Por Maurício Rands
O ministro Stephen Breyer, da Suprema Corte dos Estados Unidos, em seu recente livro (“The Authority of the Court and the Peril of Politics”, 2021), reconhece que parte da opinião pública americana acha que os membros da corte atuam como se fossem políticos de toga, nomeados por critérios políticos e autores de decisões que seguem alinhamento político-partidário. E sugere soluções para que a autoridade da corte seja recuperada. Todas na direção de que as decisões sejam percebidas como de autoria de juízes imparciais, justos, competentes e equilibrados.
No Brasil polarizado, a confiança no STF, que já não era alta, também se tornou muito baixa. Uma pesquisa da Quaest, de 31/07/2022, coloca o STF entre as instituições menos confiáveis para os brasileiros (16% confiam; 45% confiam pouco; 33% não confiam; e 7% não sabem). Apenas os partidos e o parlamento tiveram índices piores. Além das razões do ambiente polarizado, existem razões internas para a má imagem do STF, que decorrem da própria conduta de seus ministros. Da oscilação de suas decisões. Da percepção de que elas decorrem de disputas políticas e de intrigas internas. Do recorrente afastamento dos parâmetros do texto constitucional. Do exibicionismo e dos interesses individuais.
Para recuperar a credibilidade, nosso STF vai precisar de reformas e de mudanças atitudinais. A começar pelo mecanismo de nomeação de seus membros e pelo fim da vitaliciedade. Seus integrantes atuais deixam muito a desejar quanto ao saber jurídico, ético e institucional. Nomeados que foram depois de sabatinas de mentirinha. O país tem saudades da altivez e elevado conhecimento jurídico de ministros do porte de Vítor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva, e Hermes Lima, cassados pelo Regime Militar em 1969. Ou de ministros como Gonçalves de Oliveira e Antônio Carlos Lafayette de Andrada, que abandonaram o colegiado em protesto contra as cassações. As decisões do STF precisam ser percebidas como adotadas em respeito às normas da Constituição. Precisam deixar de ser tomadas monocraticamente, como se existissem 11 “Supremos”. Precisam ser consistentes ao longo do tempo, fruto de construção jurisprudencial sólida. Precisam respeitar a competência dos demais poderes. E precisam obedecer a uma pauta que reflita os anseios nacionais, mais do que o capricho do “poder da pauta” do presidente de suas turmas ou do pleno.
O país saiu das últimas eleições ainda muito dividido. Mas a vitória de Lula, em ampla coalisão, sinaliza que, pela maioria, os brasileiros escolheram determinados valores e uma certa direção nas políticas públicas. Optaram por democracia, desenvolvimento econômico, redução da pobreza e da desigualdade social, e por uma boa governança que aumente a eficiência do estado e o liberte da corrupção e da sua captura por interesses privados e corporativos.
A escolha do presidente Lula para a vaga do ministro Lewandowski deveria recair em alguém que esteja sintonizado com esses objetivos que prevaleceram nas últimas eleições. Alguém que compreenda as necessidades de recuperação da legitimidade, credibilidade e qualidade do STF. Que tenha notável saber jurídico de verdade. Alguém cuja competência jurídica tenha sido comprovada por publicações de livros e ensaios respeitáveis, por titulação acadêmica ao nível de doutoramento, por larga experiência na magistratura, na advocacia (pública ou privada) ou na academia. Alguém que não reproduza a magistrocracia e a promiscuidade hoje reinante em Brasília, com parentes de ministros praticando a advocacia de influência para clientes poderosos.
Alguém que restaure a percepção de que a justiça é igual para todos, ricos e pobres, dotados de conexões poderosas ou não. Que seja impermeável aos grandes lobbies. E que saiba resistir às ondas efêmeras da opinião pública, a fim de exercer o papel contramajoritário quando for necessário para preservar as garantias fundamentais até mesmo contra investidas do próprio Judiciário.
Alguém que não sonhe em se tornar celebridade. Alguém que não se seduza pelas viagens e eventos patrocinados por jurisdicionados de grande poder econômico. Alguém com real estatura ética e respeitabilidade capaz de influir sobre os pares para correção dos muitos defeitos que hoje diminuem a credibilidade do STF. Embora uma nomeação tão importante não deva ser prisioneira do identitarismo, o presidente Lula fará bem em reconhecer que a diversidade de gênero e raça da sociedade precisa estar mais presente na composição do STF. E acertará se conseguir sinalizar o apreço aos princípios republicanos que não se harmonizam com escolhas por gratidão pessoal ou amizade.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxforde