O governo articula o apoio de segmentos religiosos e tenta atrair governadores na tentativa de reverter a provável derrota no Congresso e manter o veto às restrições às “saidinhas” de presos. Ainda que o projeto tenha sido aprovado com apoio expressivo no Legislativo, o Palácio do Planalto avalia que parlamentares da bancada evangélica e ligados a setores católicos podem ser permeáveis ao argumento da ressocialização, enquanto chefes dos Executivos estaduais, responsáveis por presídios, podem ser convencidos que o fim do benefício seria um fator com potencial de causar distúrbios nas unidades.
Mesmo os responsáveis pela estratégia, no entanto, admitem a dificuldade diante da posição majoritária do Congresso. Apesar dos esforços de aproximação com evangélicos, as resistências ao governo persistem. No caso das “saidinha”, o argumento estaria centrado na relação dos religiosos com a ressocialização e a própria atuação dentro do sistema prisional.
Já em relação aos governadores, o eixo é também pragmático: o mecanismo que permite aos presos em regime semiaberto visitarem familiares em datas comemorativas é visto por especialistas como um elemento que ajuda na manutenção da ordem nas cadeias. A maior preocupação do Planalto é com governadores de estados do Sul e do Sudeste.
Ao vetar as restrições às saidinhas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu a recomendação do Ministério da Justiça, comandado por Ricardo Lewandowski. A análise da pasta indica que o ponto que proibia presos de saírem da cadeia para visitar a família contraria a Constituição e fere o princípio da dignidade humana, além de estar em desacordo com convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. O trecho que barra a saída para convívio social poderia ser sancionado, na visão da pasta. Mas as duas restrições estão no mesmo artigo. Assim, é necessário um veto aos dois pontos.
— Apenas nesse ponto é que nós estamos descingindo (divergindo) da opinião majoritária do Congresso Nacional, no sentido de permitir a saída dos presos que se encontram no regime semiaberto para visitar as famílias. Nós entendemos que a proibição de visita às famílias dos presos que já se encontram no regime semiaberto atenta contra valores fundamentais da Constituição — disse Lewandowski na quinta-feira.
Lula faz um aceno à base de esquerda, historicamente contrária ao endurecimento penal, e um gesto de apoio ao titular da Justiça, que ao longo de sua carreira na magistratura sempre se manifestou contra o encarceramento em massa.
Foram sancionados os outros três pontos do projeto: o que obriga o exame criminológico para a progressão de regime; o que impõe a tornozeleira nas “saidinhas”; e o que proíbe o benefício para quem cometeu crimes hediondos.
“Opção do Congresso”
Uma ala do Congresso se movimenta para derrubar o veto já na próxima semana. Há receio no Planalto, que vê a derrota como provável, já que nem o PT assumiu posição contrária quando a iniciativa foi adiante. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sinalizou a parlamentares que a próxima sessão vai acontecer na próxima. A ideia é incluir a análise sobre a “saidinha” já nesta sessão.
Mais cedo, antes do anúncio do veto, Pacheco indicou que os parlamentares não concordariam se a decisão do governo fosse neste sentido:
— Há uma opção do Congresso Nacional de restringir as saídas temporárias. Não pode ser banalizado, porque é muito recorrente a reincidência de crimes.
O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), declarou que o Congresso consegue derrubar o veto facilmente. Da mesma forma, o senador Sergio Moro (União-PR) disse que vai trabalhar para derrubar o veto. O líder do PP na Câmara, Doutor Luizinho (RJ), afirmou que o assunto precisa ser resolvido de forma célere.
“Alguém esperava decisão diferente de Lula? Derrubaremos esse veto”, reclamou nas redes sociais o deputado Alberto Fraga (PL-DF), presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara e coordenador da “bancada da bala” do Congresso.
No Senado, em fevereiro, o texto foi aprovado com 62 votos a favor e apenas dois contrários. No plenário, dois terços dos votos vieram de senadores que fazem parte da base governista (42), incluindo três do próprio PT. Os únicos votos contrários foram de Cid Gomes (PSB-CE) e Rogério Carvalho (PT-SE). No mês seguinte, a Câmara dos Deputados aprovou a iniciativa em votação simbólica e de forma unânime, sem a oposição de nenhum dos partidos da esquerda.
O Globo