A pouco mais de um ano para as eleições de 2022, está em discussão no Congresso Nacional uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que busca alterar as regras para a escolha de deputados federais, estaduais e distritais e vereadores. De acordo com o texto, a ideia é acabar com o sistema proporcional, utilizado atualmente para se eleger os parlamentares e implementar, no ano que vem, o chamado distritão, que funcionaria nos moldes do sistema majoritário aplicado nas eleições para presidente, governadores, senadores e prefeitos.
Pela proposta, seriam eleitos deputados aqueles que mais recebessem votos, independentemente do desempenho do partido ao qual são filiados. No modelo proporcional, para um candidato sair vitorioso, primeiro a legenda à qual ele pertence tem que atingir um número mínimo de votos para ter direito a ocupar cadeiras no Poder Legislativo. Caso a sigla não atinja esse quociente eleitoral, o candidato não será eleito, mesmo que tenha conseguido uma margem expressiva de votos.
A PEC quer usar o distritão apenas em 2022, em caráter transitório, pois o objetivo maior do texto é instituir, a partir das eleições municipais de 2024, o sistema distrital misto. Nesse modelo, os eleitores teriam que votar duas vezes para os cargos eletivos na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras de Vereadores.
O primeiro voto seria para um candidato que tem reduto no distrito em que o eleitor vota. O segundo, para qualquer outro nome que esteja concorrendo a esses cargos no estado ou na cidade. Um mesmo candidato poderia concorrer nas duas listas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ficaria responsável por definir os distritos eleitorais com um ano de antecedência da eleição.
Desta forma, parte dos representantes seria eleita pelo princípio majoritário dentro dos distritos, enquanto a outra parte seria eleita pelo sistema proporcional de lista aberta, que é o que acontece hoje em dia. No caso das eleições para vereadores, esse método funcionaria apenas para cidades com pelo menos 100 mil eleitores. Para os efeitos da PEC valerem já nas eleições de 2022, a matéria deve ser aprovada na Câmara e no Senado até o início de outubro.
Dissonância
A proposta está em análise pela comissão especial criada na Câmara para tratar do tema, mas não é consenso entre os deputados do colegiado. Segundo a relatora da matéria, Renata Abreu (Podemos-SP), o sistema proporcional de lista aberta contribui para “consolidar e ampliar a distância que separa representantes de representados”.
“O sistema eleitoral majoritário proporciona maior fidelidade entre a votação verificada nas urnas e a representação parlamentar. É, sem dúvida, o sistema mais justo e que mais prestigia a soberania popular”, defende.
Mas a mudança para o distritão é criticada por outros parlamentares, que classificam o sistema como um retrocesso. O presidente da comissão, Luis Tibé (Avante-MG), pondera que “o distritão inviabilizaria o surgimento de novas lideranças no Congresso e facilitaria a eleição de candidatos apoiados por milícias e pelo tráfico”.
“Nós teríamos deputados sem representação popular e com poucas ideologias, sem falar que estaríamos acabando com a fidelidade partidária, pois o mandato não seria do partido. Os candidatos chegariam lá apenas pelos interesses de algum grupo. Isso é ruim para a democracia”, observa.
Menos representatividade
Coordenador do Observatório do Legislativo Brasileiro, o cientista político João Feres diz que a implementação do distritão e do distrital misto, além de diminuir a representatividade no Congresso, pode dificultar a renovação do parlamento. “O político que ganhar em determinado distrito passa a estabelecer redes de clientelismo com todo mundo, sobretudo com as pessoas mais poderosas, e se mantém para sempre como candidato daquele distrito. A taxa de renovação do distrito, portanto, tende a ser baixíssima”, observa.
O cientista político Ivan Ervolino, diretor de estratégia da startup de inteligência política Sigalei, reconhece que o parlamento precisa discutir pautas eleitorais para amadurecer a democracia do país, mas teme que a proposta em discussão esteja sendo analisada de forma precipitada.
“Me preocupa a velocidade que essas questões estão sendo colocadas, e essa pressa acaba desembocando em algum modelo ou sugestão equivocada. O grande desafio de qualquer modelo eleitoral é balancear, minimamente, a vontade da maioria com os interesses da minoria”, diz.
“Personalismo da política”
A proposta possui dois defeitos graves. Primeiro, na sua forma, pois está sendo discutida de última hora para atender interesses particulares de alguns parlamentares. Uma proposta com tamanho impacto demanda ampla discussão e tempo para que o debate amadureça. No mérito, também é ruim, pois enfraquece os partidos e fortalece o personalismo na política.
Além disso, fará com que o número de candidatos diminua e isso trará efeitos negativos, como: menos pessoas envolvidas na política por meio das campanhas; candidaturas de indivíduos com grande poder econômico pessoal; aumento de candidatos aventureiros que usam de sua fama para se elegerem e têm desempenho ruim e totalmente desvinculado do partido e da base.
Correio Braziliense