Numa reunião de quase duas horas, no Palácio do Planalto, a diretoria do Conselho Federal de Medicina (CFM) apresentou hoje (16), ao presidente da República Jair Bolsonaro, o novo Código de Ética Médica (CEM), detalhado na Resolução nº 2.217/2018 e que entra vigor no próximo dia 30 de abril. Na oportunidade, os representantes da autarquia apresentaram uma pauta com quatro itens de reivindicações da categoria. O ministro da Saúde, Luís Henrique Mandetta, também esteve presente.
Da lista apresentada fazem parte: a criação da carreira de Estado para médicos na rede pública (SUS); e a definição do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), por meio de lei federal, como única forma de acesso dos portadores de diplomas de Medicina obtidos no exterior ao mercado brasileiro.
Os médicos pediram ainda o reconhecimento do Sistema de Acreditação de Escolas Médicas (Saeme), do CFM, como plataforma oficial de avaliação de cursos de medicina no País; e a atualização do Decreto Presidencial nº 44.054/1958, que regulamenta a Lei nº 3.268/1957, em função de legislações e práticas vigentes.
“Foi uma reunião produtiva e com sinalização positiva por parte do presidente para os pleitos apresentados pelos médicos, por meio do CFM. Entendemos que foi dado um importante passo para a implementação desses projetos que serão fundamentais para manter a qualidade da assistência e do ensino da medicina no Brasil”, pontuou o presidente do CFM, Carlos Vital, após a reunião.
Carreira – Dos quatro pleitos, o mais antigo é o que prevê a criação de uma carreira de Estado para o médico que atua no SUS. Atualmente, este tema tem sido discutido no âmbito do Ministério da Saúde, sendo que também há a Proposta de Emenda Constitucional nº 454/2009, de autoria do então senador Ronaldo Caiado, que se encontra pronta para ser colocada em votação no Plenário da Câmara dos Deputados.
O pedido dos médicos é que essa carreira seja implementada com acesso por meio de concurso público, sendo que dentre suas características constam o compromisso do gestor de garantir aos municípios onde as vagas serão disponibilizadas a infraestrutura adequada para a oferta de assistência segundo padrões de qualidade; bem como a uma rede eficaz de referência para encaminhamento de casos mais graves, permitindo acesso à atenção integral em todas as localidades.
Os interessados contariam com uma remuneração adequada para permitir a dedicação exclusiva, a oferta de um programa de educação continuada (presencial e à distância) e a possibilidade de progressão funcional, nos moldes dos empregados atualmente pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. “Esse é um projeto que pode ajudar a resolver, de forma estruturada, os problemas de fixação de médicos em áreas distantes”, ressaltou José Hiran Gallo, diretor-Tesoureiro do CFM.
Exame – Sobre o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), o CFM propôs que ele seja estabelecido por meio de lei, tornando-se a única forma de acesso dos portadores de diplomas de Medicina obtidos no exterior ao mercado brasileiro. “Essa medida reduz a possibilidade de exposição a profissionais sem a devida qualificação ao aplicar um instrumento de avaliação justo, idôneo e transparente, capaz de mensurar os candidatos em função de seu conhecimento, habilidades e atitudes”, destacou o conselheiro Hermann von Tiesenhausen, diretor de Comunicação do CFM.
No escopo dessa legalização do processo, o CFM pleiteou junto à Presidência da República que a coordenação do Exame passe para sua responsabilidade, como já foi sugerido, inclusive, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao Ministério da Educação, que tem conduzido as provas desde sua criação. O pedido do CFM está no escopo do Projeto de Lei nº 4.067/2015, da Câmara dos Deputados, que se encontra pronto para votação na sua Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em caráter terminativo. Se aprovado, ele segue direto para sanção presidencial.
Acreditação – Outra proposta dos médicos ao Presidente é de que seja feito o reconhecimento do Sistema de Acreditação de Escolas Médicas (Saeme), do CFM, como plataforma oficial de validação da qualidade de cursos de medicina no País. O projeto, em vigor desde 2015, já certificou 32 programas de graduação no Brasil, a partir de critérios específicos.
Inspirado na experiência de sucesso do Liaison Committee on Medical Education (LCME) – processo oficial de acreditação dos cursos de medicina dos Estados Unidos e Canadá –, o Saeme já cumpriu uma série de requisitos e está a um passo de ser reconhecido pela World Federation For Medical Education (WFME), a maior entidade mundial no tema.
“Ressalte-se que a partir de 2023, médicos brasileiros interessados em imigrar (candidatando-se ao exercício da profissão) ou participar de programas de pós-graduação em medicina nos Estados Unidos somente poderão fazê-lo se forem egressos de escolas certificadas por sistema de acreditação reconhecidos pela WFME”, ressaltou o 1º vice-presidente do CFM, Mauro Ribeiro.
Segundo ele, com a oficialização do Saeme pelo Governo Federal, o Ministério da Educação, por meio de convênio com o CFM, poderia utilizar esse instrumento para fazer o reconhecimento e/ou a certificação de cursos de medicina.
Modernização – A atualização do Decreto Presidencial nº 44.054/1958, que regulamenta a Lei nº 3.268/1957, foi o último ponto da pauta entregue no encontro com o presidente Jair Bolsonaro. A diretoria informou que o CFM se dispõe a ajudar na elaboração de novo texto. “Queremos promover a modernização dessa norma, que já completa seis décadas sem nunca ter passado por uma revisão. Ao estabelecer esse processo, pretende-se a adequá-la às legislações e práticas vigentes, o que trará avanços para o exercício da medicina no País”, destacou o 3º vice-presidente Emmanuel Fortes.
Segundo ele, na conversa com o presidente Bolsonaro foi ressaltado o compromisso dos médicos com o Brasil e o empenho da categoria com a defesa do interesse público, com a oferta de serviços de saúde de qualidade e com o aprimoramento do SUS. “Nesse sentido, para garantir a efetividade da assistência, atualmente, os médicos em atividade no País, mesmo sob condições adversas, têm empenhado esforços para atender a população, em especial as parcelas menos favorecidas da sociedade”, destacou.
Produção – O 2º vice-presidente do CFM, Jecé Brandão, destacou os números que confirmam o que chamou de engajamento cívico dos médicos com a saúde brasileira. Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2014 e 2018, apenas nos serviços da rede pública, esses profissionais estiveram diretamente envolvidos em 1,3 bilhão de consultas (de todos os níveis de complexidade); em 22,7 milhões de procedimentos cirúrgicos; e em 342 mil transplantes de órgãos e tecidos. Desse total, 655 milhões de atendimentos foram realizados em prontos-socorros e Unidades de Pronto Atendimento (Upas).
Infelizmente, a equação entre demanda expressiva e dificuldades para o exercício da profissão tem cobrado seu preço. De acordo com Brandão, “face à infraestrutura deficitária (falta de leitos, insumos, medicamentos e equipes de apoio), o que têm contribuído para o aumento de casos de agressão de pacientes e familiares contra os profissionais; e à precarização de vínculos empregatícios, com consequente instabilidade funcional e remuneração aquém da sua responsabilidade e preparo exigido; os médicos brasileiros se sentem desvalorizados e não reconhecidos. Inclusive, há estudos que sugerem que essa situação tem levado ao aumento da incidência de doenças decorrentes do stress e da Síndrome de Burnout na categoria”.
Novo CEM – No encontro, finalmente, os representantes do CFM detalharam ao presidente Bolsonaro pontos que se destacam no Código de Ética Médica, que contém normas que devem ser seguidas por organizações de prestação de serviços médicos e pelos médicos no exercício de sua profissão. O texto passa a valer a partir de 30 de abril.
“Ao atender uma necessidade natural e permanente de aperfeiçoamento, a revisão do Código de Ética Médica foi feita sob o prisma de zelo pelos princípios deontológicos da medicina, sendo um dos mais importantes o absoluto respeito ao ser humano, com a atuação em prol da saúde dos indivíduos e da coletividade, sem discriminações”, disse a conselheira Rosylane Rocha, que participou do grupo que coordenou o processo.
O novo texto atualizou a versão anterior, de 2009, incorporando abordagens pertinentes às mudanças do mundo contemporâneo. Temas como inovações tecnológicas, comunicação em massa e relações em sociedade foram tratados, dentre outros. As mudanças resultaram de 1.431 propostas enviadas por associações médicas, sociedades de especialidades, entidades de ensino médico, dentre outras organizações, sendo que “o documento final reforça o compromisso ético da categoria com o bem-estar e a saúde dos pacientes, coibindo interações com fim de lucro, incompatíveis com os princípios da boa medicina”, resumiu ela.