Correio Braziliense
A decretação da prisão do ex-presidente Lula logo após o julgamento do habeas corpus (HC) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dividiu especialistas quanto aos próximos passos que restam à defesa para tentar livrar o petista da cadeia. Para uns, Lula não tem mais saída. Vai ter que se apresentar e entrar finalmente em cárcere. Para outros, a luta pela liberdade ainda não acabou. Até o fim da tarde de hoje, a situação de Lula pode mudar radicalmente. Houve unanimidade apenas em um ponto: a decisão do juiz Sérgio Moro de colocar o ex-presidente atrás das grades foi “extremamente rápida”.
“Essa decretação pegou todos nós de surpresa. Esperávamos que o Tribunal Regional Federal (TRF-4) aguardasse o julgamento de embargos de declaração — ou infringentes — porque há uma súmula do próprio tribunal definindo que mandado de prisão somente depois de todos os recursos”, destacou a advogada Fernanda de Almeida Carneiro, criminalista e professora da pós-graduação em direito penal da Faculdade de Direito do IDP-SP. Por outro lado, Fernanda Carneiro considerou que, nesse caso específico, talvez o juiz tenha entendido que “embargo não tem caráter modificativo”, porque, em 2016, quando o STF autorizou a prisão em segunda instância, “não foi feita ressalva”.
O ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp ressaltou também a rapidez com que o mandado de prisão foi expedido e criticou ainda o despacho de Moro. “Foi uma rapidez incomum e até despropositada. Ele não é um homicida que está em fuga”, pontuou. Para Dipp, Moro utilizou uma linguagem inapropriada ao dizer que hipotéticos embargos de declaração constituem apenas uma “patologia protelatória que deveria ser eliminada do mundo jurídico”. “Essa não é uma maneira ideal para escrever um despacho de um caso que ganhou grande notoriedade e que foi julgado pelo STF e ficou 6 a 5”, pontuou.
João Paulo Martinelli, também professor de pós-graduação de direito penal do IDP, concordou que a “decretação da prisão foi um tanto acelerada”. “Não estou afirmando que foi perseguição política, mas todo esse trâmite se deu de maneira peculiar”. Para ele, “a Constituição é clara”: prisão após o trânsito em julgado. “A ministra Rosa Weber disse isso em seu voto”, lembrou. Para Martinelli, até as 17h de hoje, a prisão tende a ser revogada. “Basta uma liminar do ministro Marco Aurélio de Mello, relator, conceder uma liminar até que as ADCs sejam votadas, como sugeriu durante o julgamento do HC.”
Martinelli também discorda das interpretações de seus colegas de que se o STF tivesse aprovado o HC de Lula, os condenados pela Lava-Jato seriam soltos. “O HC é individual. Não tem efeito vinculante. Não solta estupradores e homicidas. E nem aqueles em prisão preventiva, como o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.”
Celso Vilardi, criminalista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), considerou o trâmite absolutamente normal. “Já estava posto que a liminar era somente para que Lula não fosse preso até o julgamento dos embargos. Isso já aconteceu”. Mesmo enxergando “normalidade”, Vilardi também se assustou com a rapidez. “Acho que o TRF-4 deveria ter aguardado a possibilidade de um segundo embargo”, disse.
Para Antônio Pitombo, do escritório Moraes Pitombo Advogados, o único problema do pedido de prisão do Lula expedido ontem é o “não cumprimento da legalidade determinada”. “Todas as ações que envolvem o Sérgio Moro ocorrem sempre fora do esperado. Como é um dever do setor público, devemos cumprir a lei”, acrescentou.
Movimentos sociais
A Central Única dos Trabalhadores disse, em nota, que a prisão do Lula “é uma afronta à Constituição” e abre precedentes graves na Justiça brasileira. O movimento afirmou também que continuará atuando para unificar e intensificar a capacidade de resistência de toda a esquerda e dos setores democráticos. “Hoje, Lula que é impedido de ser candidato a presidente por ter sido vítima de processo inventado e manipulado para torná-lo inelegível. Se hoje atacam e condenam Lula, amanhã pode ser qualquer outro brasileiro”, escreveu.
Os sindicalistas das centrais sindicais Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB demonstraram solidariedade e apoio ao ex-presidente e consideraram a decretação da prisão dele “uma medida radical que coloca a sociedade em alerta”. “Vivemos no Brasil, nos últimos anos, um clima de perseguição política, que tem como pretexto o combate à corrupção, mas quer extirpar do jogo político qualquer programa que valorize a área social, o trabalho e a renda do trabalhador.”