava ciente da conduta vedada e foi conivente com os desvios praticados”, disse o relator.
Benedito detalhou o roteiro feito por Bolsonaro nos eventos de 7 de setembro de 2022 e destacou que houve nas comemorações da data, uma mescla entre atos de campanha e eventos oficiais. Segundo o ministro, isso fez com que todo o aparato público envolvido, inclusive bens móveis, imóveis e simbólicos, além de servidores da Administração Pública Federal e do estado do Rio de Janeiro, fossem usados em benefício da campanha de Bolsonaro à reeleição a presidente da República.
Apesar de somente aplicar multa e afastar a sanção de inelegibilidade a Braga Netto, o ministro afirmou que Braga Netto teve ciência da realização dos eventos em Brasília e no Rio de Janeiro, da alteração do local do desfile militar, no Rio, para Copacabana e inclusive da questão orçamentária envolvida. “As condutas vedadas contaram com a conivência e ocasional participação do segundo investigado [Braga Netto] o que é suficiente para aplicar a multa a ambos, ainda que em menor percentual para o segundo investigado”, disse o magistrado.
Para o relator, restou comprovado que a mudança de local, do centro da cidade do Rio de Janeiro para o Forte de Copacabana, foi determinada pelo Ministério da Defesa, que atendeu aos interesses diretos de Bolsonaro, que já havia anunciado em atos eleitorais o inédito desfile em Copacabana e seu desejo de fazer da data do Bicentenário da Independência um grande momento de mobilização de suas bases e de congraçamento com as Forças Armadas.
Entre outros pontos citados, Benedito afirmou, ainda, que os vídeos divulgados sobre os eventos do 7 de setembro de 2022 deixam claro o objetivo do então candidato de se promover, usando a data cívica para conectar motes eleitorais e explorar, com finalidade eleitoral, a referência aos eventos. O relator lembrou que o discurso continha “instigação a um combate decisivo de algo imaginário: a luta do bem contra o mal”. O ministro ressaltou, também, que a militância convocada para a celebração, no curso do período eleitoral, “recebeu como missão mostrar a força da candidatura” do então presidente da República.
No final do voto, Benedito Gonçalves propôs a imediata comunicação da decisão à Corregedoria-Geral Eleitoral (CGE), para que, independentemente de publicação de acórdão, haja a inclusão de Jair Bolsonaro no cadastro eleitoral como inelegível. E também a comunicação imediata à Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), para análise de eventuais providências na esfera penal, e ao Tribunal de Contas da União (TCU), uma vez que foi comprovado desvio de finalidade eleitoreira de bens, recursos e serviços públicos empregados pelo então candidato nas comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil.
Segundo a votar, o ministro Raul Araújo divergiu do entendimento do relator. Para ele, os desfiles militares ocorridos em Brasília e no Rio de Janeiro e os comícios eleitorais tratam de dois eventos distintos e, portanto, não houve abuso de poder nem nenhuma conduta vedada capaz de vislumbrar a gravidade suficiente e pleiteada pela legislação eleitoral.
De acordo com o ministro, os autores das ações tentaram confundir e misturar os eventos oficiais e os atos de campanha, que foram ações claramente distintas. “Não vejo como tentar caracterizar qualquer conduta vedada. Trata-se de eventos claramente distintos, facilmente identificados e nitidamente autônomos, até os comícios foram custeados com recursos privados”, afirmou Araújo.
Ao julgar improcedentes os pedidos nas Aijes e na representação especial, o ministro ressaltou que qualquer candidato pode, após um ato oficial, realizar um ato de campanha. “A campanha estava em andamento [em setembro de 2022]. Não há desigualdade. Qualquer um poderia realizar o ato”, disse ele.
- Floriano de Azevedo Marques
Em seguida, votou o ministro Floriano de Azevedo Marques, que acompanhou integralmente o entendimento do relator, ressaltando que os acontecimentos – desfiles militares (públicos) e, em seguida, participação de Jair Bolsonaro, na condição de candidato, em comícios (atos de campanha) – foram certamente “contínuos de um evento único, cênica, temporal e espacialmente planejado para conectar o tradicional desfile militar com comícios eleitorais”.
Para ele, ficou claro o casamento dos eventos, que implicou uma combinada utilização das comemorações do Bicentenário da Independência com os motes de campanha, patriotismo, cores verde e amarelo, nacionalismo, militarismo e a força representada pelas armas com o contexto do comício em proveito eleitoral. “Exemplo típico de abuso de poder político”, afirmou Floriano de Azevedo Marques.
As ações
Apresentadas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e pela então candidata à Presidência no pleito do ano passado Soraya Thronicke, as Aijes apontam o uso ilegal de bens materiais, imateriais e de servidores da União, caracterizando desvio de finalidade eleitoreiro, nas comemorações realizadas em Brasília (DF) e no Rio de Janeiro (RJ), no dia 7 de setembro de 2022. As Aijes solicitam a inelegibilidade de Jair Bolsonaro e Braga Netto, e a representação especial pede a condenação de ambos ao pagamento de multa no valor de cinco a cem mil UFIRs.
Histórico do julgamento
O julgamento das Aijes e da representação teve início na terça-feira (24), com a leitura do relatório conjunto pelo ministro Benedito Gonçalves. Em seguida, ocorreram as sustentações orais feitas pelos representantes dos autores das ações e da defesa de Bolsonaro e Braga Netto. Logo após, a PGE opinou pela inelegibilidade apenas de Bolsonaro, bem como pela aplicação de multa em razão do uso de bens e de pessoal da Administração Pública durante os eventos. Nesta quinta, o julgamento conjunto foi retomado com o voto do relator e de dois ministros.