Nove em dez mortes em ações policiais na Maré têm indícios de execução

Rio de Janeiro - Equipes do Exército estiveram na manhã de hoje (26) na favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, a procura de armas e munições que teriam sido enterradas por traficantes (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Levantamento feito pela organização não governamental (ONG) Redes da Maré mostra que nove em dez mortes (89%), ocorridas durante operações policiais no Complexo da Maré em 2022, têm indícios de execução extrajudicial. A 7ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, que traz esse e outros dados sobre violência no conjunto de favelas da zona norte do Rio, foi publicado hoje (13).

As execuções são assassinatos cometidos de forma intencional, em que a vítima não tem direito de defesa (como tiros à queima-roupa ou tiros nas costas da vítima), e, portanto, são ilegais.

O percentual de supostas execuções cometidas pelos policiais é parecido com aquelas cometidas pelos grupos armados ilegais no território (92%).

Segundo a coordenadora do estudo, Camila Barros, os dados foram compilados com base em várias fontes, como a observação direta de colaboradores da ONG (que ficam de plantão durante os confrontos armados), relatos de testemunhas, evidências físicas dos locais dos crimes e laudos do Instituto Médico-Legal (IML).

“Teve uma operação que aconteceu em setembro, na Baixa do Sapateiro, em que 19 pessoas foram mantidas em cárcere privado [por policiais], numa casa. Houve uma mobilização muito grande dos moradores e das lideranças locais. Se não tivesse toda essa mobilização, possivelmente teria mais uma chacina naquela ocasião. Mesmo assim, duas pessoas foram executadas. O relato que a gente tem é que foram escolhidos a dedo e executados com um tiro na cabeça”, conta a pesquisadora.

O estudo revela que as ações da polícia mataram duas vezes mais do que as atuações dos grupos armados ilegais, o que também faz com que o número de possíveis execuções praticadas por agentes seja o dobro daquelas cometidas por bandidos.

Segundo Camila Barros, as mortes em ações policiais haviam diminuído e chegado a cinco em 2020, por causa da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 365) das Favelas, do Supremo Tribunal Federal (STF), que restringiu essas operações. Elas cresceram em 2021 (para 11) e subiram ainda mais no ano passado.

De acordo com o levantamento, as operações policiais deixaram 27 mortos no conjunto de favelas em 2022, 145% a mais do que no ano anterior. As ações de grupos armados ilegais resultaram em 12 mortes no ano passado.

O estudo constatou ainda 259 ocorrências de violações de direitos cometidas por policiais no Complexo da Maré, como invasão a domicílio, dano ao patrimônio, furtos, assédio sexual, ameaça, cárcere privado e tortura. Além disso, os tiroteios envolvendo policiais e conflitos entre grupos criminosos rivais deixaram as crianças sem aula durante 15 dias no ano.

A ONG Redes da Maré analisou 27 operações policiais ocorridas em 2022, das quais 19 eram da Polícia Militar, duas da Polícia Civil e seis eram ações conjuntas entre as duas forças.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro informou que suas ações “são precedidas de planejamento prévio, sendo desencadeadas dentro de protocolos técnicos e do previsto na legislação vigente”.

Também ressaltou que não tolera cometimentos de abusos por parte de seus agentes e que apura “com rigor” as ilegalidades. “A Corregedoria da corporação está ao dispor do cidadão para a formalização dessas denúncias por meio do telefone (21) 2725-9098 ou ainda pelo e-mail denuncia@cintpm.rj.gov.br. O anonimato é garantido”, informa a nota.

Agência Brasil também entrou em contato com a Secretaria de Estado de Polícia Civil, que informou que o posicionamento seria dado pelo governo do estado.

A assessoria de imprensa do governo fluminense, no entanto, não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Lula participa da 52ª Assembleia Geral do Povos Indígenas, em Roraima

Índios Yanomami

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa hoje (13) da 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Como pauta principal estão discussões sobre a proteção das terras tradicionais, gestão dos recursos naturais e a agenda do movimento indígena para o ano de 2023.

Além de Lula, o evento, que é realizado no Centro Regional Lago Caracaranã, terá a presença da presidente da Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, e de representantes de órgãos federais, como o Ministério dos Povos Indígenas, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Polícia Federal, além do Ministério Público.

Brasília - Indígenas de todo o Brasil participam de encontro no Acampamento Terra Livre
Direitos Humanos

A reunião de Lula está prevista para ocorrer às 12h (horário de Brasília). Esta será a segunda visita do presidente ao estado desde que assumiu o mandato, no dia 1º de janeiro. Ele esteve em Boa Vista, no dia 21 de janeiro, quando foi verificar a situação humanitária do povo Yanomami e determinou socorro urgente aos indígenas.

Desde sábado (11), a assembleia reúne cerca de 2 mil líderes indígenas para discutir o tema Proteção Territorial, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Entre as lideranças, estão representantes dos povos Yanomami, Wai Wai, Yekuana, Wapichana, Macuxi, Sapará, Ingaricó, Taurepang e Patamona.

Durante o evento, os visitantes também poderão visitar uma feira de produtos orgânicos, de artesanato e a exposição de animais criados em terras indígenas. Os debates prosseguem até terça-feira (14).

Venezuela pode quitar dívida bilionária com o Brasil

Nesta semana um dos assuntos de destaque foi a viagem discreta do assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, a Caracas. Na capital da Venezuela, o ex-chanceler encontrou com o presidente Nicolás Maduro.

Na breve conversa um dos tópicos foi o pagamento da dívida de quase US$ 682 milhões (R$ 3,5 bilhões) que o país vizinho tem com BNDES do Brasil. Mas, ao que tudo indica, pode ser que a Venezuela comece a se movimentar para pagar a dívida. As informações são do Misto Brasília.

Segundo Amorim, há disposição por parte do governo venezuelano em quitar os cofres brasileiros, embora os detalhes do pagamento não tenham feito parte da conversa, segundo o Estadão.

“Não sei se é dívida só com o BNDES. Há uma questão de seguro de crédito. Mas, não fui com uma missão técnica, fui apenas com dois assessores diretos. Não houve nenhum esboço de negação da dívida e há total disposição de acertar. Não me cabia conversar se vai acertar em uma vez, duas vezes, mas há disposição em reprogramar e ressarcir”, disse o ex-chanceler.

Joias de Michelle: as 5 perguntas que Bolsonaro deve responder ao TCU

O Tribunal de Contas da União (TCU) deve ouvir o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque sobre o caso das joias apreendidas pela Receita Federal.

Em 2021, a comitiva de Albuquerque tentou trazer ao Brasil joias que seriam para Michelle Bolsonaro. O material é avaliado em R$ 16,5 milhões. As informações são do Metrópoles.

Em documento, o ministro Augusto Nardes estabeleceu que cinco perguntas devem ser respondidas por Bolsonaro, de forma escrita. Foram listadas:

  1. Quais foram os presentes recebidos por ocasião da visita à Arábia Saudita?
  2. Quais os presentes recebidos que estão em sua posse neste momento, além daqueles apreendidos, e qual o destino a ser dado para cada um eles?
  3. Os presentes trazidos seriam personalíssimos da ex-primeira-dama e do ex-presidente da República ou seriam incorporados ao acervo do Governo Brasileiro?
  4. Se os presentes foram recebidos em caráter pessoal, quais as providências para o pagamento dos devidos tributos?
  5. Houve orientação para o envio de servidor em avião da Força Aérea Brasileira para tentar buscar nova leva de presentes encaminhados pelo Governo Saudita?

Além do ex-presidente, Bento Albuquerque também deve responder:

  1. Quais foram os presentes recebidos por ocasião da visita à Arábia Saudita?
  2. Quais os presentes trazidos em sua bagagem por ocasião da visita oficial à Arábia Saudita?
  3. Os presentes trazidos seriam personalíssimos da ex-primeira-dama e do ex-presidente da República ou seriam incorporados ao acervo do Governo Brasileiro?
  4. Se os presentes foram recebidos em caráter pessoal, quais as providências para o pagamento dos devidos tributos?

Entenda o caso

Como revelou o Estadão, o governo Bolsonaro tentou trazer ao Brasil, ilegalmente, diversas joias, avaliadas em mais de R$ 16 milhões. Os objetos seriam presentes do governo da Arábia Saudita para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que visitou o país árabe em outubro de 2021, acompanhando a comitiva presidencial. Entre as joias estão: anel, colar, relógio e brincos de diamante.

O pacote de joias foi apreendido no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, na mochila de um assessor de Bento Albuquerque, então ministro de Minas e Energia. No Brasil, a lei determina que todo bem com valor acima de US$ 1 mil seja declarado à Receita Federal. Dessa forma, o agente do órgão reteve os diamantes.

O governo Bolsonaro teria tentado recuperar as joias acionando três ministérios: Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores. Numa quarta movimentação para reaver os objetos, realizada três dias antes de o então presidente deixar o governo, um funcionário público utilizou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para se deslocar a Guarulhos.

Julgamento sobre abordagem policial é oportunidade de discutir racismo

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal - STF

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito das abordagens baseadas na cor da pele é uma possibilidade de enfrentar o racismo praticado pelas instituições brasileiras, na avaliação dos especialistas ouvidos pela Agência Brasil.

“Enfrentar a discussão sobre a ilegalidade de provas produzidas por perfilamento racial é fundamental para enfrentar um dos principais mecanismos que reproduzem o racismo institucional no Brasil”, destaca o diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio. A organização não governamental participa do julgamento como parte interessada.

Está sendo julgado no STF o caso de um homem preso com 1,53 grama de cocaína em Bauru, no interior paulista. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo pede que as provas do caso sejam anuladas porque os policiais teriam abordado o homem com base, principalmente, na cor da sua pele. No depoimento, os policiais citam explicitamente que o suspeito era uma pessoa negra que estaria “em cena típica do tráfico de drogas”, em pé, junto ao meio-fio, em via pública”, próximo ao um veículo parado.

O julgamento foi suspenso na última quarta-feira (8) e deve ser retomado no próximo dia 15. Até o momento votaram cinco ministros. O relator, ministro Edson Fachin, defendeu em seu voto que não havia elementos que justificassem a abordagem e que os policiais agiram a partir da cor da pele do suspeito, fazendo com que as provas obtidas sejam ilegais. Os outros quatro ministros divergiram no caso concreto de que a busca pessoal foi motivada por racismo, mas concordaram que é inaceitável que a polícia aja a partir do perfil racial.

Abordagens racistas

Para Sampaio, é necessário que os agentes do Estado apresentem provas concretas que justifiquem a necessidade de abordagem de uma pessoa. No entanto, de acordo com ele, é rotineiro que o racismo internalizado nas instituições direcione ação policial contra população negra. “Essa forma de classificar, discriminar as pessoas nas abordagens a partir da cor da pele e gerar, a partir disso, toda a atuação e constrangimentos do sistema de justiça criminal é algo bastante recorrente no Brasil, em especial, contra as pessoas negras”, enfatiza.

Pesquisa divulgada pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), em julho do ano passado, a partir de mais de mil entrevistas feitas em São Paulo e no Rio de Janeiro, mostrou que uma pessoa negra tem risco 4,5 vezes maior de ser abordado pela polícia. Entre os que foram abordados, 46% das pessoas negras disseram ter ouvido menções a cor ou raça, percentual que ficou em 7% para pessoas brancas.

Caso seja aceita pelo STF a tese de que abordagens feitas com base na cor da pele são ilegais, as polícias terão que, segundo o advogado, apresentar os elementos que motivaram as suspeitas. “O que significa que elementos probatórios, elementos que conduzem a qualquer tipo de suspeita precisam ser trazidos de forma concreta para que o sistema de Justiça e a sociedade possam exercer controle sobre a atividade estatal e ter a segurança de que o racismo institucional não está sendo reproduzido”, explica.

Atualmente, de acordo com o especialista, fica a cargo da vítima de uma abordagem abusiva provar que a ação foi ilegal ou desnecessária. “Quando você é vítima de uma abordagem ilegal, o cidadão não tem meios de fazer prova da ilegalidade da abordagem”, assinala. Por isso, segundo ele, a necessidade de que haja uma nova visão sobre esse ponto.

Da polícia à Justiça

O racismo institucional aparece, de acordo com Sampaio, em todas as etapas que envolvem o caso concreto que está sendo julgado, desde a abordagem até as condenações decorrentes dela. “Não há qualquer dúvida na leitura do caso do que o que mobilizou a atuação dos policiais para abordarem o paciente foi a cor da pele”, ressalta.

As penas impostas pela pequena quantidade de droga apreendida também são, na leitura do advogado, um indício da influência do racismo institucional no caso. “Em todos os momentos processuais formais ele se identificou como pessoa usuária. Mas o sistema de Justiça, para além dos policiais militares, para a autoridade policial [delegado], o Ministério Público, até o juízo na sentença, o Tribunal de Justiça no recurso, vão tratando essa pessoa sempre aplicando da forma mais rigorosa, contrariando os precedentes dos tribunais superiores, a lei penal, em desfavor do paciente”, diz, ao lembrar que o homem chegou a ser condenado a quase oito anos de prisão. Essa pena foi reduzida, pelo Superior Tribunal de Justiça, para dois anos e 11 meses.

O caso é emblemático em relação ao racismo institucional também na avaliação da assessora de articulação política da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Juliana Borges. “É  difícil conseguir processos que tenham uma evidência tão contundente de perfilamento racial como motivação para uma abordagem policial. Você tem no processo os policiais verbalizando que avistaram um jovem negro. Em geral, eles colocam que avistaram um suspeito ou um jovem”, pontua.

Guerra às drogas

Há ainda, na opinião da especialista, uma amostra de como a atual política de criminalização de algumas substâncias que embasa grande parte das ações da segurança pública no país afeta especialmente as pessoas negras. “É um julgamento que possibilidade uma série de discussões que a gente vem acumulando há alguns anos de apontar que a guerra às drogas tem sido esse mecanismo de reprodução de vulnerabilidades, de hierarquias e abismos sociorraciais no nosso país”, acrescenta.

Nesse contexto, as pessoas negras e que vivem em comunidades mais pobres são, segundo Borges, colocadas como uma “figura suspeita a ser combatida”. “Isso é feito a partir da reprodução e a reafirmação de estereótipos e de imagens de controle sobre pessoas negras e periféricas.”

Por isso, ela defende que o caso provoque uma reflexão sobre a necessidade de revisão da forma de atuação das polícias e das possibilidades para que a sociedade possa averiguar e observar as ações dos agentes do Estado. “Uma decisão sobre isso pode reverberar no sentido que a gente possa estabelecer normativas de ação, tanto de controle social, mas também de ação policial.”

STF concede liberdade provisória a mais 80 denunciados pelos atos terroristas de 8 de janeiro

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu na última sexta-feira (10) liberdade provisória a mais 80 homens denunciados pelos atos terroristas, antidemocráticos e de destruição dos prédios públicos em 8 de janeiro.

Com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR), foram aplicadas medidas cautelares a acusados que responderão em liberdade por crimes como incitação ao crime (artigos 286) e associação criminosa (artigo 288, parágrafo único, do Código Penal).

Em 9 de janeiro, a Polícia Federal (PF) prendeu em flagrante 2.151 pessoas que haviam participado dos atos e estavam acampadas diante dos quartéis. Destas, 745 foram liberadas imediatamente após a identificação, entre elas as maiores de 70 anos, as com idade entre 60 e 70 anos com comorbidades e cerca de 50 mulheres que estavam com filhos menores de 12 anos nos atos.

Das 1.406 que seguiram presas, permanecem na prisão 440 homens e 82 mulheres. As demais obtiveram liberdade provisória para responder ao processo mediante cautelares.

As cautelares aplicadas, previstas no artigo 319 do CPP, foram as seguintes:

– Proibição de ausentar-se da comarca e recolhimento domiciliar no período noturno e nos finais de semana mediante tornozeleira eletrônica;

– Obrigação de apresentar-se perante ao juízo da Execução da comarca de origem, no prazo de 24 horas, e comparecimento semanal, todas as segundas-feiras;

– Proibição de ausentar-se do país, com obrigação de entregar seus passaportes no prazo de cinco dias;

– Cancelamento de todos os passaportes emitidos pela República Federativa do Brasil;

– Suspensão imediata de quaisquer documentos de porte de arma de fogo em nome da pessoa investigada, bem como certificados CAC;

– Proibição de utilização de redes sociais;

– Proibição de comunicar-se com os demais envolvidos, por qualquer meio.

Conforme apresentado pelo ministro em sessão do Plenário, o STF trabalha para dar celeridade aos procedimentos relacionados aos atos, assegurando a todos os investigados o devido processo legal.

Até o momento, a PGR denunciou 919 pessoas por incitação pública ao crime e associação criminosa. Dessas, 219 responderão também por crimes mais graves – dano qualificado, abolição violenta do estado de direito e golpe de estado.

O ministro destacou que a PGR deixou de oferecer acordo de não persecução penal, por entender que a tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito é incompatível com a medida de despenalização. Todos foram notificados para apresentar defesa prévia.

Ministro do STF Luís Roberto Barroso recebe alta hospitalar

Entrevista coletiva do ministro Roberto Barroso por videoconferência. Brasília-DF, 26/05/2020

Foto: Roberto Jayme/ASCOM/TSE

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso recebeu alta hospitalar neste domingo (12). Barroso estava internado no Hospital Sírio Libanês, em Brasília, em decorrência de obstrução intestinal.

No fim de fevereiro, o ministro passou por cirurgia para o fechamento de uma hérnia incisional. Após o procedimento, Barroso chegou a participar da sessão do STF, mas voltou a passar mal e precisou ser operado mais duas vezes devido a três episódios de obstrução intestinal.

Na quinta-feira (9), o ministro deixou a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e ficou em observação no quarto do hospital.

Barroso é vice-presidente do STF e vai ocupar a presidência da Corte a partir outubro deste ano, quando a atual presidente, ministra Rosa Weber, atinge a idade de aposentadoria compulsória.

O ministro foi indicado para o Supremo pela presidente Dilma Rousseff, em 2013. Ele é também professor titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), mesma instituição pela qual se formou doutor em direito público.

Violência contra mulher: mais da metade dos estados não repassou dados

Violência doméstica violência contra a mulher

Dezoito estados e o Distrito Federal (DF) não forneceram dados sobre violência contra as mulheres, em descumprimento à Lei Acesso à Informação (LAI). Entre eles, Acre, Paraíba e Santa Catarina negaram completamente o acesso aos seus indicadores estaduais. Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e DF não responderam aos pedidos de envio dos indicadores.

O mapeamento faz parte de uma parceria entre o Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal, a empresa social Gênero e Número e o Instituto Avon. Os pedidos de dados de segurança aos estados e ao Distrito Federal foram encaminhados pela Gênero e Número, em meados de 2022.

Em resposta, Maranhão, Tocantins, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, e Rio Grande do Sul enviaram informações insuficientes. Apenas os estados de Roraima, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Ceará, São Paulo e Espírito Santo mandaram os dados completos conforme solicitado.

“Como somos do Senado, a gente tem feito um trabalho de procurar os senadores desses estados que ainda não enviaram [os dados] para pedir esse reforço junto aos secretários de Segurança estaduais, para ver se a gente consegue esses dados e dar continuidade ao projeto”, disse a coordenadora do Observatório da Mulher no Senado Federal, Maria Teresa Prado, em entrevista à Agência Brasil.

A reportagem da Agência Brasil entrou em contato com os estados que não apresentaram as informações solicitadas para ouvir seus posicionamentos, mas até a publicação deste conteúdo não recebeu resposta.

Levantamento

A parceria surgiu da necessidade de unificar, organizar, analisar e monitorar estatísticas públicas nacionais sobre violência contra mulheres. O primeiro caminho da pesquisa foi utilizar a LAI para pedir às unidades federativas dados sobre segurança pública, especialmente, dos registros de ocorrência e feminicídios, e ainda das chamadas para a Polícia Militar.

O projeto partiu do entendimento que, para a pesquisa, era preciso fazer o mapeamento dos dados pelos integrantes da parceria e, assim, garantir “a transparência e a disponibilidade de bases sobre violência contra as mulheres em diferentes setores: saúde, segurança pública, justiça, entre outros”. A intenção era assegurar o cumprimento da lei, que garante acesso aos dados a todos os cidadãos de forma igualitária.

“A gente quer trabalhar a qualidade desses dados gerais de violência contra mulher para que eles sejam melhorados. É nessa linha que a gente quer trabalhar com essa parceria”, pontuou a coordenadora do Observatório da Mulher no Senado Federal.

Segundo a coordenadora de Projetos, Pesquisa e Impacto do Instituto Avon, Beatriz Accioly, por meio dessas informações será possível entender qual o cenário brasileiro em relação à violência contra a mulher:

“O projeto é de criar esse repositório [de dados] que vai estar hospedado em [uma extensão] .gov, ou seja, vai ter uma plataforma oficial ligada ao Senado Federal.”

Beatriz acrescenta que essa consolidação de dados já ocorreu com o DataSUS em relação à saúde da mulher. No entanto, as informações relativas à segurança pública ainda não têm uma plataforma de fácil acesso, destacou.

Padronização

De acordo com a coordenadora do Observatório da Mulher, a ideia é trabalhar em cima da conscientização sobre a importância desse levantamento. “A gente sabe que são vários impedimentos, desde a pessoa que preenche o boletim, o fato de ter um formulário único. São várias questões para serem tratadas e [é importante que] isso seja resolvido para que a gente tenha um banco de dados”, diz Maria Teresa, acrescentando que além de virem, muitas vezes, incompletos, os dados são organizados de forma diferente em cada estado.

De acordo com os pesquisadores, o trabalho seria mais fácil se as unidades da federação e o Distrito Federal tivessem uma padronização. Maria Teresa lembrou que, em 2021, foi aprovada a lei que criou a Política Nacional de Dados e Informações Relacionadas à Violência contra as Mulheres (PNAINFO), mas ainda precisa de regulamentação para entrar em prática.

“O que é chocante é a gente ver que os dados de feminicídio são altos, mas pensar que existe uma subnotificação muito grande. Se fosse real, ainda seria muito maior”, completou Maria Teresa.

Políticas públicas

A coordenadora do observatório espera que, com as medidas anunciadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para garantir mais segurança e direitos das mulheres, as pesquisas evoluam com maior disponibilidade de dados que vão favorecer a elaboração de políticas públicas.

“Tenho muita esperança que sim. Só o fato de ter o Ministério da Mulher e ter as ações anunciadas que perpassam todos os ministérios. Colocar a questão da mulher como questão transversal aos ministérios acho que foi muito importante. Agora cabe a gente cobrar tudo que estava ali. Tudo indica que o tema vai ser priorizado”, afirmou Maria Teresa.

Na visão de Beatriz Accioly, o dado é um instrumento para possibilitar análises, diagnósticos, direcionar recursos e tomar decisões. “Para isso é que deve ser utilizado, mesmo que não tenha a qualidade que se procura. A gente tem que trabalhar nas duas frentes: buscar a qualidade, a transparência, mas também utilizar os que tem na medida do possível para orientar as políticas públicas”, apontou.

Aos 82 anos, morre o ator e diretor Antônio Pedro

Rio de Janeiro (RJ) - O ator, Antônio Pedro morreu neste domingo (12) de março, aos 82 anos, em decorrência de insuficiências renal e cardíaca.  Foto: Divulgação

O ator, diretor, roteirista e produtor Antônio Pedro morreu neste domingo (12), no Rio de Janeiro, aos 82 anos, de insuficiências renal e cardíaca. Ele estava internado em um hospital na cidade. Segundo o Crematório e Cemitério da Penitência, o velório será na segunda-feira (13), a partir das 10h, na capela 2, no bairro do Caju, região portuária da capital. A cremação foi marcada para às 15h30.

Em nota, divulgada no seu site, a Rede Globo informou que o ator carioca nascido em 11 de novembro de 1940 levou uma vida dedicada às artes. A carreira começou na década de 1960. Após fazer cursos e especializações em Paris, passou a atuar também como diretor, roteirista, humorista e produtor em dezenas de filmes, peças e obras na televisão.

A estreia foi na TV Tupi em 1969, na telenovela Super Plá. Três anos depois entrou para TV Globo, onde começou na novela O Bofe. O currículo em novelas, humorísticos, infantis e séries inclui ainda Sassaricando (1987), Bebê a Bordo (1988), Escolinha do Professor Raimundo (1990/92/94), Caça Talentos (1996), Explode Coração (1996), Sítio do Picapau Amarelo (2002), A Diarista (2006), Malhação (2007/2009) e Zorra (2015-2017).

As últimas atuações na emissora foram na novela Sucesso (2019), e nas séries Shippados (2019) e Filhas de Eva (2021). Para a Rede Globo, a atuação de Antônio Pedro na TV “sempre foi intensa”.

No cinema nacional teve destaque em filmes como Gabriela, cravo e canela (1983), Dias Melhores Virão (1989), O que é isso Companheiro (1997) e também em grande parte dos filmes do também ator e diretor Hugo Carvana.

Antônio Pedro teve ainda importante participação no cenário político, sendo filiado ao PDT. Na década de 1980, foi nomeado diretor de teatros da Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj) e Secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. Nos anos 90, foi coordenador do projeto Teatro na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

No seu perfil no Instagram, a atriz Ana Baird, uma das filhas do ator, postou uma mensagem ao pai junto com fotos dos dois.

“Referência. Amor incondicional. Honra e orgulho. Obrigada por tudo. Obrigada por tanto. Vai na luz,Pai. Tem um elenco maravilhoso te esperando do outro lado pra festa. O Teatro te agradece. Eu te agradeço imensamente. Te amo.”

Em resposta à mensagem de Ana, o ator Lúcio Mauro Filho postou uma mensagem: “Meu amor!!! Toda a luz do mundo pra iluminar o caminho do papai pela imensidão da eternidade! Grande homem, grande referência! Te amo!

Ainda na rede social, a atriz Heloísa Perissé escreveu para a amiga: “Amada um beijo enorme no coração de vocês!!! Obrigada por tudo que seu pai foi pra nossa cultura!!! E por ter deixado duas filhas tão talentosas! Te amo “, disse lembrando da irmã de Ana, a também atriz Alice Borges. Além das duas, Antônio Pedro era pai de Fábio Borges.

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, emitiu nota de pesar em que destacou a importância de Antônio Pedro na cultura nacional. “O brilhante ator Antônio Pedro nos deixou, neste fim de semana, aos 82 anos. Um profissional completo que além de ator, diretor e roteirista, teve participações importantes na gestão pública da cultura do nosso estado. Ele nos fez rir e chorar nas dezenas de participações em novelas e peças teatrais e, fora dos palcos, na administração pública”, disse .

“A ausência de Antônio Pedro vai representar um vazio e uma perda enorme para a cultura brasileira. Meus profundos sentimentos de pesar aos familiares e amigos”, completou.

Especialistas pedem revogação do novo ensino médio

Alunos da Escola Sesc de Ensino Médio durante aula, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio.

Entidades e pesquisadores da área da educação afirmam a necessidade de revogação da lei de 2017 que estabeleceu o novo ensino médio e sugerem a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio publicadas em 2012. Na última semana, o Ministério da Educação (MEC) abriu consulta pública para avaliação e reestruturação da política nacional de ensino médio, mas, para os especialistas, antes do diálogo, é urgente a revogação da medida.

“E, ao ser revogado, é necessário que o governo receba estudantes, professores e profissionais da educação pra poder formular e concretizar um modelo de ensino que faça sentido pra nossa geração”, disse à Agência Brasil a presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Jade Beatriz.

Para o professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, a abertura de diálogo é sempre positiva, mas a consulta do MEC não deixa a agenda completamente aberta para discussão.

“Ela restringe a participação a um cronograma muito apertado e, simplesmente, a questões de implementação da reforma, sendo que a demanda dos estudantes e dos professores é a revogação”, disse. “O que a reforma tem gerado de desorganização das redes, de desestruturação curricular e de baixíssima formação dos estudantes é algo que precisa ser, de fato, denunciado”, completou.

A consulta tem prazo de 90 dias para as manifestações, com possibilidade de prorrogação. Ela será implementada por meio de audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares sobre a experiência de implementação do novo ensino médio nos 26 estados e Distrito Federal.

Para a professora e coordenadora do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mônica Ribeiro da Silva, a estratégia da consulta pública, pelo prazo apresentado, pode desmobilizar o debate nacional que já está em andamento. Ela sinaliza que não há a disposição do governo para uma mudança mais estrutural, de revogação, mas sim de fazer ajustes naquilo que já existe na reforma do ensino médio.

“Esperávamos um ministério que, de fato, pusesse um fim àquela lei que nasceu do golpe de 2016, pelo governo [Michel] Temer, por medida provisória, no debate apressado no Congresso Nacional e que acabou sendo regulamentada em cada rede estadual de um jeito. Nós temos, hoje, 27 ensinos médios pelo Brasil. Nós temos currículos com 200 páginas e currículos com 900 páginas, todos eles com assessoria privada. Este novo ensino médio é um enorme mercado que existe apenas para atender as fundações empresariais”, apontou a professora da UFPR.

Sala de aula
Sala de aula – REUTERS / Amanda Perobelli / Direitos reservados

Procurado pela reportagem, o MEC encaminhou declaração pública do ministro da Educação, Camilo Santana, em que esclarece que a consulta é exatamente para orientar e subsidiar as decisões que serão tomadas.

“Já identificamos que há necessidade de correções, necessidade de um bom debate. Porém, acho que é do processo democrático, até porque o ensino médio já está em andamento na sua implementação, [acho que] é importante ouvir as entidades, os especialistas da área, os estudantes, professores, para que a gente possa, com muita responsabilidade, tomar decisões. Nosso grande objetivo é garantir qualidade, um bom ensino médio para os estudantes jovens do Brasil”, disse.

Segundo o ministro, as decisões precisam ser tomadas brevemente, pois as diretrizes da política servirão de base para a elaboração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024.

No entanto, uma pesquisa recente do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Social da Indústria (Sesi) sobre as mudanças que estão sendo realizadas apontam o desconhecimento da população sobre a reforma. “Infelizmente, não houve uma articulação estruturada sobre as mudanças trazidas entre a aprovação da nova legislação, em 2017, e o início da obrigatoriedade de sua implementação, no início de 2022”, disse o diretor-geral do Senai e diretor-superintendente do Sesi, Rafael Lucchesi.

O novo ensino médio

A atual política do ensino médio, Lei 13.415/2017, foi aprovada em 2017 com o objetivo de tornar a etapa mais atrativa, implantar o ensino integral e evitar que os estudantes abandonem os estudos.

Com o modelo, parte das aulas deverá ser comum a todos os estudantes do país, direcionada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Na outra parte da formação, os próprios alunos poderão escolher um itinerário para aprofundar o aprendizado. Entre as opções, está dar ênfase às áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ao ensino técnico. A oferta de itinerários, entretanto, depende da capacidade das redes de ensino e das escolas.

A implementação ocorre de forma escalonada até 2024. Em 2022, ela começou pelo 1º ano do ensino médio com a ampliação da carga horária para, pelo menos, cinco horas diárias. Pela lei, para que o novo modelo seja possível, as escolas devem ampliar a carga horária para 1,4 mil horas anuais, o que equivale a sete horas diárias. Isso deve ocorrer aos poucos.

Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), mesmo em meio à pandemia de covid-19, as secretarias estaduais mantiveram o cronograma e todos os estados já estão com os referenciais curriculares do novo ensino médio homologados. Em 2023, a implementação segue com o 1º e 2º anos e os itinerários devem começar a ser implementados na maior parte das escolas. Em 2024, o ciclo termina, com os três anos do ensino médio.

Além das atribuições no Observatório da UFPR, Mônica coordena uma rede de 23 grupos de pesquisa pelo país que acompanha, desde 2017, a regulamentação e implementação do novo ensino médio nas escolas. Segundo ela, o movimento estudantil, as entidades de classe e as sociedades científicas já entregaram ao MEC o resultado desses anos de pesquisa que aponta os problemas da política atual do ensino médio, material que poderia ser utilizado para embasar a revogação e acelerar as mudanças necessárias.

Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, as entidades de classe querem o retorno do Fórum Nacional da Educação, na composição que existia em 2016, antes de ser alterado pelo governo Michel Temer. O fórum é um espaço de interlocução entre a sociedade civil e o governo, estabelecido pela lei do Plano Nacional da Educação (PNE), de 2014.

“Ele é composto de 50 entidades e movimentos da educação e tem a tarefa de avaliar políticas públicas e fazer propostas ao MEC sobre os melhores encaminhamentos. Entendemos que esse espaço, restituído sua composição de 2016, seria o espaço adequado para fazer esse debate do ensino médio”, disse ele, também defendendo a revogação da atual lei.

Diretrizes adequadas

Para Araújo, uma das alternativas é a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio definidas em 2012 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) após extenso debate, mas que acabaram paradas com a desorganização política do país a partir de 2013. “Elas apontam a perspectiva de projeto entre as disciplinas, para integrar esse processo de formação e encontrar uma forma de deixar o ambiente mais adequado no processo de ensino e aprendizagem”, explicou o presidente da CNTE.

O texto traz avanços quanto à concepção do ensino médio como um direito social de cada pessoa e dever do Estado em sua oferta pública e gratuita a todos. A resolução do CNE articulou os eixos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura para formação integral do estudante, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

Para a professora da UFPR, “nenhuma lei é eterna e, assim como foi mudada em 2017, pode ser alterada novamente”. “Nós tínhamos no Brasil experiências muito interessantes dos governos do PT antes dessa reforma, por exemplo, as diretrizes curriculares nacionais de 2012, que sequer foram implementadas, que trazem uma outra concepção do ensino médio e de juventude”, ressaltou.

“Nós tínhamos a experiência do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, a experiência do Ensino Médio Integrado. Então não dá para dizer também que não tem o que por no lugar. E, obviamente, a partir daí outras contribuições seriam necessárias”, acrescentou.

Segundo Daniel Cara, a aplicação das diretrizes de 2012 fariam com que o Brasil construísse “um caminho de fortalecimento da etapa do ensino médio”. Além disso, para ele, uma alternativa seria colocar na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que a implementação dos itinerários fosse facultativa para as redes e escolas.

“E eu tenho certeza que se ela for facultativa, em pouquíssimo tempo, a maior parte das redes públicas não vai seguir com a reforma, o que significa concretamente que a reforma não é boa, elas estão sendo forçadas à implementação”, argumentou.

Disciplinas: brigadeiro e sabonete

A professora Mônica Ribeiro afirma que o novo ensino médio fragiliza a formação dos estudantes e aumenta a evasão e abandono escolar. Ela cita a redução de carga horária de disciplinas como sociologia, filosofia e biologia, “que os estudantes precisam, inclusive se quiserem cursar a universidade”, e critica a substituição dessas por “coisas” como: “fazer brigadeiro, como cuidar dos pets, como fazer sabonete”.

“O que significa para um jovem de escola pública, que é 85% das matrículas no Brasil do ensino médio, cursar essas quinquilharias? Será que nós já não temos elementos suficientes para uma intervenção mais séria? Enquanto se realiza essa famigerada consulta pública, os estudantes continuarão a ter essas ‘coisas’ que eu me recuso a chamar de disciplinas. Isso é que eu chamo de uma violência”, disse.

Já para a presidenta da Ubes, Jade Beatriz, além da grade curricular ruim, o novo ensino médio desconsidera as diversas realidades estruturais do país e agrava as desigualdades sociais. “Enquanto estudantes de escolas particulares estão nos laboratórios de robótica, química e física, temos aula de como fazer brigadeiro na grade curricular da escola pública. Isso é muito injusto! Nesse modelo não há um incentivo e capacitação para querer adentrar a universidade”, argumentou.

Alunos da Escola Sesc de Ensino Médio durante aula, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio.
Alunos da Escola Sesc de Ensino Médio durante aula, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. – Tomaz Silva/Agência Brasil

“Nossas escolas não têm estrutura. É só fazer um recorte e ver a fotografia da escola pública hoje: teto desabando, salas alagadas quando chove, banheiro sem pia, escola sem banheiro, muitos sem saneamento e sem merenda. […] Como aumentamos tanto a grade curricular para escolas que não tem o mínimo de estrutura pra executar?”, questionou.

“Muitos estudantes precisam frequentar mais de uma escola pra poder conseguir cumprir toda grade. Isso envolve muito, envolve passagem de ônibus, envolve alimentação, envolve um pequeno recurso que pode vir a ser muito para os estudantes, que por consequência, acabam desistindo”, finalizou.

Estrutura insuficiente

Além disso, para Mônica, é falsa a possibilidade de escolhas dos estudantes, já que muitas escolas, justamente pela falta de estrutura citada por Jade, oferecem apenas um itinerário formativo, sobretudo aquelas dos municípios menores ou das periferias das grandes cidades, “gerando uma desigualdade imensa do acesso a conhecimento entre os estudantes”.

Nesse mesmo sentido, o presidente da CNTE lembra que em Pernambuco, onde um modelo semelhante ao novo ensino médio já vinha sendo aplicado há 17 anos, mais de 800 mil jovens entre 15 e 29 anos não concluíram o ensino médio, enquanto aqueles que concluíram ou estão matriculados somam 341 mil. Segundo ele, o modelo passou a ser aplicado quando Mendonça Filho era vice-governador de Pernambuco, o mesmo que foi ministro da Educação do governo Temer, na ocasião da reforma nacional.

“Quando você fecha três turnos da escola e coloca ela em tempo integral, você tira a juventude da escola, principalmente os mais pobres que precisam ajudar a família a ter o sustento do dia a dia”, disse Araújo, também destacando negativamente o esvaziamento do conteúdo disciplinar.

Para o professor Daniel Cara, apesar de algumas poucas escolas conseguirem ofertar a educação integral e o aprofundamento curricular dos itinerários, a reforma do ensino médio fracassou.

“Temos sempre que pensar a política educacional na escala, são 180 mil escolas no Brasil e boa parte oferta o ensino médio. E pensando no conjunto das escolas, a reforma hoje tem gerado mais problemas do que trazido soluções. […] O novo ensino médio está sendo implementado e não está acontecendo, porque ele é tão caótico, é tão desorganizado que ele sequer se estruturou”, explicou. “O problema não é de implementação e organização, o problema é que a reforma não é adequada”, completou.

Segundo ele, pelo que se tem visto nas escolas e nos trabalhos relacionados a projeto de vida e empreendedorismo, o Brasil será “uma fábrica de coachings de Instagram” se houver insistência na atual reforma. “É um conteúdo completamente absurdo nas escolas, é tratar questões sérias como filosofia, sociologia, história e geografia como autoajuda. Isso não pode prevalecer”, disse.

Para o diretor do Sesi/Senai, Rafael Lucchesi, a reforma vai na direção certa ao superar o modelo de ensino passivo-reprodutivo e incentivar o protagonismo do estudante na construção de um projeto de vida e de carreira por meio de uma abordagem interdisciplinar.

“Acreditamos, portanto, que os debates devem ser direcionados para identificar os gargalos e possibilitar uma implementação efetiva do modelo”, disse. “Para isso, são indispensáveis investimentos, não só em estruturas físicas e equipamentos, como também na formação de professores, cujo papel é determinante para as transformações do sistema de ensino e manutenção da qualidade da prática pedagógica e dos resultados da aprendizagem”, destacou.