A formação do novo superbloco com nove partidos e 175 deputados federais trouxe consigo uma série de esclarecimentos públicos de que a nova formação não seria feita para criar problemas para o governo Lula. Além das declarações do líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA) — já cotado para ser o apadrinhado de Lira na eleição à presidência da Câmara em 2025 — e do próprio Arthur Lira (PP-AL), o grupo suprapartidário fez questão de iniciar a sua formação com um governista na liderança, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE).
O bloco que trocará de líder a cada bimestre começará com o deputado do partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, o PSB, e o próximo a assumir a liderança será um integrante do PDT — provavelmente André Figueiredo (CE). Ao Correio, Felipe Carreras afirma que o seu papel de partidos como PSB, PDT, Avante e Solidariedade, que caminharam juntos em prol da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será na atuação para garantir governabilidade ao poder Executivo.
Além do prognóstico positivo ao governo, Carreras falou sobre a relação de Lira e sua influência dentro da Câmara dos Deputados e de como as mudanças dentro da Câmara e a criação dos blocões alteram o jogo de poder e político dentro da Casa Baixa. O pessebista também comentou assuntos que estão em alta na sociedade nas últimas semanas.
Primeiramente parabéns pela liderança. Qual a responsabilidade de liderar um grupo tão grande de deputados e principalmente articular em torno de uma unidade com partidos de posições tão diversas?
Obrigado! É um desafio enorme ser o primeiro líder deste que é o maior bloco da Câmara, sobretudo, no momento político que estamos atravessando no país. Preciso agradecer, inclusive, ao presidente Carlos Siqueira e aos líderes do PSB, à bancada socialista e aos líderes dos partidos que compõem o bloco por confiarem a mim essa missão na largada do bloco. O Brasil vive um momento de oportunidades com um novo governo, que vem com o objetivo de resgatar o país no cenário internacional, no setor social e no econômico. Minha missão aqui é promover o diálogo e as pontes entre os diferentes para viabilizar a construção de um projeto de país onde o povo saia ganhando. Vamos respeitar as divergências e garantir a governabilidade e a convergência dos Poderes que o país precisa para se desenvolver.
Para os partidos de esquerda, existe um peso maior para fazer com que esses grupões, pelo menos em maioria, acompanhem os projetos governistas? Porque houve um burburinho nos bastidores sobre a entrada do PSB e PDT, como foi até citado no discurso do deputado André Figueiredo e seu também.
Para integrarmos esse bloco foi feita uma grande articulação com todos os partidos que participam dele. O PSB e o PDT são base do governo e se tornaram elementos essenciais para a consolidação do bloco. Foi uma construção democrática. O PSB e o PDT têm uma relação histórica tanto a nível nacional quanto regional, e temos boa convivência com os partidos de centro. Caminhamos com o Solidariedade e com o Avante como aliados de primeira hora pela eleição da chapa Lula e Alckmin. Tanto eu quanto André Figueiredo (líder do PDT) temos boas relações políticas e de amizade com grandes lideranças dos partidos que compõem o bloco e menciono aqui colegas como Elmar Nascimento (União Brasil), André Fufuca (PP), Luís Tibé (Avante), Fred Costa (Patriota), que estavam com a gente na legislatura passada. Já temos um diálogo. A Câmara dos Deputados tem um papel fundamental nos rumos que serão dados no resgate do Brasil, tanto em termos de políticas sociais quanto econômicas e esses parlamentares sabem da responsabilidade que têm pela frente. Estamos buscando uma convergência para viabilizar o país que os brasileiros precisam neste momento. A democracia é resultado do diálogo entre os diferentes.
Essa formação de blocos, não só a do “superbloco” liderado pelo senhor, mas do blocão formado semana retrasada… facilita para o governo negociar?
Nosso bloco vai garantir a governabilidade. A escolha do nosso nome para liderar esse grupo é uma sinalização clara para o governo do presidente Lula e do vice-presidente Alckmin, que também é do nosso partido, que eles terão uma base sólida aqui. Vamos ajudar o Líder do Governo, José Guimarães, na árdua tarefa da formação de uma base sólida. Era importante trabalharmos nessa construção para evitar que extremos se fortalecessem não somente contra o governo, mas contra o projeto de reconstrução e desenvolvimento do Brasil e de justiça social. Temos um diálogo aberto muito bom com os partidos do outro bloco e estamos em sintonia com o ministro e amigo de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e avalio que todos têm intenções muito positivas para aprovar matérias essenciais trazidas pelo governo, como a Reforma Tributária, o novo marco fiscal, proposta de combate a fake news e pautas sociais que visem o combate à miséria e a promoção do emprego e da renda e reduzir as desigualdades sociais do nosso país.
Esse bloco mostra a força do presidente da Câmara? O senhor disse no discurso que ele não se intrometeu, mas sabe-se que ele era um grande interessado nesse acordo. Inclusive, ele era um dos articuladores de uma federação PP e União Brasil, que acabou não saindo.
O presidente Arthur Lira é um cumpridor de acordos e desde sua campanha para a presidência da Câmara afirmou que seu papel jamais seria o de dificultar a vida do governo, mas sim de convergir pelo desenvolvimento do Brasil. O seu partido integra esse bloco e como ele bem disse, essa formação é uma expressão do fortalecimento partidário como mecanismo de consolidação da democracia. Para ele, como presidente da Casa e uma pessoa que tem uma boa interlocução com o governo, é fundamental que se supere a era da disputa e das divergências entre os três poderes. A convergência é necessária para votarmos projetos de interesse do Brasil. É de interesse dele porque só vamos alcançar as transformações urgentes para o país se Executivo e Legislativo se alinharem nessas demandas que não são de governo, são da sociedade. Isso é política de verdade. Reafirmo que ele não teve interferência na formação do bloco.
A formação desses blocos pode ajudar o governo só em pautas estruturantes, econômicas ou sociais? Questões ideológicas podem ganhar espaços? Como integrante da base do governo, o senhor vê essas iniciativas de emplacar pautas com viés na ideologia ou o foco são mesmo as pautas estruturantes?
É claro que somos realistas e sabemos que não haverá acordo absoluto sobre tudo. Estamos falando de um bloco com 175 parlamentares de diferentes partidos e vieses ideológicos. Mas o ideal de bloco vem de um debate de ideias para construção de propostas com resultado prático. E é válido lembrar que esta composição não abarca extremos radicais que não se conversam. Nos unimos neste bloco com interesses claros de resgate e desenvolvimento do Brasil e isso envolve diversos temas da área econômica e da área social. É preciso lembrar que boa parcela dos parlamentares desse bloco estava na Câmara para aprovar piso salarial da enfermagem, auxílio emergencial, bolsa família, o novo Fundeb, o marco regulatório dos jogos de apostas e o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Precisamos focar agora no que é urgente para o Brasil caminhar, como a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal. Este é um bloco democrático e acredito que vamos conseguir chegar a soluções práticas para pautas mais ideológicas, como fazemos num parlamento democrático.
A formação de blocos maiores pode se tornar uma tendência? Qual o objetivo? É reduzir a quantidade de partidos e tornar o debate mais direto? Pode ajudar em um combate à polarização mais violenta?
A formação de blocos é comum no Parlamento. Não é uma invenção de agora. Ela é estratégica, ela fortalece a democracia, a convergência para algumas pautas. É uma forma de dialogar e construir. Nos últimos anos, vimos alguns movimentos extremistas e separatistas que apenas usavam o Plenário de palanque para discursos que agradavam a claque, sem conversão em propostas práticas que atendessem as demandas do povo. Essa prática de alimentar discursos ideológicos radicais atrapalhavam a construção democrática de propostas que abarcassem a maior parcela da sociedade. Estamos falando do Brasil, um país de dimensões continentais com uma diversidade cultural e econômica imensa, um país que infelizmente tem muita desigualdade. Não podemos perder tempo com embates que em nada contribuem para a solução desses problemas. Temos mais de 33 milhões de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar e 9,2 milhões estão desempregadas. O bloco é uma forma efetiva de enfrentar essas questões democraticamente. Ele não reduz partidos, ao contrário, ele garante mais representatividade, engrandecendo a participação dos partidos independentemente de seu tamanho na Casa.
O governo vai formar base robusta?
A formação desse novo bloco é a consolidação dessa base. É um símbolo de responsabilidade dos que querem somar. Dos que têm responsabilidade com o Brasil. Estamos pavimentando o caminho para viabilizar o modelo de país que foi escolhido pelo povo nas urnas nas últimas eleições. Somos 175 parlamentares e vamos nos somar aqueles que querem um país melhor e menos desigual. Estamos ainda no terceiro mês da nova legislatura. Tudo que estamos fazendo é no sentido de aglutinar e formar uma base. O bloco foi um importante passo.
O governo Lula fez cem dias recentemente? Como o senhor avalia? Pode destacar um ponto positivo e outro negativo?
Como diria o slogan da campanha, é evidente que o Brasil voltou. O dólar já está baixando, o novo Bolsa Família já está atendendo famílias que haviam sido deixadas de lado, reconquistamos nosso respeito internacional e, com isso, estamos recuperando investimentos. O turismo voltou a crescer com os números do setor aéreo, por exemplo, voltando aos patamares pré-pandemia. A economia vem dando sinais positivos de retomada. São muitos resgates em apenas 100 dias, depois de tudo o que passamos. Acho que precisamos de alguns ajustes na celeridade das definição dos espaços segundo e terceiro escalão. Há boa vontade do governo, mas há um descompasso entre a ansiedade por parte do parlamento e a decisão do Governo. Quando isso se resolver, muita coisa deve destravar.
Sobre os recentes ataques em escolas brasileiras e outras manifestações violentas como o 8 de janeiro. O senhor acha que tem alguma relação com esse discurso de ódio? A gente tem visto truculência muito acima da média até mesmo em comissões da Casa, como na CCJ e na CSP.
Certamente. Isso não é uma onda que ocorre somente no Brasil, mas no mundo. A questão das escolas passou da era do bullying e passou para a fase do estímulo ao ódio, à ação violenta, o que é lamentável. Isso resulta em tragédias onde a mera discordância motiva um extremista a agir de forma criminosa. O parlamento é reflexo disso. O ministro Flávio Dino perdeu dois dias em que se dispôs a debater a segurança pública do país para chegar aqui e encontrar colegas se digladiando de maneira reprovável. É muito ruim a Casa do povo deixar de ser um espaço de construção democrática com propostas efetivas para a sociedade para virar palco de ataques que só servem para vídeos que vão alimentar ainda mais o discurso de ódio nas redes. Mas acho que a formação dessa base sólida aqui vai deixar essas ações cada vez mais isoladas, e elas vão ecoar cada vez menos. Isso vai acabar tornando o Legislativo num espaço mais produtivo.
Correio Braziliense