O embaixador Christian Vargas contou em depoimento à Polícia Federal que, após voltar da Arábia Saudita, viu o estojo de joias dado pela Arábia Saudita exposto de “forma ostensiva” na sala da chefia de gabinete do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. O diplomata relatou que entendeu aquilo como “uma atitude de transparência”. Ele conta que foi informado de que o presente, composto por um relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário da marca Chopard, seriam incorporados ao patrimônio público.
Diretor do Departamento de Integração Regional do Ministério das Relações Exteriores, Vargas integrou a delegação do Ministério de Minas e Energia, chefiada pelo então ministro Bento Albuquerque, que viajou para a Arábia Saudita em outubro de 2021. Fazia parte da comitiva também o ajudante de ordens do ministério, o tenente Marcos Soeiro, flagrado pela Receita Federal transportando outro lote de joias avaliado em R$ 16,5 milhões no aeroporto de Guarulho (SP).
Vargas contou que ele, Albuquerque e Soeiro chegaram ao destino no dia 22 de outubro de 2021 e participaram de diversas reuniões, algumas delas bilaterais com autoridades sauditas, além de um almoço. Ao final, segundo o embaixador, houve a troca de presentes, “de forma protocolar e oficial” entre os ministros dos países. Ele contou que o único ato desse tipo que testemunhou foi quando uma escultura de cavalo dourada foi recebida por Albuquerque e entregue a Soeiro, para sua guarda.
O diplomata afirmou ainda que, em regra, “esses presentes entre autoridades são simbólicos, bonitos, agradáveis e de pouco valor, pelo menos os entregues pelo Brasil”. No depoimento, ele disse ter tido conhecimento que foram entregues diversos outros presentes, como tâmaras, perfumes, óleos, além de duas caixas embrulhadas “com toda a aparência de terem sido oficiais”, inclusive no quarto do ministro. Soeiro teria sido chamado, segundo ele, para providenciar a “arrumação desses presentes”.
Ao retornarem para o Brasil, no dia 25 de outubro, Vargas disse ter ficado com Albuquerque no setor de autoridades do aeroporto de Doha, enquanto Soeiro providenciava o despacho das bagagens, inclusive das suas. Ao chegarem no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e passarem pelo posto da Receita Federal, ele disse ter percebido que o ajudante de ordens foi encaminhado para uma “vistoria mais minuciosa” pela Alfândega. Como os destinos eram diferentes – ele e o ministro iam para Brasília, o diplomata contou que se despediram sem “qualquer anormalidade”.
Durante o depoimento, Vargas negou ter presenciado qualquer “apreensão ou preocupação” por parte de Albuquerque ou de Soeiro em razão da fiscalização. Aos agentes federais, ele relatou que, quando já estava com o ministro próximo ao terminal de embarque, esse recebeu uma ligação de Soeiro narrando problemas com as bagagens. Ele disse que Albuquerque então voltou para a Alfândega e depois lhe contou que fiscais da Receita haviam aberto um pacote de presentes em que havia “joias de grande valor”.
Após três semanas do retorno da viagem, Vargas disse ter feito uma “carta de praxe de agradecimento” à Arábia Saudita e foi orientado pelo ministro a colocar nela os presentes que seriam incorporados ao acervo público, com linguagem repassada por seu gabinete. O documento teria sido assinado por Albuquerque em 22 de novembro daquele ano e, desde então, o embaixador disse não ter tido qualquer notícia sobre o assunto até os fatos serem publicados na imprensa.
O Globo